Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0002034-19.2020.4.03.6307
Relator(a)
Juiz Federal RODRIGO ZACHARIAS
Órgão Julgador
4ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
04/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 11/02/2022
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. DIREITO DA SEGURIDADE SOCIAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. LEI 8.742/93. LAUDO PERICIAL. PRESENÇA
DE DOENÇAS. DEFICIÊNCIA NÃO APURADA. BENEFÍCIO INDEVIDO. RECURSO DA PARTE
AUTORA DESPROVIDO.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
4ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002034-19.2020.4.03.6307
RELATOR:10º Juiz Federal da 4ª TR SP
RECORRENTE: MARIA IZABEL DE SANTANA PEREIRA
Advogados do(a) RECORRENTE: JOSE LUCAS VIEIRA DA SILVA - SP425633-N, CASSIA
MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N, LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A,
GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo4ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002034-19.2020.4.03.6307
RELATOR:10º Juiz Federal da 4ª TR SP
RECORRENTE: MARIA IZABEL DE SANTANA PEREIRA
Advogados do(a) RECORRENTE: JOSE LUCAS VIEIRA DA SILVA - SP425633-N, CASSIA
MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N, LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A,
GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de recurso interposta em face de sentença que julgou improcedente o pedido de
concessão do benefício de benefício assistencial.
A parte autora requer a reforma.
Vieram os autos a esta 10ª cadeira da 4ª Turma Recursal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002034-19.2020.4.03.6307
RELATOR:10º Juiz Federal da 4ª TR SP
RECORRENTE: MARIA IZABEL DE SANTANA PEREIRA
Advogados do(a) RECORRENTE: JOSE LUCAS VIEIRA DA SILVA - SP425633-N, CASSIA
MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N, LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A,
GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Conheço do recurso, em razão da satisfação de seus requisitos.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial
de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente,
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante pessoa com deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
A respeito do requisito objetivo, o tema foi levado à apreciação do Pretório Excelso por meio de
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo Procurador Geral da República, quando,
em meio a apreciações sobre outros temas, decidiu que o benefício do art. 203, inciso V, da CF
só pode ser exigido a partir da edição da Lei n.° 8.742/93.
Trata-se da ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro
Maurício Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição
conformada no § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93.
Posteriormente, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal
manteve o entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.°
179; RE 256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.°
280.663-3, São Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade sem pronúncia de
nulidade do parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS, que previa como critério para a concessão de
benefício a idosos ou deficientes a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do
salário mínimo, por considerar que esse critério está defasado para caracterizar a situação de
miserabilidade, cabendo a análise dessa condição no caso concreto (RE 567985)
Para além disso, foi declarada, no julgamento do RE 580963, a inconstitucionalidade sem
pronúncia de nulidade do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.471/2003 (Estatuto do Idoso),
sob o fundamento da inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de
deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em
relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo, o
que fere o princípio da isonomia.
As decisões concluíram que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode
resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de
renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência
econômica.
Essa insuficiência da regra decorreria não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição
da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como
absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida
como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida
a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Sendo assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE 580963 e RE 567985), o critério da
miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta
outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente
quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com
medicamentos ou com educação.
Nesse diapasão, apresento alguns parâmetros razoáveis, norteadores da análise individual de
cada caso:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo
são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser
miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
No mais, a mim me parece que, em todos os casos, outras circunstâncias diversas da renda
devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à
noção de hipossuficiência. Vale dizer, é de ser apurado se o interessado possui poupança, se
vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, plano
de saúde, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n.
8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no artigo 4º do
Decreto n. 3.298/99 (regulamentar da Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional da
Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo; portanto, constatado que os males sofridos
pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos requisitos exigidos
para a percepção do benefício.
Menciona-se também o conceito apresentado pela ONU, elaborado por meio da Resolução n.°
XXX/3.447, que conforma a Declaração, em 09/12/1975, in verbis:"1. O termo 'pessoa
deficiente' refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a si mesma, total ou parcialmente,
as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência,
congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais".
Esse conceito dá maior ênfase à necessidade, inclusive da vida individual, ao passo que o
conceito proposto por Luiz Alberto David Araujo prioriza a questão da integração social, como
se verá.
Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos para sua definição: "desvio
acentuado dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento físico,
mental, sensorial ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento separada,
combinada ou globalmente" (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito, n.
