Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5001467-21.2016.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal ANA LUCIA JORDAO PEZARINI
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
25/07/2017
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 28/07/2017
Ementa
EMENTA
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS.
BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do
Decreto nº 6.214/2007, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral. Precedentes.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Benefício de Prestação Continuada desde a data do indeferimento do requerimento
administrativo, por adstrição ao pedido.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada, observadas as disposições do
Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal e da Lei n.
11.960/2009 (cf. Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 16/4/2015, Rel. Min. Luiz Fux), bem
como normas legais ulteriores aplicáveis à questão.
- Honorários advocatícios estabelecidos no patamar mínimo de 10% (dez por cento) sobre as
parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito ao benefício, nos termos do art.
85, § 3º, I, do NCPC, da jurisprudência desta 9ª Turma e da Súmula n. 111 do STJ, observando-
se, na fase de liquidação de sentença, o § 5º do NCPC.
- As custas processuais deverão ser pagas pelo INSS ao final do processo, nos termos da Lei
Estadual n. 3.779/09, não estando, contudo, a Autarquia Previdenciária, eximida do pagamento
das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na
hipótese de pagamento prévio.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem (art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93).
- Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação
da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5001467-21.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: JOSE DIOGO FERNANDES GONCALVES
Advogado do(a) APELANTE: JAYSON FERNANDES NEGRI - SP2109240S
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO:
APELAÇÃO (198) Nº 5001467-21.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: JOSE DIOGO FERNANDES GONCALVES
Advogado do(a) APELANTE: JAYSON FERNANDES NEGRI - MS1139700S
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação da parte autora, representada por sua genitora, interposta em face da r.
sentença que julgou improcedente o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício
assistencial a pessoa deficiente (doc. 129987).
Pretende que seja reformado o julgado, sustentando a presença dos requisitos à outorga da
benesse a partir do indeferimento na via administrativa, prequestionando a matéria, para fins
recursais (doc. 129975).
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal (doc. 129966).
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento do apelo autoral (doc.
433848).
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5001467-21.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: JOSE DIOGO FERNANDES GONCALVES
Advogado do(a) APELANTE: JAYSON FERNANDES NEGRI - MS1139700S
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO:
V O T O
Discute-se, in casu, o direito à concessão do benefício de prestação continuada ao deficiente.
Previsto no artigo 203, caput, da CR/88 e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de natureza
assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua concessão
desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado, atrelando-
se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário (recordando-se, a este passo, da
sucessiva redução da idade mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº
9.720/98 e, ao depois, para 65 anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003) ou à detecção de
deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à
verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-lo suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per
capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial , aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei n.
13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa
com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do
Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência
social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral, na
esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de que padece o
demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o acompanha, impõem-lhe
significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr, participar de brincadeiras,
acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário perquirir quanto à existência ou
não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º, doDecretonº 6.214/2007. (...) V - Embargos
Infringentes do INSS a que se nega provimento.” (EI 994950, Relator Desembargador Federal
Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3 14/09/2011)
Ainda, o posicionamento da Nona Turma deste E. Tribunal no mesmo sentido, em recentes
julgados de minha relatoria: AC 0008758-60.2016.4.03.9999, D.E. 24/11/2016; AC 0002545-
37.2013.4.03.6121, D.E. 04/11/2016; AC 0007387-51.2012.4.03.6103, D.E. 24/11/2016.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte reside no fato de terem sido "editadas leis que
estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais
como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa
Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que
autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas
de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas" (RE nº 580963).
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora (v., a exemplo, STJ: REsp nº 314264/SP,
Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185; EDcl no AgRg
no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ 04/04/2005, p.
342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002, v.u., DJ
10/03/2003, p. 323).
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família (Lei nº 10.836/04), o Programa Nacional de Acesso à Alimentação (Lei nº 10.689/03)
e o bolsa escola (Lei nº 10.219/01), contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido."
(EI 00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados."
(AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3
08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, submetido à sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade
por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de
justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos,
bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de
benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo." (RE nº 580.963/PR, DJe
14.11.2013).
