Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5171622-52.2019.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
26/07/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 30/07/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
ART.203, CAPUT, DA CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Apelação da parte autora parcialmente provida. Sentença reformada para julgar parcialmente
procedente o pedido.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5171622-52.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: ALINE PATRICIA TEODORO
Advogado do(a) APELANTE: MARIA APARECIDA SILVA FACIOLI - SP142593-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5171622-52.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: ALINE PATRICIA TEODORO
Advogado do(a) APELANTE: MARIA APARECIDA SILVA FACIOLI - SP142593-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação da parte autora interposta em face da r. sentença que julgou improcedente
o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício assistencial a pessoa deficiente. Vide
docs. 27651799, 27651811 e 27651815.
Pretende a apelante seja reformado o julgado, sustentando a presença dos requisitos à outorga
da benesse. Junta novos documentos médicos.
Decorrido, “in albis”, o prazo para as contrarrazões de recurso, subiram os autos a esta Corte
(doc. 27651827).
No doc. 40190158, o Ministério Público Federal ofertou parecer. Opinou pelo desprovimento da
apelação.
Em síntese, o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5171622-52.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: ALINE PATRICIA TEODORO
Advogado do(a) APELANTE: MARIA APARECIDA SILVA FACIOLI - SP142593-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do NCPC, conheço do recurso de apelação, uma vez cumpridos
os requisitos de admissibilidade.
Admito, outrossim, a juntada do documento 27651815, contendo novos relatórios médicos,
resultados de exames e receituários, uma vez que a jurisprudência pátria vem tolerando sejam
colacionados documentos após a sentença, desde que respeitados os princípios do contraditório
e da ampla defesa.
Confira-se:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO. RECURSO ESPECIAL.
SUPOSTA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO NO
ACÓRDÃORECORRIDO. JUNTADA DE DOCUMENTOS EM SEDE DE APELAÇÃO.
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO NÃO OCORRÊNCIA.
1. Não havendo no acórdão recorrido omissão, obscuridade ou contradição, não fica
caracterizada ofensa ao art. 535 do CPC.
2. 'A juntada de documento s com a apelação é possível, desde que respeitado o contraditório e
inocorrente a má-fé, com fulcro no art. 397 do CPC' (REsp 980.191/MS, 3ª Turma, Rel. Min.
Nancy Andrighi, DJe de 10.3.2008; AgRg no REsp 1.120.022/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Hamilton
Carvalhido, DJe de 2.6.2010).
3. 'O prazo prescricional previsto no art. 174 do CTN só se inicia com a apreciação, em definitivo,
do recurso administrativo (art. 151, inciso III, do CTN)', conforme 'precedentes do Superior
Tribunal de Justiça' (REsp 1.197.885/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 22.9.2010).
4. Agravo regimental não provido.” (Destaquei)
(STJ - AgRg no AREsp: 167845 RJ 2012/0071582-6, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, Data de Julgamento: 26/06/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe
03/08/2012)
“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS
COMO AGRAVO LEGAL (ART. 557, § 1º, DO CPC). JUNTADA DE DOCUMENTO AOS AUTOS
NA FASE RECURSAL. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. POSSIBILIDADE.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO PROPORCIONAL. MULHER. CUMPRIU A
REGRA DE TRANSIÇÃO. DECISÃO AGRAVADA PARCIALMENTE PROVIDA PARA REFORMA
DA DECISÃO.
1. Pretendendo a embargante o efeito modificativo da decisão, os embargos de declaração
deverão ser submetidos ao pronunciamento do Colegiado, convertidos em agravo, em face dos
princípios da fungibilidade e celeridade processual.
2. É possível a juntada de documento na fase recursal , para que seja preservada a função
instrumental do processo, desde que plenamente respeitados os princípios do contraditório e da
ampla defesa, e não se verificando má-fé por parte da autora, nos termo do art. 397 do CPC.
3. A parte autora faz jus à concessão do benefício de aposentadoria proporcional por tempo de
serviço, eis que cumpriu a regra de transição prevista no art. 9º da referida Emenda
Constitucional e atingiu a idade de 48 (quarenta e oito) anos, devendo ser observado o disposto
nos art.s 53, inciso I, 28, 29 e 142, da Lei nº 8.213/91
4. Embargos de declaração recebidos como agravo legal e parcialmente provido.” (Destaquei)
(TRF/3ª Região, AC 00019479420114036140, DESEMBARGADORA FEDERAL LUCIA URSAIA,
DÉCIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 de 05/12/2012.)
