Processo
ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO / MS
5004082-13.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal ANA LUCIA JORDAO PEZARINI
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
20/09/2018
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 24/09/2018
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 475,
§ 2º, CPC/1973. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88,
E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- A hipótese em exame não excede os 60 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 475, § 2º, do CPC/1973.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
- Honorários advocatícios mantidos em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da
prolação da decisão concessiva do benefício, consoante art. 20, § 3º, CPC/1973, Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiça e jurisprudência desta 9ª Turma, sendo incabível a aplicação da
regra prevista no art. 85, §§ 1º e 11, do NCPC.
- Custas processuais pelo INSS, não se eximindo, ademais, do pagamento das custas e
despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de
pagamento prévio.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Remessa oficial não conhecida.
- Apelo do INSS desprovido.
- Recurso adesivo da parte autora parcialmente provido.
Acórdao
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5004082-13.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
INTERESSADO: LUCIA CAETANO DE SOUZA
Advogado do(a) INTERESSADO: ARNO ADOLFO WEGNER - MS12714-A
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5004082-13.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
INTERESSADO: LUCIA CAETANO DE SOUZA
Advogado do(a) INTERESSADO: ARNO ADOLFO WEGNER - MS1271400A
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação do INSS e de recurso adesivo autoral tirados da r. sentença, submetida ao
reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a Autarquia
Previdenciária a conceder, à promovente, o benefício assistencial a pessoa deficiente, a partir da
citação (12/11/2012, doc. 3261053, pág. 25), com correção monetária na forma das Súmulas nºs
148 do STJ e 8 do TRF-3ª Região e da Resolução CJF nº 242; juros à ordem de 1% (um por
cento) ao mês, a contar da citação, até 29/6/2009, quando as parcelas passam a ser
remuneradas e atualizadas na forma do artigo 1º-F da Lei nº 9494/97, com redação dada pela Lei
nº 11960/09; custas processuais, nos termos do art. 24, § 1º, da Lei Estadual nº 3.779/09, e
honorários advocatícios fixados em 10% sobre a soma das prestações vencidas até a data da
prolação da sentença (art. 20, § 3º, do CPC e Súmula nº 111 do STJ), antecipada a tutela jurídica
provisória (doc. 3261053, págs. 107/114).
Pretende, o INSS, que seja reformado o julgado, sustentando a ausência dos requisitos à outorga
da benesse. Insurge-se, outrossim, quanto ao termo inicial do benefício, honorários advocatícios
e custas processuais, requerendo, ainda, a observância da prescrição quinquenal parcelar.
Prequestiona a matéria para fins recursais (doc. 3261053, págs. 118/141).
Por sua vez, visa, a promovente, a retroação da DIB à data de entrada do requerimento
administrativo (doc. 3261053, págs. 180/185).
Com contrarrazões da parte autora, subiram os autos a este Tribunal (doc. 3261053, págs.
146/154 e 197).
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento da apelação (doc.
3303131).
Em síntese, o relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5004082-13.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
INTERESSADO: LUCIA CAETANO DE SOUZA
Advogado do(a) INTERESSADO: ARNO ADOLFO WEGNER - MS1271400A
V O T O
De início, apesar da submissão da sentença ao reexame necessário, tenho-o por incabível na
espécie.
De fato, o artigo 475, § 2º, do CPC/1973, com redação dada pelo art. 1º da Lei nº 10.352/2001,
que entrou em vigor em 27 de março de 2002, dispõe que não está sujeita ao reexame
necessário a sentença em ações cujo direito controvertido não exceda a 60 (sessenta) salários
mínimos.
Nesse sentido, segue o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça:
"AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REEXAME
NECESSÁRIO. SENTENÇA ILÍQUIDA. PERDA DA AUDIÇÃO. AUXÍLIO-ACIDENTE.
PRESSUPOSTOS. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A sentença ilíquida
proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e
fundações de direito público está sujeita ao duplo grau de jurisdição, exceto quando se tratar de
valor certo não excedente de 60 (sessenta) salários mínimos. 2. Afastado, na origem, o direito ao
auxílio-acidente, em razão de inexistirem os pressupostos à sua concessão, impede o reexame
da matéria, em âmbito especial, o enunciado 7 da Súmula desta Corte. 3. Agravo interno ao qual
se nega provimento." (STJ, AgRg no Ag 1274996/SP, Rel. Min. Celso Limongi, 6ª Turma, DJe
22.06.2010).
No caso dos autos, considerando as datas do termo inicial do benefício (12/11/2012, doc.
3261053, pág. 25) e da prolação da sentença (01/7/2014), bem como o valor da benesse, de um
salário mínimo, verifico que a hipótese em exame não excede os 60 salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise dos recursos interpostos pelas partes, em seus exatos limites.
Previsto no artigo 203, caput, da CR/88 e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de natureza
assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua concessão
desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado, atrelando-
se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário (recordando-se, a este passo, da
sucessiva redução da idade mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº
9.720/98 e, ao depois, para 65 anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003) ou à detecção de
deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à
verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-lo suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per
capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei n.