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso (assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos), mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
No caso dos autos, o laudo médico realizado em 12/5/2015 (doc. 129986) considerou o autor,
então com 12 anos de idade (nascido em 07/3/2003, doc. 129972, fl. 02), portador de retardo
mental não especificado, com comprometimento significativo do comportamento, limitações
psíquicas importantes para o convívio social e cerceamento, até mesmo, às atividades simples do
dia a dia, sem possibilidade de reabilitação.
Quanto à hipossuficiência, importa analisar o estudo social coligido aos autos, produzido em
29/9/2015 (doc. 129978).
Segundo o laudo adrede confeccionado, a parte autora reside com a genitora, de 43 anos,
solteira, e uma irmã, de 15 anos, idades correspondentes à data do estudo socioeconômico.
Moram em casa própria, construída em alvenaria, de padrão popular, composta por dois
dormitórios, sala e cozinha, guarnecida com móveis e eletrodomésticos suficientes para acolher a
necessidade dos integrantes, contudo, a família dorme no mesmo quarto, contando, apenas, com
uma cama de casal e um colchão para a irmã, que dorme no chão.
O proponente frequenta a APAE e está incluído no Programa de Inclusão Social em escola
estadual, mas sequer foi alfabetizado, desconhecendo letras e números.
As despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água (R$ 19,12) e energia elétrica (R$
157,41), supermercado e gás (R$ 350,00) e medicamentos (R$ 150,00), não fornecidos pela rede
pública de saúde.
A renda familiar advém do benefício de prestação continuada titularizado pela mãe, portadora do
virus HIV.
A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão do mencionado benefício, em aplicação analógica ao art. 34 do Estatuto do Idoso, nos
moldes do citado precedente do Excelso Pretório, de modo que não resta, como passível de
consideração jurídica, qualquer valor percebido pelo requerente.
Averbe-se que o genitor passou a manter contato com o vindicante apenas recentemente. É
aposentado, percebendo benefício no valor de um salário mínimo, havendo relato no sentido de
que vive, também de renda obtida de aluguel de imóvel. No entanto, até o momento, ajuda
somente quando pode e não paga pensão.
A família não participa de programas sociais e depende, à sobrevivência, do auxílio de terceiros,
recebendo, apenas esporadicamente, cesta básica de emergência do município.
Sopesados, então, todos os elementos probantes amealhados, temos que o autor comprova não
possuir meios de ter a manutenção provida por sua família, a amparar a outorga do benefício
pleiteado.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita social, cujo excerto reproduzo:
“José Diogo Fernandes Gonçalves 12 anos apresenta Deficiência intelectual, Distúrbio de
Comportamento, além de problemas nos rins e hipertensão arterial.
O núcleo familiar é composto pela genitora Ana Cristina Fernandes 43 anos e pela irmã Mirian de
15 anos. A sobrevivência é garantida somente por Ana que é beneficiária do Amparo Social, em
decorrência de ser soropositivo, auferindo $788,00 mensais.
A família enfrenta dificuldades financeiras para arcar com as despesas e manter a sobrevivência.”
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, impondo-se a
reforma da sentença monocrática.
Segundo a jurisprudência, inclusive assentada pelo C. Superior Tribunal de Justiça, em sede de
repercussão geral (Recurso Especial nº 1.369.165/SP), os benefícios por incapacidade devem ser
concedidos, em regra, a partir do requerimento administrativo e, na sua ausência, da citação. No
entanto, é de ser fixado, no caso, a partir da data do indeferimento do requerimento do
postulante, na via administrativa, por adstrição ao pedido formulado na peça exordial (art. 460 do
CPC/1973, repisado no art. 492 do novo CPC).
Os valores em atraso serão corrigidos nos termos da Lei n. 6.899/81 e da legislação
superveniente, aplicado o Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça
Federal, atendido o disposto na Lei n. 11.960/2009, consoante Repercussão Geral no RE n.
870.947, em 16/4/2015, Rel. Min. Luiz Fux.
São devidos juros moratórios, conforme os parâmetros preconizados pelo mencionado Manual de
Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, observadas as alterações
introduzidas no art. 1-F da Lei n. 9.494/97 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/09, pela MP n. 567, de 03
de maio de 2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07 de agosto de 2012, bem como as normas
legais ulteriores aplicáveis à questão.
