Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5004711-84.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal ANA LUCIA JORDAO PEZARINI
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
08/11/2018
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 13/11/2018
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS.
BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
- Incidência de juros e correção monetária em conformidade com o decidido pelo STF no RE
870.947, observada a prescrição quinquenal.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- As custas processuais devem ser pagas pelo INSS ao final do processo, nos termos da Lei
Estadual n. 3.779/09, que revogou a isenção concedida na legislação pretérita, e artigo 91 do
NCPC, não se eximindo, contudo, a Autarquia Previdenciária, do pagamento das custas e
despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de
pagamento prévio.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem (art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93).
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar procedente o pedido.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5004711-84.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: GIANECLEIA FEITOSA
Advogado do(a) APELANTE: LUIS AFONSO FLORES BISELLI - MS12305-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO (198) Nº 5004711-84.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: GIANECLEIA FEITOSA
Advogado do(a) APELANTE: LUIS AFONSO FLORES BISELLI - MS12305-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação da parte autora, interposta em face da r. sentença que julgou improcedente
o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício assistencial a pessoa deficiente (doc.
3881113, págs. 105/111 ).
Sustenta, outrossim, resultarem comprovados os requisitos à outorga da benesse (doc. 3881113,
págs. 114/120).
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal (doc. 3881113, pág. 121).
O Ministério Público Federal deliberou pela ausência de fundamentos à sua intervenção nos
autos, requerendo a prossecução do feito (doc. 5475399).
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5004711-84.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: GIANECLEIA FEITOSA
Advogado do(a) APELANTE: LUIS AFONSO FLORES BISELLI - MS12305-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
V O T O
A teor do disposto no artigo 1.011 do NCPC, conheço do recurso de apelação, uma vez
cumpridos os requisitos de admissibilidade.
Discute-se o direito da parte autora à concessão de benefício assistencial a pessoa deficiente.
Previsto no artigo 203, caput, da CR/88 e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de natureza
assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua concessão
desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado, atrelando-
se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário (recordando-se, a este passo, da
sucessiva redução da idade mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº
9.720/98 e, ao depois, para 65 anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003) ou à detecção de
deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à
verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-lo suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per
capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei n.
13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa
com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte reside no fato de terem sido "editadas leis que
estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais
como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa
Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que
autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas
de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas" (RE nº 580963).
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora (v., a exemplo, STJ: REsp nº 314264/SP,
Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185; EDcl no AgRg
no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ 04/04/2005, p.
342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002, v.u., DJ
10/03/2003, p. 323).
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família (Lei nº 10.836/04), o Programa Nacional de Acesso à Alimentação (Lei nº 10.689/03)
e o bolsa escola (Lei nº 10.219/01), contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, submetido à sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade
por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de
justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos,
bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de
benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo." (RE nº 580.963/PR, DJe
14.11.2013).
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso (assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos), mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
Realizada a perícia médica em 20/4/2016 (doc. 3881113, págs. 87/89), o laudo apresentado
considerou a parte autora, então, com 19 anos de idade (nascida em 16/5/1996, doc. 3881113,
pág. 9), com ensino fundamental até sexta série e que declarou nunca ter trabalhado, apta ao
labor, mesmo sendo portadora de surdez e mudez, visto que a mesma consegue se comunicar
com as pessoas através de gestos.
Não obstante a conclusão do laudo médico, certo é que o art. 4º do Decreto nº 3.298/1999, que
regulamenta a Lei nº 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência, reputa pessoa portadora de deficiência aquela que apresenta
deficiência auditiva, com perda bilateral total da audição, como sucede no caso em tela:
“Art.4º. É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes
categorias:
I- deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB)ou mais,
aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;”
Além disso, conquanto o perito tenha consignado que a vindicante comunica-se por gestos, sua
dificuldade de comunicação é evidente e impossibilita-na de concorrer em igualdade de condições
no mercado de trabalho.
Deveras, ressai, do estudo social, produzido em 17/12/2015 (doc. 3881113, pág. 73), que a
demandante não consegue trabalho em razão da deficiência ostentada, e dependeu de terceiros,
até mesmo, para que a entrevista pudesse ser realizada. Segue excerto do laudo social, neste
ponto:
“Quanto aos aspectos de saúde, Gianecléia tem deficiência auditiva e, segundo a genitora, fazia o
acompanhamento junto a FUNCRAF (Fundação para o Estudo das Deformidades Cranio Faciais)
em Campo Grande/MS, desde os 07 anos de idade até cerca de três anos atrás. A requerente
apresentou Carteira de Trabalho e Previdência Social expedida em agosto de 2014, a qual não
contém registros. Segundo os familiares, em face da dificuldade de comunicação, Gianecléia não
consegue trabalho. Gianecléia afirmou não dispor de carteirinha de viagem intermunicipal e
alegou não possuir veículos de transporte nem imóveis em seu nome. Ressalta-se que em razão
da dificuldade de comunicação, houve intermediação pelo cônjuge e genitora da requerente, para
a realização da entrevista com a mesma.”