13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa
com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte reside no fato de terem sido "editadas leis que
estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais
como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa
Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que
autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas
de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas" (RE nº 580963).
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora (v., a exemplo, STJ: REsp nº 314264/SP,
Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185; EDcl no AgRg
no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ 04/04/2005, p.
342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002, v.u., DJ
10/03/2003, p. 323).
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família (Lei nº 10.836/04), o Programa Nacional de Acesso à Alimentação (Lei nº 10.689/03)
e o bolsa escola (Lei nº 10.219/01), contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015).
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014).
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, submetido à sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade
por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de
justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos,
bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de
benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo." (RE nº 580.963/PR, DJe
14.11.2013).
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso (assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos), mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
O laudo médico realizado em 22/02/2013 (doc. 3261053, págs. 60/72) considerou a autora, então
com 62 anos de idade (nascida em 09/9/1950, doc. 3261053, pág. 15), trabalhadora rural e
analfabeta, portadora de tenossinovite do tendão da cabeça longa do bíceps braquial esquerdo e
com ruptura total do supraespinhal direito, com quadro de algia e diminuição dos movimentos
amplos e de força em membros superiores, que a incapacitam de forma parcial e permanente ao
labor.
O perito consignou que o quadro apresentado não é severo, tampouco irreversível. No entanto, é
progressivo e limita as atividades físicas que exijam esforços repetitivos, principalmente dos
membros superiores, devido à limitação funcional, com grande comprometimento da pericianda
às suas atividades habituais, devendo, inclusive, abster-se de realizar esforços físicos.
Esclareceu que as lesões podem ser melhoradas através de tratamento medicamentoso e
fisioterápico para a lesão de ombro esquerdo, e cirúrgico para a lesão de ombro direito.
Acrescentou, contudo, que, mesmo realizando tratamento medicamentoso e cirúrgico, a
pretendente não voltará às mesmas condições de trabalho que outrora apresentava, sequer
havendo garantia de que possa vir a realizar esforços físicos repetitivos.
Por fim, considerando as condições pessoais da vindicante, o expert não vislumbrou, no caso,
qualquer possibilidade de reabilitação profissional, concluindo que o impedimento apresentado é
de longa duração.
De se lembrar, ainda, que a mesma não está obrigada a submeter-se a tratamento cirúrgico para
reabilitação, a teor do disposto no art. 101 da Lei nº 8.213/91, aplicável ao caso sob julgamento,
por analogia.
Destarte, as patologias apresentadas, associadas à idade da pretendente, ausência de instrução,
experiência profissional e as atuais condições do mercado de trabalho demonstram que, a rigor, a
incapacidade revela-se total e permanente, autorizando concluir que obstrui sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, por mais de
dois anos, nos termos estabelecidos no art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, para fins de
reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação Continuada.
Nesse sentido, o seguinte julgado do C. STJ, em situação análoga:
"PROCESSUAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACÓRDÃO
EMBASADO EM OUTROS ELEMENTOS ALÉM DO LAUDO PERICIAL. POSSIBILIDADE.1. Na
análise da concessão da aposentadoria por invalidez, o magistrado não está adstrito ao laudo
pericial, devendo considerar também aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do
segurado a fim de aferir-lhe a possibilidade ou não de retorno ao trabalho. A invalidez laborativa
não decorre de mero resultado de uma disfunção orgânica, mas da somatória das condições de
saúde e pessoais de cada indivíduo. Precedentes. 2. O Tribunal a quo admitiu estar comprovado
que a ora agravada ficou incapacitada de modo permanente e definitivo para exercer suas
atividades laborativas, não obstante o laudo pericial ter concluído pela incapacidade apenas
parcial. Inteligência da Súmula 83/STJ. 3. A revisão do conjunto conjunto fático-probatório dos
autos que levou o Tribunal a quo a conclusão acerca da incapacidade laboral do segurado exige
análise de provas e fatos, o que inviabiliza a realização de tal procedimento pelo STJ, no recurso
especial, nos termos da Súmula 07/STJ. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ, AgRg no
AREsp 196053/MG, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, Data do Julgamento:
25/09/2012, DJe 04/10/2012).
No mesmo diapasão, a jurisprudência da Terceira Seção deste E. Tribunal:
“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 20, §1º, DA LEI N. 8.742/93. COMPOSIÇÃO DO NÚCLEO FAMILIAR.
IRMÃ DO AUTOR, CUNHADO E SOBRINHO. NÚCLEOS FAMILIARES DIVERSOS.
INTERPRETAÇÃO INCONTROVERSA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DE LEI. OCORRÊNCIA.
INCAPACIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
(...)