Os honorários advocatícios devem ser fixados no patamar mínimo de 10% (dez por cento) sobre
o valor da condenação, a teor do disposto no art. 85, § 3º, I, do NCPC e consoante jurisprudência
desta 9ª Turma, considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o
direito ao benefício (Súmula n. 111 do STJ). Ainda, na fase de liquidação de sentença, deverá ser
observado o § 5º do mencionado dispositivo processual.
As custas processuais serão pagas pelo INSS ao final do processo, nos termos da Lei Estadual n.
3.779/09, que revogou a isenção concedida na legislação pretéria e disposições contidas tanto no
artigo 27 do CPC/1973 quanto no artigo 91 do CPC/2015. Ademais, não se exime a Autarquia
Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora,
por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito.
Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação
continuada deve ser revistoa cada dois anos,para avaliação da continuidade das condições que
lhe deram origem.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA JULGAR
PROCEDENTE O PEDIDO, concedendo-lhe o benefício de prestação continuada, a partir do
indeferimento do requerimento administrativo, fixando consectários na forma explicitada, abatidos
eventuais valores já recebidos.
É como voto.
APELAÇÃO (198) Nº 5001467-21.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: JOSE DIOGO FERNANDES GONCALVES
Advogado do(a) APELANTE: JAYSON FERNANDES NEGRI - SP2109240S
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO:
V O T O
A ilustre Desembargadora Federal relatora, Ana Pezarini, em seu fundamentado voto, DEU
PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO,
concedendo-lhe o benefício de prestação continuada, a partir do indeferimento do requerimento
administrativo, fixando consectários, abatidos eventuais valores já recebidos.
Ouso, porém, com a máxima vênia, apresentar divergência, pelas razões que passo a expor.
Trata-se de apelação interposta pela parte autora, representada por sua genitora, em face da r.
sentença que julgou improcedente o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício
assistencial a pessoa deficiente (doc. 129987).
Pretende que seja reformado o julgado, sustentando a presença dos requisitos à outorga da
benesse a partir do indeferimento na via administrativa, prequestionando a matéria, para fins
recursais (doc. 129975).
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal (doc. 129966).
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento do apelo autoral (doc.
433848).
Pois bem.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos
Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
O critério da miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar
em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente,
principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais
com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de
situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -,
a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente
prevista.
Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a
possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova,
conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min.
Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson
Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal,
DJU 21/2/2000, p. 163).
O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu, em julgamento com repercussão geral,
seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode
ser considerado taxativo (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n.
225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no
indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita
seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas
assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita
de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos
Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da
Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional
de Acesso à Alimentação).
Ressalte-se que o critério do meio salário mínimo foi estabelecido para outros benefícios diversos
do amparo social. Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o
próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima
citada.
Vale dizer, não se pode tomar como “taxativo” o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS, mesmo
porque toda regra jurídica deve pautar-se na realidade fática. Entendo pessoalmente que, em
todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do
requerente também se subsume à noção de hipossuficiência, devendo ser apurado se vive em
casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, auxílio
permanente de parentes ou terceiros etc.
Sendo assim, pode-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de cada
caso, como por exemplo:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo
são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser
miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
Vamos adiante.
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência,
faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os
conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o
mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida
independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um
quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei
n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n.
8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no artigo 4º do
Decreto n. 3.298/99 (regulamentar da Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional da
Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo; portanto, constatado que os males sofridos
pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos requisitos exigidos para
a percepção do benefício.
Menciona-se também o conceito apresentado pela ONU, elaborado por meio da Resolução n.°
XXX/3.447, que conforma a Declaração, em 09/12/1975, in verbis:“1. O termo ‘pessoa deficiente’
refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a si mesma, total ou parcialmente, as
necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência,
congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais”.
Esse conceito dá maior ênfase à necessidade, inclusive da vida individual, ao passo que o
conceito proposto por Luiz Alberto David Araujo prioriza a questão da integração social, como se
verá.
Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos para sua definição: “desvio acentuado
dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento físico, mental, sensorial
ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento separada, combinada ou
globalmente” (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito, n. XXXIV. São Paulo:
Saraiva, 1999).
Luiz Alberto David Araujo, por sua vez, compilou muitos significados da palavra deficiente,
extraídos dos dicionários de Língua Portuguesa. Observa ele que, geralmente, os dicionários
trazem a idéia de que a pessoa deficiente sofre de falta, de carência ou de falha.