A expert realçou, ainda, a existência de barreiras socioculturais, em razão da deficiência auditiva
da pretendente, que impedem sua plena participação social:
“Conforme situação apresentada, do ponto de vista social, observa-se que Gianecléia Feitosa
apresenta total dependência econômica e social dos familiares, haja vista que, apesar da
independência quanto as atividades de vida diária (para se locomover, fazer sua higiene e se
alimentar), existem barreiras socioculturais, em razão da deficiência auditiva, que impedem sua
plena participação social.’
A esse propósito, é cediço que o art. 16, § 2º, do Decreto nº 6.214/2007, estabelece que “a
avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, a avaliação médica
considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo”, e, ainda, “a limitação do
desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades”,
daí defluindo que a avaliação da deficiência deve ser modulada conforme a qualificação e
experiência pessoal do postulante do amparo assistencial, no contexto social em que vive.
Tal o cenário, a constatação das perícias realizadas nestes autos autorizam concluir pela
existência de comprometimento ou restrições sociais decorrentes da patologia verificada, que
obstruem a participação plena e efetiva da demandante na sociedade, em igualdade de
condições com as demais pessoas, por mais de 2 (dois) anos, configurando-se, por conseguinte,
quadro de deficiência necessário à concessão do benefício de prestação continuada, nos termos
estabelecidos no art. 20, § 10, da Lei nº 8.742/1993.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o mencionado estudo social.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a parte autora reside no município de Sonora/MS, com o
companheiro, de 31 anos, e um filho, de um ano e onze meses, idades correspondentes à data
do estudo socioeconômico.
Moram em um cômodo, na residência da irmã do companheiro da autora (essa vive nos outros
dois cômodos do imóvel, acompanhada do cônjuge e filho),
A moradia é edificada em alvenaria, rebocada e pintada, coberta com telhas de fibrocimento, sem
forro, composta, no total, por três cômodos, um banheiro e varanda lateral com área de serviços.
O ambiente destinado à promovente e sua família é pequeno e abriga, apenas, cama de casal,
geladeira, televisor, ventilador, fogão com o botijão de gás e armário para as roupas.
A renda familiar advém do trabalho do convivente, diarista, com rendimento médio mensal de R$
450,00, acrescido de R$ 200,00, transferidos pelo Programa Bolsa Família.
A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão dos rendimentos percebidos do Programa Bolsa Família, por força do disposto no
Decreto nº 6.135/2007, que dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo
Federal.
Considerado, assim, o núcleo de três pessoas, a renda familiar per capita totaliza R$ 150,00,
inferior à metade do salário mínimo (R$ 394,00), à época, de R$ 788,00.
Tais recursos são aplicados no custeio das despesas com aluguel (R$ 50,00), tarifa de energia
elétrica (R$ 200,00), parcela do celular (R$ 80,00), e o restante, em alimentos, produtos de
higiene e limpeza, recarga de botijão de gás e vestuário.
Destarte, resta demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante
da benesse.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser fixado a partir do requerimento administrativo. Nesse sentido: APELREEX
00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j.
30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona Turma, Relator Juiz
Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016).
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97,
com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que disciplina os juros moratórios
aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos
de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos
quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional
da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-
tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de
poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei
nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a
redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das
condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de
poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade
(CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação
de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Quanto à modulação dos efeitos da decisão do citado RE, destaca-se a pendência de apreciação,
pelo STF, de Embargos de Declaração, ficando remarcada, desta forma, a sujeição da questão
da incidência da correção monetária ao desfecho do referido leading case.
Deve o INSS arcar com os honorários advocatícios em percentual mínimo a ser definido na fase
de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do artigo 85 do NCPC, observando-se o disposto
nos §§ 3º e 5º desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data
da decisão concessiva do benefício(Súmula n. 111 do STJ).
As custas processuais serão pagas pelo INSS ao final do processo, nos termos da Lei Estadual n.
3.779/09, que revogou a isenção concedida na legislação pretérita e disposições contidas tanto
no artigo 27 do CPC/1973 quanto no artigo 91 do NCPC. Ademais, não se exime a Autarquia
Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora,
por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito.
Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação
continuada deve ser revisto a cada dois anos, para avaliação da continuidade das condições que
lhe deram origem.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, PARA REFORMAR A
SENTENÇA E JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO, concedendo-lhe o benefício de prestação
continuada, a partir do requerimento administrativo, e fixando consectários na forma explicitada,
abatidos eventuais valores já recebidos.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS.
BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
- Incidência de juros e correção monetária em conformidade com o decidido pelo STF no RE
870.947, observada a prescrição quinquenal.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- As custas processuais devem ser pagas pelo INSS ao final do processo, nos termos da Lei
Estadual n. 3.779/09, que revogou a isenção concedida na legislação pretérita, e artigo 91 do
NCPC, não se eximindo, contudo, a Autarquia Previdenciária, do pagamento das custas e
despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de
pagamento prévio.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem (art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93).
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar procedente o pedido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
