Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0030445-98.2013.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
24/07/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 28/07/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. PERÍCIA MÉDICA INDIRETA.
IMPRESCINDIBILIDADE.
- A prova técnica é essencial nas causas que versem sobre a concessão de benefício de
prestação continuada.
- Sentença anulada, determinando o retorno dos autos ao Juízo de origem, para realização de
perícia médica indireta e posterior julgamento do feito em Primeiro Grau.
- Apelação provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0030445-98.2013.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: NAIR LEMES DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: EDVALDO LUIZ FRANCISCO - SP99148-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0030445-98.2013.4.03.9999
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de demanda voltada à obtenção de benefício de prestação continuada.
A primeira sentença prolatada nestes autos extinguiu o feito, sem resolução do mérito, ante o
falecimento da parte autora, e a superveniente carência da ação, considerando a falta de
interesse de agir dos herdeiros (doc. 112076137, págs. 183/186).
Ascenderam os autos a este e. Tribunal, por força de apelação dos herdeiros, seguindo-se
decisão monocrática anulando, de ofício, a sentença, para determinar o retorno do feito à origem,
para fins de habilitação (doc. 112076137, págs. 211/214, 217/228 e 230/235).
Habilitados os sucessores e realizado estudo social indireto, sobreveio sentença de
improcedência do pedido inaugural, sob o argumento de que as patologias que acometiam a de
cujus ocorriam em razão de alcoolismo, e os tratamentos médicos teriam sido eficazes se esta os
tivesse realizado (doc. 112076139, págs. 31, 107/109, 120/135, 201/202 e 221/222).
Apelaram, os sucessores, pugnando, em síntese, pelo retorno dos autos ao juízo de origem, a fim
de que o feito tenha regular prossecução, com a realização de perícia médica indireta, uma vez
que o requisito subjetivo não foi devidamente esclarecido nos autos.
Decorrido, “in albis”, o prazo para as contrarrazões de recurso, os autos retornaram a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pela baixa dos autos em diligência, para
que seja realizada perícia médica indireta e, se o caso, a colheita de prova testemunhal,
protestando por nova vista dos autos.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0030445-98.2013.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação,
uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade.
A prova técnica é essencial nas causas que versem sobre benefício de prestação continuada ao
deficiente, envolvendo a valoração do grau das restrições sociais suportadas pela parte autora,
ao lume de suas condições clínicas, de acordo com os documentos constantes dos autos e outros
eventualmente apresentados na realização da perícia.
Nessa toada, o § 6º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 estabelece que a concessão do aludido
beneplácito ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2º
do mesmo dispositivo, por exame médico conduzido por médicos peritos, inverbis:
"Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
(...)
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento
de que trata o § 2º, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos
peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS."
No mesmo sentido, o art. 16 do Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação
continuada da assistência social devido à pessoa com deficiência e ao idoso de que trata a Lei nº
8.742/93:
"Art. 16. A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação da
deficiência e do grau de impedimento, com base nos princípios da Classificação Internacional de
Funcionalidades, Incapacidade e Saúde - CIF, estabelecida pela Resolução da Organização
Mundial da Saúde nº 54.21, aprovada pela 54ª Assembléia Mundial da Saúde, em 22 de maio de
2001.
§1º A avaliação da deficiência e do grau de impedimento será realizada por meio de avaliação
social e avaliação médica.
§2º A avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, a avaliação médica
considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, e ambas considerarão a
limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas
especificidades.
§3º As avaliações de que trata o § 1º serão realizadas, respectivamente, pelo serviço social e
pela perícia médica do INSS, por meio de instrumentos desenvolvidos especificamente para este
fim, instituídos por ato conjunto do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do
INSS."
Não obstante a disposição legal, a r. sentença julgou improcedente o pedido, a despeito da
produção de exame médico pericial, como segue:
"Embora os estudos sociais realizados tenham indicado a existência de patologias em relação à
autora, principalmente pelo uso de álcool, fato é que os documentos médicos acostados com a
inicial não atestaram a incapacidade laborativa decorrente de tais patologins.
Impõe-se reconhecer que as patologias ocorriam, mormente, em função da situação alcoolista da
autora, falecida, e que os tratamentos médicos seriam eficazes se ela tivesse realizado
tratamento contra o alcoolismo.
Por esses fatores encontrados, impõe-se a conclusão de que, em consideração às
particularidades do caso, a autora não merecia a tutela assistencial do Estado, nos lenhos do
artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.
Diante do exposto, julgo improcedente o pedido inicial formulado pela falecida NAIR LEMES DOS
SANTOS representada por seu filho ERICK PATRICK DOS SANTOS."
Ainda que o falecimento da parte autora tenha ocorrido antes da produção do laudo médico,
mostra-se viável a realização de perícia indireta, em que possa ser constatada a alegada
deficiência, sobretudo pelos elementos de convicção coligidos aos autos, os quais, à evidência,
contém subsídios que permitem o amplo conhecimento das questões fáticas indispensáveis à
solução da lide.