Esse autor critica essas noções porque a idéia de deficiência não se apresenta tão simples, à
medida que as noções de falta, de carência ou de falha não abrangem todas as situações de
deficiência, como, por exemplo, o caso dos superdotados, ou de um portador do vírus HIV que
consiga levar a vida normal, sem manifestação da doença, ou ainda de um trabalhador intelectual
que tenha um dedo amputado.
Por ser a noção de falta, carência ou falha insuficiente à caracterização da deficiência, Luiz
Alberto David Araujo propõe um norte mais seguro para se identificar a pessoa protegida, cujo
fator determinante do enquadramento, ou não, no conceito de pessoa portadora de deficiência,
seja o meio social:
“O indivíduo portador de deficiência, quer por falta, quer por excesso sensorial ou motor, deve
apresentar dificuldades para seu relacionamento social. O que define a pessoa portadora de
deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a
pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O
grau de dificuldade para a sua integração social é o que definirá quem é ou não portador de
deficiência”. (A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília:
Ministério da Justiça, 1997, p. 18-22).
E quanto mais complexo o meio social, maior rigor se exigirá da pessoa portadora de deficiência
para sua adaptação social. De outra parte, na vida em comunidades mais simples, como nos
meios agrícolas, a pessoa portadora de deficiência poderá integrar-se com mais facilidade.
Desse modo, o conceito de Luiz Alberto David Araujo é adequado e de acordo com a norma
constitucional, motivo pelo qual é possível seu acolhimento para a caracterização desse grupo de
pessoas protegidas nas várias situações reguladas na Constituição Federal, nos arts. 7o, XXXI,
23, II, 24, XIV, 37, VIII, 203, V e 208, III.
Mas é preciso delimitar a proteção constitucional apenas àquelas pessoas que realmente dela
necessitam, porquanto existem graus de deficiência que apresentam menores dificuldades de
adaptação à pessoa. E tal verificação somente poderá ser feita diante de um caso concreto.
Luiz Alberto David Araujo salienta que os casos-limite podem, desde logo, ser excluídos, como o
exemplo do bibliotecário que perde um dedo ou do operário que perde um artelho; em ambos os
casos, ambos continuam integrados socialmente. Ou ainda pequenas manifestações de retardo
mental (deficiência mental leve) podem passar despercebidas em comunidades simples, pois tal
pessoa poderá “não encontrar problemas de adaptação a sua realidade social (escola, trabalho,
família)”, de maneira que não se pode afirmar que tal pessoa deverá receber proteção, “tal como
aquele que sofre restrições sérias em seu meio social” (obra citada, páginas 42/43).
“A questão, assim, não se resolve sob o ângulo da deficiência, mas, sim sob o prisma da
integração social. Há pessoas portadoras de deficiência que não encontram qualquer problema
de adaptação no meio social. Dentro de uma comunidade de doentes, isolados por qualquer
motivo, a pessoa portadora de deficiência não encontra qualquer outro problema de integração,
pois todos têm o mesmo tipo de dificuldade” (obra citada, p. 43).
Enfim, a constatação da existência de graus de deficiência é de fundamental importância para
identificar aqueles que receberão a proteção social prevista no art. 203, V, da Constituição
Federal.
Feitas essas considerações, torna-se possível inferir que não será qualquer pessoa portadora de
deficiência que se subsumirá no molde jurídico protetor da Assistência Social.
SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Resta consignar que a Assistência Social, tal como regulada na Constituição Federal e na Lei nº
8.742/93, tem caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência
social, previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas
prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido “Estado de bem-estar social”, forjado
no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já
haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, lícito é inferir que só deve ser prestada em casos
de real necessidade, dentro das estritas regras do direito material, sob pena de comprometer a
mesma proteção social não apenas das futuras gerações, mas também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um)
salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no
Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários
anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de
propiciar igualdade, isonomia de condições a todos.
Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial geraria não
apenas injustiça aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de
contribuir, ou mesmo não se filiem ou não contribuam, o que constitui situação anômala e
gravíssima do ponto de vista atuarial.
No mais, não deve o Estado substituir a sociedade em situações onde esta consegue, ela própria,
mediante esforço, resolver suas pendências, sob pena de se construir uma sociedade de
freeloaders, cada vez mais dependente das prestações do Estado e incapaz de construir um
futuro social e economicamente viável para si própria.