XXXIV. São Paulo: Saraiva, 1999).
Luiz Alberto David Araujo, por sua vez, compilou muitos significados da palavra deficiente,
extraídos dos dicionários de Língua Portuguesa. Observa ele que, geralmente, os dicionários
trazem a idéia de que a pessoa deficiente sofre de falta, de carência ou de falha.
Esse autor critica essas noções porque a idéia de deficiência não se apresenta tão simples, à
medida que as noções de falta, de carência ou de falha não abrangem todas as situações de
deficiência, como, por exemplo, o caso dos superdotados, ou de um portador do vírus HIV que
consiga levar a vida normal, sem manifestação da doença, ou ainda de um trabalhador
intelectual que tenha um dedo amputado.
Por ser a noção de falta, carência ou falha insuficiente à caracterização da deficiência, Luiz
Alberto David Araujo propõe um norte mais seguro para se identificar a pessoa protegida, cujo
fator determinante do enquadramento, ou não, no conceito de pessoa portadora de deficiência,
seja o meio social:
"O indivíduo portador de deficiência, quer por falta, quer por excesso sensorial ou motor, deve
apresentar dificuldades para seu relacionamento social. O que define a pessoa portadora de
deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a
pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O
grau de dificuldade para a sua integração social é o que definirá quem é ou não portador de
deficiência". (A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília:
Ministério da Justiça, 1997, p. 18-22).
E quanto mais complexo o meio social, maior rigor se exigirá da pessoa portadora de
deficiência para sua adaptação social. De outra parte, na vida em comunidades mais simples,
como nos meios agrícolas, a pessoa portadora de deficiência poderá integrar-se com mais
facilidade.
Desse modo, o conceito de Luiz Alberto David Araujo é adequado e de acordo com a norma
constitucional, motivo pelo qual é possível seu acolhimento para a caracterização desse grupo
de pessoas protegidas nas várias situações reguladas na Constituição Federal, nos arts. 7o,
XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 203, V e 208, III.
Mas é preciso delimitar a proteção constitucional apenas àquelas pessoas que realmente dela
necessitam, porquanto existem graus de deficiência que apresentam menores dificuldades de
adaptação à pessoa. E tal verificação somente poderá ser feita diante de um caso concreto.
Luiz Alberto David Araujo salienta que os casos-limite podem, desde logo, ser excluídos, como
o exemplo do bibliotecário que perde um dedo ou do operário que perde um artelho; em ambos
os casos, ambos continuam integrados socialmente. Ou ainda pequenas manifestações de
retardo mental (deficiência mental leve) podem passar despercebidas em comunidades simples,
pois tal pessoa poderá "não encontrar problemas de adaptação a sua realidade social (escola,
trabalho, família)", de maneira que não se pode afirmar que tal pessoa deverá receber proteção,
"tal como aquele que sofre restrições sérias em seu meio social" (obra citada, páginas 42/43).
"A questão, assim, não se resolve sob o ângulo da deficiência, mas, sim sob o prisma da
integração social. Há pessoas portadoras de deficiência que não encontram qualquer problema
de adaptação no meio social. Dentro de uma comunidade de doentes, isolados por qualquer
motivo, a pessoa portadora de deficiência não encontra qualquer outro problema de integração,
pois todos têm o mesmo tipo de dificuldade" (obra citada, p. 43).
Enfim, a constatação da existência de graus de deficiência é de fundamental importância para
identificar aqueles que receberão a proteção social prevista no art. 203, V, da Constituição
Federal.
Feitas essas considerações, torna-se possível inferir que não será qualquer pessoa com
deficiência que se subsumirá no molde jurídico protetor da Assistência Social.
Noutro passo, o conceito de pessoa portadora de deficiência, para fins do benefício de amparo
social, foi tipificado no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, que em sua redação original assim
dispunha:
"§ 2º - Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho."
Como se vê, pressupunha-se que o deficiente era aquele que: a) tinha necessidade de
trabalhar, mas não podia, por conta da deficiência; b) estava também incapacitado para a vida
independente. Ou seja, o benefício era devido a quem deveria trabalhar, mas não poderia e,
além disso, não tinha capacidade para uma vida independente sem a ajuda de terceiros.
Lícito é concluir que, tais quais os benefícios previdenciários, o benefício de amparo social,
enquanto em vigor a redação original do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, era substitutivo do
salário. Isto é, era reservado aos que tinham a possibilidade jurídica de trabalhar, mas não
tinham a possibilidade física ou mental para tanto.