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
JUNTADA DE DOCUMENTO S NOVOS NA FASE RECURSAL . POSSIBILIDADE. EMBARGOS
ACOLHIDOS.
1. A apresentação de prova documental é admissível inclusive na fase recursal , desde que não
caracterizada a má-fé e observado o contraditório (REsp 888.467/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Luis
Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01/09/2011). Ademais, em prol da verdade real e em
atenção à dificuldade de os segurados especiais acessarem documento s que amparam de sua
pretensão, o formalismo exacerbado deve ser afastado, evitando-se, assim, injustiça com os mais
desvalidos.
2. Caso concreto: documentos trazidos com os embargos de declaração: certidão de nascimento
do autor constando a profissão do pai como lavrador (fls. 69) e certificado de reservista do autor
informando a profissão de agricultor (fls. 70); Prova testemunhal (fl. 41): o autor sempre
desenvolveu atividades rurais, cessando-as em virtude da doença; Laudo pericial (fls. 15/39):
concluiu pela incapacidade total e permanente do autor.
3. São requisitos para a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e de auxílio-
doença a comprovação da qualidade de segurado da Previdência Social e o preenchimento do
período de carência de 12 (doze) contribuições mensais, com exceção das hipóteses
enumeradas no art. 26, II, da Lei 8.213/91, e a comprovação de incapacidade para o exercício de
atividade laborativa.
4. No caso de trabalhador rural, não se exige cumprimento de carência para fins de
aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença (arts. 26, II, e 39, I, da Lei 8.213/91).
5. Atendidos os requisitos indispensáveis à concessão do benefício de aposentadoria rural por
invalidez em testilha - início de prova material da atividade rural alegada, devidamente
corroborado por prova testemunhal sólida, e ainda a incapacidade para o exercício de atividade
laboral - mostrou-se incorreto o acórdão que reformou a sentença de procedência.
6. Embargos de declaração acolhidos com efeitos modificativos. Sentença de procedência
mantida quanto o mérito, modificados apenas consectários, conforme voto do Relator.”
(Destaquei)
(TRF/1ª Região, EDAC 007494759201040191990074947-59.2010.4.01.9199,
DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO NEVES DA CUNHA, SEGUNDA TURMA, e-DJF1
de 12/04/2016)
Conforme certidão colacionada ao doc. 27651823, foi ensejada ao INSS oportunidade para
manifestação quanto aos referidos documentos. De consequência, factível, juridicamente, levá-los
em linha de conta no presente julgamento.
Passo, assim, à análise do mérito.
Previsto no art. 203, caput, da CR/88 e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de natureza
assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua concessão
desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado, atrelando-
se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência, nos termos
do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da ausência de
meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo suprido pela
família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼ (um quarto)
do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso dos autos, o laudo médico juntado ao doc. 27651622, realizado em 16/09/2015,
considerou a autora, então, com 35 anos de idade, manicure, portadora de quadro neoplásico da
mama esquerda com diagnóstico anátomo-patológico compatível com carcinoma ductal infiltrante,
tratado cirurgicamente mediante ressecção mamária total à esquerda, em seguimento em radio e
quimioterapia paliativa, em razão da disseminação metastática neoplásica pulmonar, incapacitada
ao labor, de forma total e temporária, quando menos, desde maio de 2014.
Consoante documento 27651815, juntado no apelo autoral, a proponente, em 2017, mantinha-se
em tratamento paliativo, mas, já, com metástase cerebral, necessitando da realização contínua de
fisioterapia motora.
Esse cenário autoriza concluir pela existência de comprometimento ou restrições sociais
decorrentes da enfermidade verificada, por mais de 2 (dois) anos, configurando-se, por
conseguinte, quadro de deficiência necessário à concessão do benefício de prestação
continuada, nos termos estabelecidos no art. 20, § 10, da Lei nº 8.742/1993.