Nesse diapasão, a proteção social baseada na solidariedade legal não tem como finalidade cobrir
contingências encontradas somente na letra da lei (dever-ser) e não no mundo dos fatos (ser).
Cabe, em casos que tais, à sociedade (solidariedade social) prestar na medida do possível
assistência aos próximos.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando
pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o
guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor
dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos.
Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do
conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos
sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o
Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a
dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos
da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade
da 'Rerum Novarum', p. 545).
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto para, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
Por fim, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está,
em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in
verbis: “A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não
podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não
incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência
social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social,
frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade
social ou de outro regime, salvo o de assistência médica” (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in
Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
CRIANÇAS E ADOLESCENTES ATÉ 16 ANOS
Um caso peculiar de pessoa com deficiência, à luz da Constituição e legislação
infraconstitucional, é a criança e o adolescente até dezesseis anos, demandando análise
pormenorizada do intérprete a fim de aferir a possibilidade jurídica de concessão do benefício a
tais espécies de requerentes, pelas razões passo a expor.
O conceito de pessoa portadora de deficiência, para fins do benefício de amparo social, foi
tipificada no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, que em sua redação original assim dispunha:
“§ 2º - Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.”
Como se vê, pressupunha-se que o deficiente era aquele que: a) tinha necessidade de trabalhar,
mas não podia, por conta da deficiência; b) estava também incapacitado para a vida
independente. Ou seja, o benefício era devido a quem deveria trabalhar, mas não poderia e, além
disso, não tinha capacidade para uma vida independente sem a ajuda de terceiros.
Lícito é concluir que, tal qual os benefícios previdenciários, o benefício de amparo social,
enquanto em vigor a redação original do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, era substitutivo do
salário. Isto é, era reservado aos que tinham a possibilidade jurídica de trabalhar, mas não tinham
a possibilidade física ou mental para tanto.
Dito isso, o próximo ponto a ser levado em linha de conta é se as crianças e adolescentes –
impedidas de trabalhar por força de norma constitucional – enquadravam-se, ou não, dentre os
possíveis percipiente do benefício de amparo social.
Eis a redação do artigo 7º, XXXIII, da Constituição Federal, dada pela Emenda Constitucional nº
20/1998:
“XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer
trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;”
Impende inferir, segundo o Texto Magno, que os menores de 16 (dezesseis) anos não poderão
trabalhar, ainda que o pudessem e quisessem.
Pergunta-se então: à luz da redação original do artigo 2º, § 2º, da LOAS, qual sentido em
conceder-se um benefício a quem (crianças e adolescentes até dezesseis anos) não poderia
juridicamente trabalhar, nem que o quisesse?
Realmente, forçoso identificar nesse contexto um contrassenso, porquanto se dessume, da
norma constitucional, que qualquer criança ou adolescente até dezesseis anos deverá ter provido
o sustento por sua família, não por ela própria, já que impedida de trabalhar.
A propósito, o Código Civil e a própria Constituição Federal, esta no artigo 229, determina aos
pais que cuidem de seus filhos, enquanto menores.
À vista de tais considerações, pela interpretação lógico-sistemática da Constituição, conclui-se
que as crianças e adolescentes até 16 (dezesseis) anos não tinham direito ao benefício
assistencial.
De fato, a Seguridade Social é instrumento de proteção social a ser concedida àqueles que não
podem trabalhar, por alguma contingência ou algum risco social, e exatamente por isso não
conseguem sustento algum.
Deve ser evocado, outrossim, aqui, o princípio do primado do trabalho, esculpido no artigo 193 da
Constituição Federal. Vale dizer, o Estado só pode prover a subsistência da pessoa em casos
excepcionais, quando ela não tem possibilidades físicas ou mentais de trabalhar.
Nunca é demais relembrar que o trabalho não é apenas um direito, previsto no artigo 6º da Carta
Magna, mas um dever, pois sem o trabalho não há sociedade, não há nação e não se concebe a
própria noção de Ordem Social ou mesmo de Estado.