III - O conceito de 'deficiência' atualmente albergado (art. 20, §2º, da Lei n. 8.742/93, com
redação alterada pela Lei n. 12.470/2011) é mais extenso do que aquele outrora estabelecido,
vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha
potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
IV - O laudo médico acostado aos autos, realizado em 14.09.2009, atestou que o autor apresenta
deficiência auditiva bilateral, que teria se iniciado na infância. Assinala, outrossim, que houve
"...Perda auditiva neurossensorial de grau profundo bilateral..." , apresentando incapacidade
parcial e permanente para o exercício de atividade laborativa. Consigna, por fim, que o autor
"...não é alfabetizado, nunca realizou nenhum tipo de atividade laboral, situações que determinam
desvantagens e que o impossibilita de pleitear uma vaga no mercado de trabalho..."
V - Com fundamento na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que se
incorporou no ordenamento jurídico com status constitucional, e em face do disposto no art. 462
do CPC, que impinge ao julgador considerar fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito
ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação (no caso, da ação subjacente), é de se
reconhecer a deficiência do autor, tendo em vista que possui impedimentos de longo prazo de
natureza física. Notadamente, tal condição obstruiu sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
(...)
XIV - Ação rescisória cujo pedido se julga procedente. Ação subjacente cujo pedido se julga
procedente.”
(AR 00155670320104030000, Relator para o acórdão Desembargador Federal Sergio
Nascimento, j. 25/06/2015, e-DJF3 15/07/2015).
Portanto, o quadro ajusta-se ao conceito de pessoa com deficiência.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido aos
autos, produzido em 30/7/2013 (doc. 3261053, págs. 77/81).
Segundo o laudo adrede confeccionado, a parte autora reside no município de Amambaí/MS, com
o cônjuge, de 66 anos, idade correspondente à data do estudo socioeconômico.
Moram em casa própria, de padrão popular.
A vindicante realiza tratamento médico sistemático no Sistema Único de Saúde.
Os ganhos da família advém do benefício de prestação continuada titularizado pelo consorte, que,
no mais, encontra-se impossibilitado de desempenhar atividades laborais, por estar em
recuperação de acidente automobilístico, dependendo, à locomoção, do uso de muletas.
A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão da aludida benesse, por força do art. 34 do Estatuto do Idoso, de modo que não resta,
como passível de consideração jurídica, qualquer valor percebido pela proponente.
Conquanto não tenham sido discriminadas as despesas mensais, os elementos de convicção
coligidos aos autos indicam cotidiano de privações a ponto de franquear a outorga do beneplácito
buscado.
Sopesados, então, todos os elementos probantes amealhados, temos que a autora comprova não
possuir meios de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família, a amparar a
outorga do benefício pleiteado.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, justifica-se a concessão do benefício assistencial requerido.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante
da benesse.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser fixado a partir do requerimento administrativo. Nesse sentido: APELREEX
00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j.
30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona Turma, Relator Juiz
Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016).
Fixada a procedência da postulação, cumpre, apenas, assentar que, considerado o termo inicial
do benefício (28/5/2010, doc. 3261053, pág. 13), e a data de ajuizamento da demanda
(27/09/2012, cf. consulta ao sistema e-SAJ do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso do
Sul), não há, in casu, prescrição a ser contabilizada.
Averbe-se, no mais, que o laudo pericial apenas retratou situação ensejadora da outorga da
benesse, preexistente à sua confecção.
Mantenho os honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da decisão concessiva do benefício, consoante § 3º do artigo 20
do Código de Processo Civil de 1973 (vigente no momento da publicação do decisum), Súmula n.
111 do Superior Tribunal de Justiça e jurisprudência desta 9ª Turma. Cumpre destacar, nesse
ponto, que não se aplica ao caso em análise disposto no artigo 85 do NCPC, tendo em vista que
a sentença impugnada foi publicada antes do início de sua vigência.
As custas processuais serão pagas pelo INSS ao final do processo, nos termos da Lei Estadual n.
3.779/09, que revogou a isenção concedida na legislação pretérita e disposições contidas tanto
no artigo 27 do CPC/1973 quanto no artigo 91 do NCPC. Ademais, não se exime a Autarquia
Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora,
por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO DA REMESSA OFICIAL, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO
DO INSS E DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO AUTORAL, para fixar o
termo inicial do benefício da data de entrada do requerimento administrativo.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 475,
§ 2º, CPC/1973. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88,
E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- A hipótese em exame não excede os 60 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 475, § 2º, do CPC/1973.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
Precedentes.
- Honorários advocatícios mantidos em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da
prolação da decisão concessiva do benefício, consoante art. 20, § 3º, CPC/1973, Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiça e jurisprudência desta 9ª Turma, sendo incabível a aplicação da
regra prevista no art. 85, §§ 1º e 11, do NCPC.
- Custas processuais pelo INSS, não se eximindo, ademais, do pagamento das custas e
despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de
pagamento prévio.
- Remessa oficial não conhecida.
- Apelo do INSS desprovido.
- Recurso adesivo da parte autora parcialmente provido.
ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma,
por unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial, negar provimento à apelação do INSS
e dar parcial provimento ao recurso adesivo autoral, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
