Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5001458-49.2017.4.03.6111
Relator(a)
Juiz Federal Convocado VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
22/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 27/05/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, NCPC. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88, E
LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do NCPC.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Incontroversa a deficiência e constatada, pelo laudo pericial, a hipossuficiência econômica, é
devido o Benefício de Prestação Continuada.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001458-49.2017.4.03.6111
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: LUYAN TAYLOR MINORU MACHADO
REPRESENTANTE: ROSANGELA DA CRUZ, JULIO MINORU MAEDA
Advogado do(a) APELADO: APARECIDA LUIZA DOLCE MARQUES - SP300227,
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001458-49.2017.4.03.6111
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: LUYAN TAYLOR MINORU MACHADO
REPRESENTANTE: ROSANGELA DA CRUZ, JULIO MINORU MAEDA
Advogado do(a) APELADO: APARECIDA LUIZA DOLCE MARQUES - SP300227,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação do INSS, interposta em face da r. sentença, não submetida ao reexame
necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a Autarquia
Previdenciária a conceder, à parte autora, menor, o benefício assistencial a pessoa deficiente,
desde a data de entrada do requerimento administrativo, em 09/08/2017, acrescido de correção
monetária, pelo INPC; juros, globalizados e decrescentes, devidos a contar da citação, calculados
pela remuneração da caderneta de poupança, na forma do artigo 1º-F da Lei n.º 9.494/97, com a
redação dada pela Lei n.º 11.960/2009, e verba honorária arbitrada em 10% (dez por cento) do
valor atualizado das prestações vencidas do benefício, até a data da sentença, nos moldes do
artigo 85, § 2º, do CPC, e da Súmula nº 111 do C. STJ, antecipada a tutela jurídica provisória.
Vide docs. 3910815, 3911774 e 3911775
Postula, o INSS, preambularmente, a recepção do apelo no duplo efeito. No mérito, pretende que
seja reformado o julgado, sustentando a ausência de comprovação de miserabilidade. Insurge-se,
outrossim, quanto à correção monetária, juros de mora e honorários advocatícios. Prequestiona a
matéria para fins recursais.
Com contrarrazões coligidas ao doc. 3911780, juntando documentos, subiram os autos a este
Tribunal.
No doc. 6736256, o Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo parcial provimento
da apelação, tão somente no que diz respeito à correção monetária.
Em síntese, o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001458-49.2017.4.03.6111
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: LUYAN TAYLOR MINORU MACHADO
REPRESENTANTE: ROSANGELA DA CRUZ, JULIO MINORU MAEDA
Advogado do(a) APELADO: APARECIDA LUIZA DOLCE MARQUES - SP300227,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação,
uma vez cumpridos os requisitos de admissibilidade.
Ainda, afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, dispõe que não está sujeita ao reexame necessário a sentença em ações cujo
direito controvertido não exceda mil salários mínimos.
No caso dos autos, considerando as datas do termo inicial do benefício, em 09/08/2017, e da
prolação da sentença, em 03/05/2018, bem como o valor da benesse, de um salário mínimo,
verifico que a hipótese em exame não excede os mil salários-mínimos, não sendo, pois, o caso
de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial.
Admito, outrossim, a juntada dos documentos 3911781 a 3911790, pelo autor, em sede de
contrarrazões, uma vez que a jurisprudência pátria vem tolerando sejam colacionados
documentos após a sentença, desde que respeitados os princípios do contraditório e da ampla
defesa.
Confira-se:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO. RECURSO ESPECIAL.
SUPOSTA OFENSA AO ART. 535 DO Código de Processo Civil. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO NO
ACÓRDÃORECORRIDO. JUNTADA DE DOCUMENTOS EM SEDE DE APELAÇÃO.
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO NÃO OCORRÊNCIA.
1. Não havendo no acórdão recorrido omissão, obscuridade ou contradição, não fica
caracterizada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil.
2. 'A juntada de documento s com a apelação é possível, desde que respeitado o contraditório e
inocorrente a má-fé, com fulcro no art. 397 do Código de Processo Civil' (REsp 980.191/MS, 3ª
Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 10.3.2008; AgRg no REsp 1.120.022/SP, 1ª Turma, Rel.
Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 2.6.2010).
3. 'O prazo prescricional previsto no art. 174 do CTN só se inicia com a apreciação, em definitivo,
do recurso administrativo (art. 151, inciso III, do CTN)', conforme 'precedentes do Superior
Tribunal de Justiça' (REsp 1.197.885/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 22.9.2010).