Consequentemente, partindo-se da premissa que o benefício de amparo social é devido somente
a quem, por ser deficiente ou idoso, não pode trabalhar, aquele que está constitucionalmente
impedido de trabalhar (crianças e adolescentes até dezesseis anos) não terá direito o esse tipo
de benefício, exatamente porque se presume que terão o sustento provido por suas respectivas
famílias ou responsáveis, de quem são dependentes.
Cuida-se uma questão de interpretação lógico-sistemática, notadamente porque a Seguridade
Social, bem de todos, deve ser concedida somente quando a sociedade não puder lidar, ela
própria, com suas contingências sociais. O sistema de proteção social não tem o escopo de
substituir a sociedade naquilo que concerne às suas próprias obrigações.
Jamais se pode olvidar que cabe à família, em primeiro lugar, buscar seu próprio sustento por
meio do trabalho, só podendo o Estado assumir a subsistência da pessoa em casos
excepcionalíssimos: exatamente aqueles previstos no art. 203, inciso V, da CF.
Mas vamos adiante.
A redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS foi alterada pelo Congresso Nacional, exatamente
porque sua dicção gerava um sem número de controvérsias interpretativas na jurisprudência.
A Lei n º 12.435/2011 deu nova redação ao § 2º do artigo 20 da LOAS, que esculpe o perfil da
pessoa com deficiência para fins assistenciais, da seguinte forma:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se: (Redação dada pela Lei nº 12.435,
de 2011)
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Uma vez mais, há referência do legislador à impossibilidade de trabalhar, de modo que o
benefício continuou sendo destinado àqueles deficientes que: a) tinha necessidade de trabalhar,
mas não podia, por conta de limitações físicas ou mentais; b) estava também incapacitado para a
vida independente.
Consequentemente, aos fatos ocorridos na vigência da Lei n. 12.435/2011, reputo continuar
impossível juridicamente a concessão de benefício de amparo social aos menores de 16
(dezesseis) anos de idade.
Todavia, o legislador, não satisfeito, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da Lei nº
8.742/93, e o conceito de pessoa com deficiência foi uma vez mais alterado, pela Lei nº
11.470/2011, passando a ter a seguinte dicção:
“§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
Nota-se que, com o advento desta novel lei, dispensou-se a menção à incapacidade para o
trabalho ou à incapacidade para a vida independente, como requisito à concessão do benefício
assistencial.
Destarte, tal circunstância (a entrada em vigor de nova lei) deve ser levada em conta neste
julgamento, ex vi o artigo 462 do CPC/73 e 493 do NCPC.
Finalmente, a Lei nº 13.146/2015, que "institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência”, com início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, §
2º, da LOAS, in verbis:
“§ 2oPara efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Reafirma-se, assim, que o foco, doravante, para fins de identificação da pessoa com deficiência,
passa a ser a existência de impedimentos de longo prazo, apenas e tão somente, tornando-se
despicienda a referência à necessidade de trabalho.
À vista de tais considerações, alterando entendimento anterior após melhor análise da questão,
concluo que apenas e tão somente em 31/8/2011, quando entrou em vigor a Lei nº 12.470,
passaram as crianças e adolescentes a adquirir direito ao recebimento do benefício de amparo
social, desde que satisfeitos os requisitos da nova legislação.
Em derradeiro, deverá ser levado em linha de conta o impacto na economia familiar do menor,
por exigir a dedicação de um dos membros do grupo para seus cuidados, prejudicando a
capacidade daquele grupo familiar de gerar renda.
