Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5026720-40.2018.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
06/06/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 11/06/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO EM PRIMEIRO GRAU. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- O C. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, ao qual se alinha a jurisprudência da
Nona Turma deste E. Tribunal, no sentido de que a falta de intervenção do órgão ministerial, em
primeiro grau de jurisdição, pode ser suprida diante da intervenção deste em segunda instância.
- Não há que se falar em nulidade da sentença porquanto não houve arguição concreta de
prejuízo, a questão controvertida cinge-se a direito individual e disponível, a parte autora é
civilmente capaz e está regularmente representada por advogado constituído. Precedentes.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Implementado o requisito etário e constatada pelo laudo socioeconômico a hipossuficiência, é
devido o Benefício de Prestação Continuada a partir da data de entrada do requerimento
administrativo.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
liquidação.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar procedente o pedido.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026720-40.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: ELVIRA GONCALA SIMIONI FRANZINI
Advogado do(a) APELANTE: POLLYANA BALDAN SANCHES - SP368495-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026720-40.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: ELVIRA GONCALA SIMIONI FRANZINI
Advogado do(a) APELANTE: POLLYANA BALDAN SANCHES - SP368495-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação da parte autora interposta em face da r. sentença que julgou improcedente
o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício assistencial a pessoa deficiente.
O decisum condenou, ainda, a requerente, ao pagamento de eventuais despesas processuais e
honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), respeitada a
concessão dos benefícios da justiça gratuita. Vide docs. 4308205 e 4308207.
Pretendea apelanteseja reformado o julgado, sustentando a presença dos requisitos à outorga da
benesse.
Com contrarrazões coligidas ao doc. 4308212, subiram os autos a este Tribunal.
No doc. 7715723, o Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo provimento da
apelação. Caso assim não se entenda, postula pelo reconhecimento da nulidade do feito por
ausência de intervenção do Órgão Ministerial em primeiro grau, vislumbrando manifesto prejuízo
decorrente da improcedência do pedido.
Em síntese, o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026720-40.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: ELVIRA GONCALA SIMIONI FRANZINI
Advogado do(a) APELANTE: POLLYANA BALDAN SANCHES - SP368495-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação,
uma vez cumpridos os requisitos de admissibilidade.
Examino, em preliminar, a questão atinente à ausência de intervenção do Ministério Público em
primeiro grau, agitada pelo Parquet, por implicar em nulidade do feito, ex vi do art. 279 do CPC, a
ser decretada, até mesmo, de ofício.
É cediço que o C. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, ao qual se alinha a
jurisprudência da Nona Turma deste E. Tribunal, no sentido de que a falta de intervenção do
órgão ministerial, em primeiro grau de jurisdição, pode ser suprida diante da atuação deste em
segunda instância,in verbis:
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. MASSA
FALIDA. NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
REDIRECIONAMENTO PARA O SÓCIO-GERENTE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. SÚMULA 07
DO STJ. SUPERVENIENTE DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA. EXCLUSÃO DA MULTA
MORATÓRIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF.
VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. 1. A intervenção do Ministério Público
nas ações promovidas pro et contra a massa falida é indispensável e encontra-se insculpida no
art. 210 do Decreto-Lei 7.661/45. (Precedentes: AgRg no REsp 665.414/PR, DJ 10/09/2007; EDcl
no REsp 139.207/RJ, DJ 11/09/2006; REsp 614262/RJ, DJ 14/02/2005; AR 376/SP, DJ de
17.10.1994; REsp 28.529/SP, DJ de 26.08.2002) 2. A ausência de intervenção do representante
do Parquet em primeira instância é relevada quando este se manifesta em segunda instância,
sem argüição concreta de prejuízo ou nulidade, o que ocorreu in casu, às fls. 360 dos autos.
(Precedentes: REsp 803.897/SC, DJe 05/03/2008; EDcl no REsp 235.679/SP, DJ 18/05/2007;
REsp 308662/SC, DJ 01/12/2003; REsp 241813/SP, DJ 04/02/2002).
(...)”
(STJ, RESP 200602466695, Primeira Turma, Relator Ministro Luiz Fux, j. 20/08/2009; DJE
10/09/2009)
“AGRAVO. ART. 557 DO CPC. PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA
DEINTERVENÇÃODOMINISTÉRIO PÚBLICOFEDERAL EM PRIMEIRO GRAU.