Averbe-se que a jurisprudência da Nona Turma deste E. Tribunal vem reconhecendo o direito ao
benefício assistencial, mesmo em casos de incapacidade temporária, desde que preenchidos os
demais requisitos para tanto. A propósito, colacionam-se os seguintes julgados:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL (ART. 557, §1º, DO CPC). BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA.
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADA ATÉ 28 DE FEVEREIRO DE 2011. TERMO
INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. VERBA HONORÁRIA.
PREQUESTIONAMENTO. (...) 2 - Incapacidade total e temporária comprovada pelo laudo
pericial. 3 - Estudo social comprova a condição de miserabilidade da autora no período
compreendido entre 03 de março de 2008 e 28 de fevereiro de 2011. 4 - De rigor a concessão do
benefício assistencial no lapso em que restaram preenchidos os requisitos legais. (...) 10 - Agravo
legal parcialmente provido.” (Destaquei.)
(APELREEX 00059087220124039999, Relator Desembargador Federal Nelson Bernardes, j.
18/06/2012, e-DJF3 28/06/2012)
“CONSTITUCIONAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL - APELAÇÃO COM PRELIMINAR DE
ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO - TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA NA
SENTENÇA- DESCABIMENTO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - art. 203, INCISO
V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - DEFICIÊNCIA E NECESSIDADE DE OBTENÇÃO DA
PRESTAÇÃO - COMPROVAÇÃO. HONORÁRIOS PERICIAIS. MANUTENÇÃO DA TUTELA
ANTECIPADA CONCEDIDA. (...) II - A concessão do benefício assistencial do art. 203, V, CF
sujeita-se, na espécie, à demonstração da condição de deficiência do autor, somada à
hipossuficiência própria e da família. III - Os laudos periciais atestam que a autora sofreu extração
cirúrgica da mama direita, para retirada de tumor maligno com 2 a 5 cm de diâmetro, tendo como
sequela "edema de seu membro superior direito, impossibilitando-a de trabalhar no momento", e
continua em tratamento realizando quimioterapia e hormonioterapia profilática, que provocam
efeitos colaterais como náuseas, vômitos, fogaços e queda de cabelo. Vejo que a autora padece
de grave doença, que exige árduo e constante acompanhamento médico, tendo o Sr. Perito
concluído o laudo atestando a sua incapacidade total e temporária para o trabalho, de modo que
tenho por atendido, ao menos nos tempos atuais, o primeiro dos requisitos para a concessão do
benefício. IV - Do conjunto probatório extrai-se que a autora é separada do marido, não aufere
qualquer rendimento, apenas recebe uma cesta básica do Hospital do Câncer, morando em
quarto e cozinha cedidos pela irmã, dependendo da ajuda de amigos, da irmã e do cunhado, que
percebe aposentadoria de um salário mínimo. Verifica-se, assim, que a situação é de
precariedade e miséria, estando a autora total e temporariamente incapacitada para exercer
qualquer trabalho, dependendo da assistência e colaboração da irmã e amigos, sem condições
para uma sobrevivência digna, conforme preceitua a Constituição Federal. (...) VI -Apelação do
INSS improvida. Sentença e tutela antecipada mantidas.” (Destaquei.)
(AC 00013359220014036113, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j. 09/05/2005,
DJU 23/06/2005)
Destarte, o quadro se ajusta ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos da Lei.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 27651634, produzido em 24/08/2015.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a parte autora reside no município de Batatais/SP, com o
cônjuge, de 33 anos, e uma filha, de quatro anos, idades correspondentes à data do estudo
socioeconômico.
A família comprou um terreno há seis anos, parcelado, e, posteriormente, financiou a construção
da moradia, ainda em andamento. O imóvel compõe-se por dois quartos, sala, cozinha e
banheiro. Apresenta infraestrutura simples e pequena, com poucos móveis e utensílios
domésticos.
O cônjuge conseguiu acesso ao seu FGTS, com o auxílio de seus empregadores, em razão do
adoecimento da requerente. O valor beneficiou bastante o casal e sua filha, inclusive, no que
tange ao tratamento médico da requerente, realizado no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.
No entanto, os recursos estão acabando.
As despesas, à época do laudo, consistiam em financiamento da construção do imóvel (R$
400,00, faltando quatro anos), tarifas de água (R$ 20,00) e energia elétrica (R$ 176,00),
alimentação (R$ 800,00), dentista (dez parcelas de R$ 150,00) e óculos para a requerente (R$
45,00 mensais).