Nesse sentido, o precedente da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais
Federais, in verbis (g.n.):
“PREVIDENCIÁRIO. LOAS. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. PARADIGMA QUE SE REPORTA A
JULGADO DE TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. DESCABIMENTO. ART. 14, § 2º, DA LEI Nº
10.259/2001. SIMILITUDE FÁTICA ENTRE O ARESTO FUSTIGADO E OS PARADIGMAS
JUNTADOS. TESES DISCREPANTES QUANTO À POSSIBILIDADE DE SE CONCEDER
BENEFÍCIO (LOAS) A REQUERENTE MENOR DE 16 (DEZESSEIS) ANOS, TENDO EM VISTA
A MENORIDADE. INCIDENTE CONHECIDO. TESE ATUALMENTE UNIFORMIZADA NESTA
TNUJEF’s NO SENTIDO DE QUE, PARA A CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL A
MENOR, OBSERVAM-SE OS CONDICIONANTES ESTABELECIDOS NO ARESTO
PROFERIDO NO PROCESSO Nº 2007.83.03.50.1412-5. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO
PROVIDO EM PARTE. I. A divergência, passível de ser conhecida pela TNUJEF’s, decorre de
“pedido fundado em divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões ou da proferida
em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ será julgado por Turma de
Uniformização, integrada por juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da
Justiça Federal”, na forma do §2º do art. 14 da Lei nº 10.259/2001. II. Decisões oriundas de
tribunais regionais federais ou de turmas recursais vinculadas à mesma Região da Justiça
Federal da Turma de origem não podem ser conhecidas para efeito de constar como paradigmas,
nos termos legais. III. Quanto aos paradigmas oriundos de Turmas Recursais vinculadas à
Região diferente (3ª Região) daquela da Turma de origem, evidencia-se do exame do aresto
recorrido que há discrepância entre a tese trazida neste e a apontada no excerto desses julgados
trazidos pela parte recorrente. É que a decisão fustigada firmou a tese de que, no caso de menor
de 16 (dezesseis) anos, a incapacidade pode ser presumida. Os paradigmas, de sua parte,
ressaltam que essa incapacitação deve decorrer de questão médica. IV. Esta TNU, a partir do
julgamento proferido no Processo nº 2007.83.03.50.1412-5, julgamento este proferido após o voto
anterior deste Relator neste feito, ora retificado acolhendo as razões do voto-vista do juiz federal
José Antônio Savaris, firmou a tese de que, em se tratando de benefício decorrente da Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS), a incapacitação, para efeito de concessão do benefício a
menor de 16 (dezesseis) anos, deve observar, além da deficiência, que implique limitação ao
desempenho de atividades ou restrição na participação social, compatíveis com a idade do
menor, bem como o impacto na economia do grupo familiar do menor, seja por exigir a dedicação
de um dos membros do grupo para seus cuidados, prejudicando a capacidade daquele grupo
familiar de gerar renda. V. Aplicação ao caso em análise de todos os condicionantes
estabelecidos no voto-vista, proferido neste feito, bem como no aresto proferido no julgamento do
Processo nº 2007.83.03.50.1412-5, razão pela qual os autos devem retornar à Origem, a fim de
que perfaça o cotejo fático diante da tese firmada nesta TNU e aplicada à situação retratada no
incidente. VI. Pedido de uniformização conhecido e provido em parte” (PEDILEF
200580135061286, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL,
Relator(a) JUIZ FEDERAL RONIVON DE ARAGÃO, TNU, Data da Decisão 11/10/2010,
Fonte/Data da Publicação DOU 08/07/2011).
CASO CONCRETO
Quanto ao requisito subjetivo, resta comprovada nos autos porque o autor, nascido em 07/3/2003
(doc. 129972), possui retardo mental não especificado, amoldando-se à hipótese do artigo 20, §
2º, da LOAS, desde 31/8/2011 (vide supra).
Entretanto, quanto à hipossuficiência econômica, não está patenteada no presente caso.
Como bem observou a ilustre relatora, segundo o estudo social realizado, a parte autora reside
com a genitora, de 43 anos, solteira, e uma irmã, de 15 anos, idades correspondentes à data do
estudo socioeconômico.
Moram em casa própria, construída em alvenaria, de padrão popular, composta por dois
dormitórios, sala e cozinha, guarnecida com móveis e eletrodomésticos suficientes para acolher a
necessidade dos integrantes, a família dormindo no mesmo quarto, contando, apenas, com uma
cama de casal e um colchão para a irmã, que dorme no chão.
O proponente frequenta a APAE e está incluído no Programa de Inclusão Social em escola
estadual, mas sequer foi alfabetizado, desconhecendo letras e números.
As despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água (R$ 19,12) e energia elétrica (R$
157,41), supermercado e gás (R$ 350,00) e medicamentos (R$ 150,00), não fornecidos pela rede
pública de saúde.
A renda familiar advém do benefício de prestação continuada titularizado pela mãe, portadora do
vírus HIV. Não se ignorar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a exclusão
do mencionado benefício, em aplicação analógica ao art. 34 do Estatuto do Idoso, nos moldes do
citado precedente do Excelso Pretório.