PREVIDENCIÁRIO. AUXILIO-RECLUSÃO. SEGURADO DESEMPREGADO. FIXAÇÃO DO
PARÂMETRO DE BAIXA RENDA. UTILIZAÇÃO DO ÚLTIMO SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO DO
SEGURADO, CONSIDERADO O LIMITE EM VIGOR À ÉPOCA DE SEU PAGAMENTO. I - No
agravo previsto no art. 557 do CPC, a controvérsia limita-se ao exame da ocorrência, ou não, de
flagrante ilegalidade ou abuso de poder, a gerar dano irreparável ou de difícil reparação para a
parte, vícios inexistentes na decisão agravada. II. Ausência de manifestação doMinistério
PúblicoFederal em primeiro grau suprida emsegunda instância. (...).”
(TRF 3ª Região, AC 00014821220154039999, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal
Marisa Santos, j. 31/08/2015, e-DJF3 11/09/2015)
Além disso, não houve arguição concreta de nulidade pelo Parquet, visto que se limita a apontar a
ocorrência de prejuízo advinda, unicamente, do julgamento pela improcedência do pedido
formulado na peça exordial.
Não há que se falar, no entanto, por esse motivo, em causa de nulidade.
Com efeito, houve desenvolvimento válido e regular do processo, sendo certo que a sentença
monocrática julgou improcedente o pedido inicial com fundamento na ausência dos requisitos à
outorga da benesse, supedaneada no conjunto fático probatório dos autos, notadamente, no
estudo social realizado, sobre os quais tiveram as partes, inclusive, oportunidade de se
manifestar. Vide docs. 4308195, 4308196, 4308197 e 4308200.
No mais, a parte autora é civilmente capaz, está regularmente representada por advogado
constituído e a controvérsia dos autos refere-se a direito individual e disponível, situação diante
da qual a jurisprudência iterativa da Terceira Seção e da Nona Turma deste E. Tribunal assenta
não ser o caso de anulação da sentença. Colhem-se, a exemplo, os seguintes julgados:
“EMBARGOS INFRINGENTES. AUSÊNCIA DE VOTO VENCIDO. ADMISSIBILIDADE DO
RECURSO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, DA CF. PRELIMINAR. NULIDADE.
AUSÊNCIA DEINTERVENÇÃO DO M.P.F. NO FEITO EM MOMENTO ANTERIOR AO
JULGAMENTO DA APELAÇÃO. DIREITO PLEITEADO DE NATUREZA INDIVIDUAL,
PATRIMONIAL E DISPONÍVEL. CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE. RENDA FAMILIAR "PER
CAPITA". NATUREZA ASSISTENCIAL DA RENDA MENSAL VITALÍCIA. LEI Nº 12.435/2011. (...)
- A situação descrita nos autos não é apta a justificar a nulidade sustentada pelo Parquet Federal,
por falta de sua intervenção neste feito, sobretudo porque esta causa não se subsume às
hipóteses descritas no art. 82 do CPC, e, ademais, a concessão do benefício requerido depende
de preenchimento dos requisitos expressamente previstos em lei. - No que interessa a este caso,
o primeiro aspecto a se considerar é que o direito pleiteado pela autora é de natureza individual e
patrimonial, portanto, disponível, e a parte autora é maior, apresentando incapacidade física para
a atividade laborativa porque "portadora de artrose de joelhos bilateral e hipertensão arterial",
nada existindo nos autos sugestivo de moléstias de ordem mental ou psíquica, que lhe retire a
capacidade intelectiva e volitiva, a exigir a imprescindível intervenção do Ministério Público. No
caso, não há interesse de incapaz a reclamar essa tutela. - Numa interpretação conforme a
Constituição Federal e sistemática, a participação processual do Ministério Público, ainda que
prescrita em lei, deve circunscrever-se àqueles casos de que trata o art. 82, I, do CPC. (...)”
(EI 00058487520074039999, Terceira Seção, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos,
j. 08/09/2011, e-DJF3 16/09/2011)
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. DECISÃO MONOCRÁTICA. AUSÊNCIA
DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REDISCUSSÃO DE
MATÉRIA JÁ DECIDIDA. (...) 2. A questão controversa cinge-se a direito individual e disponível e
a parte autora, além de ser civilmente capaz, está representada por advogado regularmente
constituído. Assim, a ausência de intervenção do Ministério Público Federal não acarretou
nenhuma nulidade para os fins de justiça do processo. (...)”
(AC 00069925220054036120, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal Daldice Santana,
j. 29/07/2013, e-DJF3 07/08/2013)
Do expendido, é de ser rejeitada a matéria preliminar.