4. Agravo regimental não provido. (Destaquei)
(STJ - AgRg no AREsp: 167845 RJ 2012/0071582-6, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, Data de Julgamento: 26/06/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe
03/08/2012)
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO
AGRAVO LEGAL (ART. 557, § 1º, DO CPC). JUNTADA DE DOCUMENTO AOS AUTOS NA
FASE RECURSAL. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. POSSIBILIDADE. APOSENTADORIA
POR TEMPO DE SERVIÇO PROPORCIONAL. MULHER. CUMPRIU A REGRA DE
TRANSIÇÃO. DECISÃO AGRAVADA PARCIALMENTE PROVIDA PARA REFORMA DA
DECISÃO.
1. Pretendendo a embargante o efeito modificativo da decisão, os embargos de declaração
deverão ser submetidos ao pronunciamento do Colegiado, convertidos em agravo, em face dos
princípios da fungibilidade e celeridade processual.
2. É possível a juntada de documento na fase recursal , para que seja preservada a função
instrumental do processo, desde que plenamente respeitados os princípios do contraditório e da
ampla defesa, e não se verificando má-fé por parte da autora, nos termo do art. 397 do Código de
Processo Civil.
3. A parte autora faz jus à concessão do benefício de aposentadoria proporcional por tempo de
serviço, eis que cumpriu a regra de transição prevista no art. 9º da referida Emenda
Constitucional e atingiu a idade de 48 (quarenta e oito) anos, devendo ser observado o disposto
nos artigos 53, inciso I, 28, 29 e 142, da Lei nº 8.213/91
4. Embargos de declaração recebidos como agravo legal e parcialmente provido. (Destaquei)
(TRF/3ª Região, AC 00019479420114036140, DESEMBARGADORA FEDERAL LUCIA URSAIA,
DÉCIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 de 05/12/2012.)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
JUNTADA DE DOCUMENTO S NOVOS NA FASE RECURSAL . POSSIBILIDADE. EMBARGOS
ACOLHIDOS.
1. A apresentação de prova documental é admissível inclusive na fase recursal , desde que não
caracterizada a má-fé e observado o contraditório (REsp 888.467/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Luis
Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01/09/2011). Ademais, em prol da verdade real e em
atenção à dificuldade de os segurados especiais acessarem documento s que amparam de sua
pretensão, o formalismo exacerbado deve ser afastado, evitando-se, assim, injustiça com os mais
desvalidos.
2. Caso concreto: documentos trazidos com os embargos de declaração: certidão de nascimento
do autor constando a profissão do pai como lavrador (fls. 69) e certificado de reservista do autor
informando a profissão de agricultor (fls. 70); Prova testemunhal (fl. 41): o autor sempre
desenvolveu atividades rurais, cessando-as em virtude da doença; Laudo pericial (fls. 15/39):
concluiu pela incapacidade total e permanente do autor.
3. São requisitos para a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e de auxílio-
doença a comprovação da qualidade de segurado da Previdência Social e o preenchimento do
período de carência de 12 (doze) contribuições mensais, com exceção das hipóteses
enumeradas no art. 26, II, da Lei 8.213/91, e a comprovação de incapacidade para o exercício de
atividade laborativa.
4. No caso de trabalhador rural, não se exige cumprimento de carência para fins de
aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença (arts. 26, II, e 39, I, da Lei 8.213/91).
5. Atendidos os requisitos indispensáveis à concessão do benefício de aposentadoria rural por
invalidez em testilha - início de prova material da atividade rural alegada, devidamente
corroborado por prova testemunhal sólida, e ainda a incapacidade para o exercício de atividade
laboral - mostrou-se incorreto o acórdão que reformou a sentença de procedência.
6. Embargos de declaração acolhidos com efeitos modificativos. Sentença de procedência
mantida quanto o mérito, modificados apenas consectários, conforme voto do Relator.
(Destaquei)
(TRF/1ª Região, EDAC 007494759201040191990074947-59.2010.4.01.9199,
DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO NEVES DA CUNHA, SEGUNDA TURMA, e-DJF1
de 12/04/2016)
Conforme doc. 34903550, foi ensejada ao INSS oportunidade para manifestação quanto aos
referidos documentos. De consequência, factível, juridicamente, levá-los em linha de conta no
presente julgamento.
Passo, assim, à análise do mérito.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal edisciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do
Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência
social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral, na
esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de que padece o
demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o acompanha, impõem-lhe
significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr, participar de brincadeiras,
acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário perquirir quanto à existência ou
não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º, doDecretonº 6.214/2007. (...) V - Embargos
Infringentes do INSS a que se nega provimento.” (EI 994950, Relator Desembargador Federal
Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3 14/09/2011)
Ainda, o posicionamento da Nona Turma deste E. Tribunal no mesmo sentido, nos seguintes
julgados: AC 0008758-60.2016.4.03.9999, D.E. 24/11/2016; AC 0002545-37.2013.4.03.6121,
D.E. 04/11/2016; AC 0007387-51.2012.4.03.6103, D.E. 24/11/2016.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
Na espécie, o requisito da deficiência restou incontroverso no átrio judicial.
