Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5087694-09.2019.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado SYLVIA MARLENE DE CASTRO FIGUEIREDO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
14/08/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 15/08/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS NÃO
COMPROVADOS. AUSÊNCIA DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. SUCUMBÊNCIA.I- Não
se olvida que o entendimento predominante na jurisprudência é o de que o limite de renda per
capita de um quarto do salário mínimo, previsto no artigo 20, §3º, da Lei 8.742/93, à luz do
sistema de proteção social ora consolidado, se mostra inconstitucional, devendo a análise da
miserabilidade levar em conta a situação específica do postulante ao benefício assistencial. II-
Todavia, no caso dos autos, observada a situação socioeconômica da parte autora, não restou
comprovada a miserabilidade alegada.III- Honorários advocatícios mantidos em 10% sobre o
valor da causa. A exigibilidade da verba honorária ficará suspensa por 05 (cinco) anos, desde que
inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios
da assistência judiciária gratuita, nos termos do artigo 98, §3º, do mesmo estatuto processual.IV -
Apelação da parte autora improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5087694-09.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELANTE: REGINA DALVA DE LIMA
Advogados do(a) APELANTE: SILMARA GUERRA SUZUKI - SP194451-N, JULIANA ANTONIA
MENEZES PEREIRA - SP280011-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5087694-09.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: REGINA DALVA DE LIMA
Advogados do(a) APELANTE: SILMARA GUERRA SUZUKI - SP194451-N, JULIANA ANTONIA
MENEZES PEREIRA - SP280011-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Senhora JuízaFederal Convocada Sylvia de Castro(Relatora): Trata-se de apelação de
sentença pela qual foi julgado improcedente o pedido em ação previdenciária objetivando a
concessão do benefício de prestação continuada. A parte autora foi condenada ao pagamento de
custas processuais e despesas processuais, bem como honorários advocatícios fixados com
fundamento no art. 85, §2º, do CPC em 10% do valor atualizado da causa.
A parte autora recorre, aduzindo restarem preenchidos os requisitos para a concessão do
benefício em comento.Com ascontrarrazões do réu, vieram os autos a esta Corte.
Em parecer, o i. representante do Parquet Federal, opinou pelo desprovimento da apelação da
parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5087694-09.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: REGINA DALVA DE LIMA
Advogados do(a) APELANTE: SILMARA GUERRA SUZUKI - SP194451-N, JULIANA ANTONIA
MENEZES PEREIRA - SP280011-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Nos termos do art. 1011 do CPC, recebo a apelação da parte autora.
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:(...)V - a garantia de um salário mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios
de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da
Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.(...)§ 2º
Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre osDireitos das Pessoas com deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.(...)§ 2o Para efeito
de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de
2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)§ 1o Extinta a relação
trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo e, quando for o caso,
encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o beneficiário adquirido
direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a continuidade do pagamento do
benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia médica ou reavaliação da
deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o período de revisão previsto no
caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia médica,
realizada em 10.04.2018,atesta que a autora, 58anos de idade, é portadora de coronariopatia e
depressão, apresentando incapacidade parcial permanente, desde janeiro de 2012, para
atividades que exijam esforço físico moderado ou intenso.
Em que pese o perito concluir pela incapacidade parcial da autora, há que se reconhecer que as
limitações por ela apresentadas, autorizam a concessão do benefício assistencial, caso preencha
o requisito socioeconômico, haja vista que possuiu 'impedimentos de longo prazo', com
potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de
condições com outras pessoas.
Preenchido, portanto, o requisito concernente à deficiência física.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente (STF. ADI
1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar (Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal
Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social, realizado em 24.04.2017, constatou que a autora reside
sozinha, em casa cedida por sua filha. A residência é guarnecida por móveis e eletrodomésticos
essenciais. A renda familiar é composta pelos rendimentos variáveis auferidos com a revenda de
roupas, no valor médio de R$ 2.160,00, nos últimos doze meses.
Não resta demonstrado, portanto, que se encontre em situação de miserabilidade que justifique a
concessão do amparo assistencial.
Observo que não se olvida que o entendimento predominante na jurisprudência é o de que o
limite de renda per capita de um quarto do salário mínimo, previsto no artigo 20, §3º, da Lei
8.742/93, à luz do sistema de proteção social ora consolidado, se mostra inconstitucional,
devendo a análise da miserabilidade levar em conta a situação específica do postulante ao
benefício assistencial. Todavia, no caso dos autos, observada a situação socioeconômica da
parte autora, não restou comprovada a miserabilidade alegada.
Honorários advocatícios mantidos em 10% sobre o valor da causa. A exigibilidade da verba
honorária ficará suspensa por 05 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de
recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, nos
termos do artigo 98, §3º, do mesmo estatuto processual.
Diante do exposto, nego provimento à apelação da parte autora.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS NÃO
COMPROVADOS. AUSÊNCIA DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. SUCUMBÊNCIA.I- Não
se olvida que o entendimento predominante na jurisprudência é o de que o limite de renda per
capita de um quarto do salário mínimo, previsto no artigo 20, §3º, da Lei 8.742/93, à luz do
sistema de proteção social ora consolidado, se mostra inconstitucional, devendo a análise da
miserabilidade levar em conta a situação específica do postulante ao benefício assistencial. II-
Todavia, no caso dos autos, observada a situação socioeconômica da parte autora, não restou
comprovada a miserabilidade alegada.III- Honorários advocatícios mantidos em 10% sobre o
valor da causa. A exigibilidade da verba honorária ficará suspensa por 05 (cinco) anos, desde que
inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios
da assistência judiciária gratuita, nos termos do artigo 98, §3º, do mesmo estatuto processual.IV -
Apelação da parte autora improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egregia Decima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3 Regiao, por unanimidade, negar provimento a apelacao
da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