Mas a redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS foi alterada pelo Congresso Nacional,
exatamente porque sua dicção gerava um sem número de controvérsias interpretativas na
jurisprudência.
A Lei n º 12.435/2011 deu nova redação ao § 2º do artigo 20 da LOAS, que esculpe o perfil da
pessoa com deficiência para fins assistenciais, da seguinte forma:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se: (Redação dada pela Lei nº
12.435, de 2011)
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Com a novel legislação, o benefício continuou sendo destinado àqueles deficientes que: a) tinha
necessidade de trabalhar, mas não podia, por conta de limitações físicas ou mentais; b) estava
também incapacitado para a vida independente.
Todavia, o legislador, não satisfeito, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da Lei nº
8.742/93, e o conceito de pessoa com deficiência foi uma vez mais alterado, pela Lei nº
12.470/2011, passando a ter a seguinte dicção:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela
que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Nota-se que, com o advento desta novel lei, dispensou-se a menção à incapacidade para o
trabalho ou à incapacidade para a vida independente, como requisito à concessão do benefício
assistencial.
Destarte, tal circunstância (a entrada em vigor de nova lei) deve ser levada em conta neste
julgamento, ex vi o artigo 462 do CPC/73 e 493 do NCPC.
Finalmente, a Lei nº 13.146/2015, que "institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência", com início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20,
§ 2º, da LOAS, in verbis:
"§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa
com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Reafirma-se, assim, que o foco, doravante, para fins de identificação da pessoa com
deficiência, passa a ser a existência de impedimentos de longo prazo, apenas e tão somente,
tornando-se despicienda a referência à necessidade de trabalho.
CASO CONCRETO
O requisito subjetivo da deficiência não restou caracterizado.
No caso vertente, segundo o laudo pericial, a parte autora não se amolda ao conceito de
pessoa com deficiência.
Eis os fundamentos contidos na perícia, sem destaques:
“Data da Pericia: 09/12/2020 ProcessoNúmero:0002034-19.2020.4.03.6307
Examinado(a):Maria Izabel de Santana Pereira Data de Nascimento:06/07/1971 Idade: 49 anos
EstadoCivil:Casada Sexo: Feminino Nascida em:Barbosa-SP RG:32001526-9 CIC:078.628.428-
55 Profissão:Doméstica/Desempregado(a)/ Sem Benefício Previdenciário. Data doinicioda
doença:2013. Data da Inicioda Incapacidade:Não Constatada a Incapacidade Laborativa.
ObservaçãoI Para evitar perdas de tempo, presentes e futuras, peço vênia para fazer conhecer
como seja o exercício da função de Perito Judicial. Examinar o Periciando tendo como
fundamento primordial o constante nos autos. Só segue o paradigma “visum et pertum,” para
informar ao MMJuiz. Articular o conhecimento médico com a lei, sem invadir territorialidade da
magistratura. Questões religiosas, políticas, sociais, culturais, antropológicas, raciais e de
gênero, não são e nenhuma hipótese prevalentes, e são estimadas nos casos de conveniência
para a anamnese, com absoluta isenção. Para o trabalho de Pericia é utilizado chancela régia
de isenção cientifica e suas prescrições metodológicas. A investigação diagnóstica é norteada
pela causa nosológica de pedir e para anamnese está proscrita de forma irrefutável,
metodologia inquisitorial. Por isto esta imposto abstrair-se, o examinador dos estados peculiares
ou idiossincráticos do examinando (ou a ele atribuídos), decorrentes estes de acasos fortuitos e
interpretações singulares. Tratando-se de Perito Oficial este nomeado pelo MMJuiz, questões
sobre o conhecimento teórico do facultativo restam impertinentes e, por extensão, dispensam
sugestões. Informo que não realizo pericias em parentes, pacientes meus e em quaisquer
pessoas com que tenha relação capazes de influir na natureza do meu trabalho. Advirto que a
conclusão aqui chegada é de natureza prevalente, não peremptória e circunstanciada ao tempo
do presente exame. As respostas aos quesitos são assentadas para sobre a enunciação do
Magistrado, ou seja, o periciando objeto do presente trabalho. Motivoalegadoda Incapacidade:
Históricoda Doença: O (a) autor (a) Maria Izabel de Santana Pereira, compareceu a pericia
médica alegando incapacidade laborativa devido á dor em região lombar e problemas
cardíacos, desde 2013. Co-Morbidadis:Hipertensão arterial e Diabetes Mellitus Exames físicos e
complementares: Atestado medico de maio de 2020, com diagnóstico de dor lombar baixa, sem
mencionar Incapacidade laborativa. Atestado médico de janeiro de 2020, com diagnóstico de
Angina Estável, sem mencionar Incapacidade laborativa. Exame de Ecocardiograma de outubro
de 2019, compatível com a normalidade. Exame de Cintilografia Perfusão Miocárdica de maio
de 2019, sem evidencia de Isquemia Miocardica. Exame físico: Paciente obesa com PAde
140/100 mm/hg. Mobilidade preservada dos movimentos de flexão extensão rotação e pendulo
preservados da coluna lombar. Ausência de déficits neuromusculares de membros inferiores.