Veja-se que, em razão da quimioterapia, a vindicante desenvolveu problemas dentais e
oftalmológicos. Segue a transcrição do depoimento prestado à assistente social, nesse sentido:
“A requerente fez relatos sobre o seu histórico de adoecimento, com bastante dificuldade pois
havia acabado de retornar do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e realizou procedimentos
que ocasionaram certa indisposição. Ressaltou ter sido diagnosticada, há cerca de um ano, com
câncer de mama, iniciando assim o tratamento para tal finalidade. Realizou sessões de
quimioterapia ‘na veia’, perdendo a sensibilidade nos braços, para procedimento cirúrgico
ocorrido no início deste ano, posteriormente realizou tomografia, constatando que a doença já
havia atingido seus pulmões.
A mesma ressalta que atualmente utiliza medicamento quimioterápico, pois não se adaptou às
injeções, e sentia-se muito mal, aguarda vaga para realização de radioterapia mas acredita que
iniciará em breve as sessões, de acordo com informações dos profissionais do local; faz uso
também dos medicamentos como Tramadol (uso contínup), Capecitabina (sete comprimidos
diariamente) e creme de ureia para mãos e pés. Informa que vem desenvolvendo problemas
dentais e oftalmológicos, favendo indicação para uso de óculos.”
A requerente necessita de alimentação especial e, quando há necessidade de aquisição de
medicamentos, o cônjuge da promovente “pega na farmácia que trabalha, podendo pagar
posteriormente”.
No que diz com a elucidação da renda familiar, conquanto tenha sido apontado, no estudo social,
o importe de R$ 1.500,00, como renda bruta, advindodo salário do consorte, que trabalha como
entregador em uma farmácia,verifica-se, pelos registros do CNIS,que perfez, no ano de 2015, o
valor médio de R$ 1.830,00.
Além disso, a família recebea transferência de R$ 80,00, do Programa Renda Cidadã.
A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão dos rendimentos percebidos dos Programas Assistenciais, por força do disposto no
Decreto nº 6.135/2007.
Assim, considerado o núcleo de três pessoas, a renda familiar per capita totaliza R$ 610,11,
suplantando a metade do salário mínimo, à época, de R$ 788,00.
Não obstante, os elementos de convicção coligidos aos autos propiciam intuir estar a requerente
incluída no rol de beneficiários da verba reclamada, diante do seu quadro de saúde, a requerer
gastos elevados.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante
da benesse.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser fixado a partir do requerimento administrativo. Nesse sentido: APELREEX
00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j.
30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona Turma, Relator Juiz
Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Quanto à modulação dos efeitos da decisão do citado RE, destaca-se a pendência de apreciação,
pelo STF, de Embargos de Declaração, ficando remarcada, desta forma, a sujeição da questão
da incidência da correção monetária ao desfecho do referido leading case.
Deve o INSS arcar com os honorários advocatícios em percentual mínimo a ser definido na fase
de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do art. 85 do NCPC, observando-se o disposto nos
§§ 3º e 5º desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data da
decisão concessiva do benefício, nos termos da Súmula n. 111 do STJ.
Está o instituto previdenciário isento do pagamento de custas processuais, consoante o art. 4º,
inciso I, da Lei Federal n. 9.289/96, art. 6º, da Lei do Estado de São Paulo n. 11.608/2003 e das
Leis do Mato Grosso do Sul, de n. 1.135/91 e 1.936/98, alteradas pelos arts. 1º e 2º, da Lei n.
2.185/2000. Excluem-se da isenção as respectivas despesas processuais, além daquelas devidas
à parte contrária.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito.
Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação
continuada deve ser revistoa cada dois anos,para avaliação da continuidade das condições que
lhe deram origem.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, PARA
REFORMAR A SENTENÇA E JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO,
concedendo-lhe o benefício de prestação continuada, a partir da data de entrada do requerimento
administrativo, e fixando consectários na forma explicitada, abatidos eventuais valores já
recebidos.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
ART.203, CAPUT, DA CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
CONCEDIDO.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Apelação da parte autora parcialmente provida. Sentença reformada para julgar parcialmente
procedente o pedido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