Previsto no art. 203, caput, da CR/88 e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de natureza
assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua concessão
desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado, atrelando-
se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência, nos termos
do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da ausência de
meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo suprido pela
família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼ (um quarto)
do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso vertente, verifica-se, pelos documentos 4308177 e 4308190, que a parte autora, nascida
em 16/10/1948, possuía 68 anos de idade em 18/05/2017, data de entrada do requerimento
aviado na senda administrativa, restando, pois, implementado o requisito etário.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 4308195, produzido em 11/01/2018.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a parte autora reside no município de Urupês/SP, com o
cônjuge, de 73 anos, idade correspondente à data do estudo socioeconômico.
Moram em casa própria, edificada em alvenaria, composta por dois quartos, sala, cozinha e
banheiro, guarnecidos com móveis e utensílios domésticos em bom estado de conservação,
suficientes para atendimento dos moradores. O imóvel localiza-se em rua asfaltada, com acesso
a redes de água e esgoto. Tem forro e piso e está rebocado. É simples e humilde, no entanto, as
condições de moradia e infraestrutura são boas.
As despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água (R$ 32,00) e energia elétrica (R$
80,00), gás (R$ 67,00), alimentação (R$ 500,00) e medicamentos (R$ 320,00), não fornecidos
pela rede pública de saúde.
O casal possui telefone e automóvel, um Gol, ano 1994, em péssimo estado de conservação.
Para realização de consultas médicas, deslocam-se aos municípios de Catanduva e São José do
Rio Preto, utilizando transporte público, disponibilizado pela Prefeitura, à toda população.
Os ganhos da família advém da aposentadoria de valor mínimo titularizada pelo consorte. De se
esclarecer que o salário mínimo, à época, era de R$ 954,00.
A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão do mencionado benefício, em aplicação analógica ao art. 34 do Estatuto do Idoso, nos
moldes do citado precedente do Excelso Pretório, de modo que não resta, como passível de
consideração jurídica, qualquer valor percebido pela proponente.
Sopesados, então, todos os elementos probantes amealhados, temos que a autora comprova não
possuir meios de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família, a amparar a
outorga do benefício pleiteado.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, a renda do casal não é suficiente para atender às necessidades básicas “desta
família simples e humilde”.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante
da benesse.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser fixado a partir do requerimento administrativo. Nesse sentido: APELREEX
00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j.
30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona Turma, Relator Juiz
Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Quanto à modulação dos efeitos da decisão do citado RE, destaca-se a pendência de apreciação,
pelo STF, de Embargos de Declaração, ficando remarcada, desta forma, a sujeição da questão
da incidência da correção monetária ao desfecho do referido leading case.
Deve o INSS arcar com os honorários advocatícios em percentual mínimo a ser definido na fase
de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil, observando-
se o disposto nos §§ 3º e 5º desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas
vencidas até a data da decisão concessiva do benefício, nos termos da súmula n. 111 do STJ.
Quanto às custas processuais, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, nos termos das Leis
Federais n. 6.032/74, 8.620/93 e 9.289/96, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/85 e
11.608/03, do Estado de São Paulo. Contudo, tal isenção não a exime do pagamento das custas
e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de
pagamento prévio.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito.
Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação
continuada deve ser revistoa cada dois anos,para avaliação da continuidade das condições que
lhe deram origem.
Ante o exposto, REJEITO A MATÉRIA PRELIMINAR E, NO MÉRITO, DOU PROVIMENTO À
APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, PARA REFORMAR A SENTENÇA E JULGAR PROCEDENTE
O PEDIDO, concedendo-lhe o benefício de prestação continuada, a partir da data de entrada do
requerimento administrativo, e fixando consectários na forma explicitada, abatidos eventuais
valores já recebidos.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO EM PRIMEIRO GRAU. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- O C. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, ao qual se alinha a jurisprudência da
Nona Turma deste E. Tribunal, no sentido de que a falta de intervenção do órgão ministerial, em
primeiro grau de jurisdição, pode ser suprida diante da intervenção deste em segunda instância.
- Não há que se falar em nulidade da sentença porquanto não houve arguição concreta de
prejuízo, a questão controvertida cinge-se a direito individual e disponível, a parte autora é
civilmente capaz e está regularmente representada por advogado constituído. Precedentes.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Implementado o requisito etário e constatada pelo laudo socioeconômico a hipossuficiência, é
devido o Benefício de Prestação Continuada a partir da data de entrada do requerimento
administrativo.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar procedente o pedido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, dar provimento à apelação da
parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