Apenas, por elucidativo, o laudo médico colacionado ao doc. 3911754, realizado em 25/01/2018,
considerou o autor, então, com cinco anos de idade, portador de autismo atípico congênito, de
caráter total e definitivo.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o mandado de constatação
coligido ao doc. 3911743, produzido em 13/01/2017.
Segundo o auto adrede confeccionado, a parte autora reside no município de Marília/SP, com os
avós maternos, seus guardiões, conforme docs. 3910808 e 3910809. O avô tem 54 anos, e a avó,
52, idades correspondentes à data do estudo socioeconômico.
A mãe do autor mudou-se para o estado de Santa Catarina em idos de 2016, abandonando o
filho. Não deixou qualquer endereço. Às vezes telefona, mas não fornece informações sobre sua
vida pessoal.
Moram em casa própria, edificada em alvenaria, composta por duas salas, uma delas de estar,
cozinha, três quartos, dois banheiros.
O imóvel, localiza-se em bairro residencial afastado do centro, servido de todas as benfeitorias.
Conquanto a meirinha tenha consignado que o imóvel encontra-se em estado geral interno
regular e externo ruim, incumbe acentuar, nesse tocante, a existência de relatório fotográfico, no
doc. 3911744, a demonstrar boas condições de habitabilidade.
O menor realiza tratamento com neurologista, frequenta a APAE e o Centro de Reabilitação “Lucy
Montoro” de Marília, com equipe multiprofissional e médico fisiatra.
O avô possui veículo, Peugeot 206 Selection, ano 2001.
As despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água (R$ 38,00) e energia elétrica (R$
120,00), IPTU (R$ 900,00, anuais), alimentação (R$ 800,00), medicamentos e fraldas (R$
250,00), plano de saúde (R$ 130,00), combustível (R$ 150,00) e cigarros (R$ 60,00).
Uma tia do requerente fornece ajuda, eventual, com medicamentos, leite, etc.
A renda familiar advém do trabalho informal da avó, que faz salgadinhos, auferindo em torno de
R$ 700,00 mensais, acrescido de R$ 124,00, transferidos pelo Programa Bolsa Família.
O progenitor está desempregado há mais de um ano. Averbe-se que seu último registro no CNIS
remonta a junho de 1993.
A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão dos rendimentos percebidos do Programa Bolsa Família, por força do disposto no
Decreto nº 6.135/2007, que dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo
Federal.
Considerado, assim, o núcleo de três pessoas, a renda familiar per capita totaliza R$ 233,33,
inferior à metade do salário mínimo, à época, de R$ 937,00.
Além disso, os documentos 3911781 a 3911790, juntados pelo autor em sede de contrarrazões,
mostram a inadimplência de IPTU, desde o ano de 2011, do imóvel em que a família reside. Em
relação ao veículo, o último licenciamento foi efetuado no ano de 2012, havendo débitos de IPVA,
DPVAT, licenciamentos e multas, com inscrição em dívida ativa.
Destarte, conquanto o autor esteja bem cuidado por seus guardiões, notadamente, no que se
refere às sua condição de saúde, e ainda que a detença da propriedade de veículo automotor
seja circunstância algo incompatível com o propalado cenário de precisão econômica, aflora, na
situação específica sob análise, contexto de precariedade financeira, a justificar, no momento, a
inclusão do demandante no elenco de beneficiários da prestação buscada.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante
da benesse nos moldes do comando sentencial.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Quanto à modulação dos efeitos da decisão do citado RE, destaca-se a pendência de apreciação,
pelo STF, de Embargos de Declaração, ficando remarcada, desta forma, a sujeição da questão
da incidência da correção monetária ao desfecho do referido leading case.
Conquanto imperiosa a mantença da condenação da autarquia em honorários advocatícios, esta
deve ser fixada em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, nos termos do inciso II
do § 4º do art. 85 do NCPC, observando-se o disposto nos §§ 3º, 5º e 11 desse mesmo
dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do
benefício, nos termos da Súmula n. 111 do STJ.
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Por fim, tendo em vista o teor da presente decisão, resta prejudicado o pleito de efeito suspensivo
formulado pelo INSS em suas razões recursais.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para fixar os juros de
mora nos termos da fundamentação supra, explicitando os critérios de incidência da correção
monetária.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, NCPC. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88, E
LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do NCPC.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Incontroversa a deficiência e constatada, pelo laudo pericial, a hipossuficiência econômica, é
devido o Benefício de Prestação Continuada.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