Conclusão: Não constatada a incapacidade laborativa, visto que não foram contatados déficits
neuro musculares nos segmentos referidos como queixas. ObservaçãoII Esta perícia foi
realizada baseando-se nos relatos do (a) autor (a), exames físicos e documentação
apresentada. Suas conclusões poderão ser revistas e eventualmente alteradas caso sejam
apresentadas novas evidencias e fatos devidamente documentados, uma vez que este perito
não tem condições técnicas operacionais de conduzir oitiva de testemunhas/vistoriar locais de
trabalho e rotineiramente só tem acesso a algumas cópias dos autos que lhe são remetidas
para a elaboração do Laudo Pericial. Na certeza de ter atendido a solicitação feita a este juízo,
submeto á apreciação de V. Exa.Onosso trabalho.”
À evidência, como já explicado supra, os conceitos de deficiência e incapacidade não se
confundem.
Ainda que se observando os aspectos sociais e os fins sociais do direito, não identifico no caso
a satisfação do requisito subjetivo.
Assim, utilizando-me do disposto no artigo 46 da Lei n. 9.099/95, combinado com o artigo 1º da
Lei n. 10.259/01, entendo que a decisão recorrida deve ser mantida por seus próprios
fundamentos, os quais adoto como razões de decidir, dando-os por transcritos.
Esclareço, por oportuno, que “não há falar em omissão em acórdão de Turma Recursal de
Juizado Especial Federal, quando o recurso não é provido, total ou parcialmente, pois, nesses
casos, a sentença é confirmada pelos próprios fundamentos. (Lei 9.099/95, art. 46.)” (Turma
Recursal dos Juizados Especiais Federais de Minas Gerais, Segunda Turma, processo nº
2004.38.00.705831-2, Relator Juiz Federal João Carlos Costa Mayer Soares, julgado em
12/11/2004).
A propósito, que o Supremo Tribunal Federal concluiu que a adoção pelo órgão revisor das
razões de decidir do ato impugnado não implica violação ao artigo 93, inciso IX, da Constituição
Federal, em razão da existência de expressa previsão legal permissiva. Nesse sentido, trago à
colação o seguinte julgado:
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA. JUIZADO ESPECIAL. REMISSÃO AOS
FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1.
Controvérsia decidida à luz de legislações infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição
do Brasil. 2. O artigo 46 da Lei n. 9.099/95 faculta ao Colégio Recursal do Juizado Especial a
remissão aos fundamentos adotados na sentença, sem que isso implique afronta ao artigo 93,
IX, da Constituição do Brasil. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF, 2ª Turma,
AgRg em AI 726.283/RJ, Relator Ministro Eros Grau, julgado em 11/11/2008, votação unânime,
DJe de 27/11/2008).
Diante do exposto, com fulcro no artigo 46, da Lei n. 9.099/95, combinado com o artigo 1º, da
Lei n. 10.259/01, mantenho a sentença recorrida por seus próprios fundamentos e nego
provimento ao recurso.
Condeno a parte recorrente ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% do
valor da causa, nos termos do art. 85, em especial seus parágrafos 2º, 3º e 4º do Código de
Processo Civil vigente, bem como art. 55 da Lei nº 9099/95, observado o artigo 98, § 3º, do
CPC, suspensa a cobrança diante da eventual justiça gratuita deferida.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. DIREITO DA SEGURIDADE SOCIAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. LEI 8.742/93. LAUDO
PERICIAL. PRESENÇA DE DOENÇAS. DEFICIÊNCIA NÃO APURADA. BENEFÍCIO
INDEVIDO. RECURSO DA PARTE AUTORA DESPROVIDO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma
Recursal, por unanimidade, negou provimento ao recurso da autora, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