Ademais, o alcoolismo constitui, a todas as luzes, enfermidade, constando, inclusive, da
Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID 10), cujo tópico F10 cuida dos
Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool. Destarte, não se cuida de
adotar conduta paternalista e escoimar pessoas das responsabilidades pelos seus atos, mas sim
de reputar altamente comprometido e controvertido o elemento volitivo quando da sujeição do
indivíduo ao vício. Aliás, sem qualquer pretensão de aprofundamento no assunto, certo é que
estudos científicos indagam acerca do componente genético nessas moléstias, o que, a meu
sentir, problematiza, ainda mais, a existência de vontade livre e desembaraçada por ocasião da
adesão ao hábito pernicioso.
Guardo, pois, reservas à posição de obstar a fruição de benesses por incapacidade à vista dessa
divisada voluntariedade. Acredito ser de todo curial a adoção de conduta cautelosa, tanto mais
porque não são poucas as doenças notoriamente decorrentes de comportamentos encampados
pela pessoa no decorrer de sua vida, mesmo com alertas aos riscos daí advindos. A ilustrar,
sabidamente os inconsequentes excessos alimentares conduzem a doenças cardíacas,
problemas no cérebro, diabetes e tantos outros males. O tabagismo é decerto causa
determinante de neoplasia pulmonar. A ausência de adequada prevenção pode vir a engendrar
contaminação pelo vírus HIV. E note-se: a ninguém ocorre negar benesses por incapacidade
nessas situações, pela só convergência da atitude do doente ao mal que porta. Porque, então,
inibir apenas ao etilista o acesso ao benefício de prestação continuada pretendido? Qual o
discrimine lógico e razoável para se estabelecer distinções nesse campo? Como, válida e
objetivamente, apartar as hipóteses em que a pessoa verdadeiramente concorreu à doença?
Desse modo, obstada a elaboração da perícia médica, a anulação da sentença é medida que se
impõe, por cerceamento de defesa, na esteira do seguinte precedente da Nona Turma desta C.
Corte:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM
DEFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. NULIDADE. AGRAVO LEGAL. DECISÃO
MONOCRÁTICA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. REDISCUSSÃO DE
MATÉRIA JÁ DECIDIDA. (...)A concessão do benefício assistencial com fundamento apenas em
atestado médico produzido unilateralmente, fere as garantias do devido processo legal. Somente
seria aceitável a dispensa de laudo médico pericial, caso ele não se mostrasse relevante à
formação da convicção e ao deslinde da causa, à vista que preceitua o artigo 130 do Código de
Processo Civil. - No presente caso, para a concessão do benefício assistencial de prestação
continuada, faz-se necessária a comprovação da deficiência da parte autora, que poderia ter sido
verificada por meio de perícia médica. - Cumpre ressaltar que o julgamento de mérito, sem a
elaboração de prova indispensável para a apreciação do pretendido direito, não satisfaz
legalmente às exigências do devido processo legal, ainda mais quando a parte autora protestou,
na inicial, por todas as provas admitidas em direito. - Assim, restou inequívoco o prejuízo aos fins
de justiça do processo, por evidente cerceamento do direito constitucional ao contraditório e à
ampla defesa (Precedentes: TRF da 3ª Região - AC n. 1.076.877, 9ª Turma, Rel. Des. Fed. Diva
Malerbi, DJF3 16/7/2008; TRF da 1ª Região - AC n. 2002.51.01.507909-6 - Primeira Turma
Especializada - Rel. Des. Fed. Márcia Helena Nunes - DJU 28/9/2006, p. 446; TRF da 4ª Região -
AC n. 95.04.026370, 4ª Turma, Rel. Des. Fed. Silvia Maria Gonçalves Goraieb, DJU 22/11/1995,
p. 80.975).(...) Decisão mantida."(AC 00005389620044036118, Relator Juiz Convocado Rodrigo
Zacharias, e-DJF3 Judicial 31/03/2016)
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO, para anular a sentença, determinando o
retorno dos autos à primeira instância, para realização de perícia médica indireta e posterior
julgamento do feito em Primeiro Grau, nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. PERÍCIA MÉDICA INDIRETA.
IMPRESCINDIBILIDADE.
- A prova técnica é essencial nas causas que versem sobre a concessão de benefício de
prestação continuada.
- Sentença anulada, determinando o retorno dos autos ao Juízo de origem, para realização de
perícia médica indireta e posterior julgamento do feito em Primeiro Grau.
- Apelação provida. ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima
indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, para anular a
sentença, determinando o retorno dos autos ao Juízo de origem, com vistas à realização de
perícia médica indireta e posterior julgamento do feito em Primeiro Grau, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