Acrescente-se que o genitor passou a manter contato com o autor apenas recentemente. É
aposentado, percebendo benefício no valor de um salário mínimo, havendo relato no sentido de
que vive, também de renda obtida de aluguel de imóvel. No entanto, até o momento, ajuda
somente quando pode e não paga pensão.
A família não participa de programas sociais e depende, à sobrevivência, do auxílio de terceiros,
recebendo, apenas esporadicamente, cesta básica de emergência do município.
Resta evidente que o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS não é taxativo, consoante jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, devendo a hipossuficiência ser aferida caso a caso.
Porém, a situação econômica da família jamais esteve prejudicada por causa da doença da parte
autora. Nunca houve impedimento ao trabalho da mãe ou do pai, exceto pelo fato de a mãe da
autora ser portadora de HIV.
Ausente, portanto, impacto na renda familiar, o benefício não pode ser concedido. Isto é, a
situação econômica da família jamais esteve prejudicada por causa da doença da parte autora,
registrando-se que “a incapacitação, para efeito de concessão do benefício a menor de 16
(dezesseis) anos, deve observar, além da deficiência, que implique limitação ao desempenho de
atividades ou restrição na participação social, compatíveis com a idade do menor, bem como o
impacto na economia do grupo familiar do menor, seja por exigir a dedicação de um dos membros
do grupo para seus cuidados, prejudicando a capacidade daquele grupo familiar de gerar renda”
(PEDILEF 200580135061286, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI
FEDERAL, Relator(a) JUIZ FEDERAL RONIVON DE ARAGÃO, TNU, Data da Decisão
11/10/2010, Fonte/Data da Publicação DOU 08/07/2011).
Outrossim, não há explicação alguma sobre o porquê de o pai da autora não lhe pagar alimentos.
Com efeito, a responsabilidade dos pais pelos filhos é dever primário, e que a responsabilidade
do Estado é subsidiária. Não cabe ao Estado substituir as pessoas em suas respectivas
obrigações legais, mesmo porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da
sociedade, não do indivíduo.
Oportuno é transcrever o parágrafo da r. sentença proferida pelo MMº Juízo a quo:
“Assim sendo, uma vez mais, é importante anotar que o presente benefício não foi criado para
atender aqueles que têm dificuldades econômicas, notadamente quando se omite até mesmo de
pleitear alimentos ao genitor que tem condições de prestá-los.”
No caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao disposto
no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores
têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade."
Indevida, assim, a concessão do benefício, ante a não satisfação dos critérios subjetivo e
objetivo.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO.
Considerando que a sentença foi publicada na vigência do CPC/1973, não incide ao presente
caso a regra de seu artigo 85, §§ 1º e 11, do NCPC, que determina a majoração dos honorários
de advogado em instância recursal.
É o voto.
Rodrigo Zacharias
Juiz federal convocado
EMENTA
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS.
BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do
Decreto nº 6.214/2007, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral. Precedentes.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada desde a data do indeferimento do requerimento
administrativo, por adstrição ao pedido.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada, observadas as disposições do
Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal e da Lei n.
11.960/2009 (cf. Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 16/4/2015, Rel. Min. Luiz Fux), bem
como normas legais ulteriores aplicáveis à questão.
- Honorários advocatícios estabelecidos no patamar mínimo de 10% (dez por cento) sobre as
parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito ao benefício, nos termos do art.
85, § 3º, I, do NCPC, da jurisprudência desta 9ª Turma e da Súmula n. 111 do STJ, observando-
se, na fase de liquidação de sentença, o § 5º do NCPC.
- As custas processuais deverão ser pagas pelo INSS ao final do processo, nos termos da Lei
Estadual n. 3.779/09, não estando, contudo, a Autarquia Previdenciária, eximida do pagamento
das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na
hipótese de pagamento prévio.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem (art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93).
- Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação
da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Nona turma, por maioria,
decidiu dar provimento à apelação da parte autora para julgar procedente o pedido, nos termos
do voto da relatora, que foi acompanhada pela Desembargadora Federal Marisa Santos e pelo
Desembargador Federal Gilberto Jordan (que votou nos termos do art. 942, caput e §1º, do CPC).
Vencido o Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias, que negava provimento à apelação.
Julgamento nos termos do disposto no art. 942, caput e §1º, do CPC, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
