Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5068469-37.2018.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
25/06/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 28/06/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, NCPC. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88, E
LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do NCPC.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada.
- Verba honorária de sucumbência recursal majorada na forma do § 11 do art. 85 do NCPC.
- Apelo do INSS desprovido.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5068469-37.2018.4.03.9999
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO BATISTA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: WAGNER NUCCI BUZELLI - SP251701-N
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5068469-37.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO BATISTA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: WAGNER NUCCI BUZELLI - SP251701-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação, interposto peloINSS,em face da r. sentença, não submetida ao
reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a Autarquia
Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício assistencial a pessoa deficiente, a partir da
citação, em 03/05/2017. Foram discriminados os consectários e fixada verba honorária em 15%
sobre o total das prestações vencidas até a sentença, consoante Súmula n. 111 do STJ. Vide
docs. 7917927 e 7917929.
Pretendeo apelanteseja reformada a sentença, sustentando a ausência de comprovação de
deficiência. Suscita, por fim, o prequestionamento legal para efeito de interposição de recursos.
Com as contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta Corte (doc. 7917931).
No doc. 26632372, o Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo provimento da
apelação.
Em síntese, o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5068469-37.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO BATISTA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: WAGNER NUCCI BUZELLI - SP251701-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do NCPC, conheço do recurso de apelação, uma vez cumpridos
os requisitos de admissibilidade.
Ainda, afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, dispõe que não estar sujeita ao reexame necessário a sentença em ações cujo
direito controvertido não exceda mil salários mínimos.
No caso dos autos, considerando as datas do termo inicial do benefício, em 03/05/2017, e da
prolação da sentença, em 23/08/2018, bem como o valor da benesse, de um salário mínimo,
verifico que a hipótese em exame não excede os mil salários-mínimos, não sendo, pois, o caso
de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 7917888, realizado em 18/12/2017,
considerou o autor, então, com 46 anos de idade, ensino fundamental até terceira série e que
trabalhou como rurícola e auxiliar de produção em fábrica de calçados, incapacitado, de forma
parcial e permanente, para sua atividade de auxiliar de produção e outras que requeiram esforços
físicos acentuados ou a função plena do membro superior direito, por ser portador de
malformação congênita no membro superior direito e deformidade e limitação dos movimentos do
punho e mão direita.
Transcrevo, por oportuno, o parecer emitido pela assistente social, quanto às condições de saúde
da parte autora, constante do estudo social coligido ao doc. 7917887, produzido em 29/11/2017:
“Requerente encontra-se com humor deprimido, apático, necessitando de estimulo para contribuir
com este Estudo. Relata que a maior parte de sua vida, trabalhou na Zona Rural, como lavrador,
e só então quando não conseguia mais exercer esta função devido à dificuldade física que
apresentava, realizou outras atividades, sendo a última em injetora de calçados. Alega que para
trabalhar, só utilizava o membro superior esquerdo (devido a lesão apresentada no membro
superior direito), onde começou a apresentava fortes dores também neste membro, o que o
impediu de continuar o trabalho.”
A perita consignou que o vindicante necessita de analgésicos e concluiu que seu estado de saúde
geral é regular.
Destarte, a patologia apresentada, associada à idade do pretendente, seu grau de instrução,
experiência profissional e as atuais condições do mercado de trabalho demonstram que, a rigor, a
incapacidade revela-se total e permanente, autorizando concluir que obstrui sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, por mais de
dois anos, nos termos estabelecidos no art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, para fins de
reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação Continuada.
Nesse sentido, o seguinte julgado do C. STJ, em situação análoga:
"PROCESSUAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACÓRDÃO
EMBASADO EM OUTROS ELEMENTOS ALÉM DO LAUDO PERICIAL. POSSIBILIDADE.1. Na
análise da concessão da aposentadoria por invalidez, o magistrado não está adstrito ao laudo
pericial, devendo considerar também aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do
segurado a fim de aferir-lhe a possibilidade ou não de retorno ao trabalho. A invalidez laborativa
não decorre de mero resultado de uma disfunção orgânica, mas da somatória das condições de
saúde e pessoais de cada indivíduo. Precedentes. 2. O Tribunal a quo admitiu estar comprovado
que a ora agravada ficou incapacitada de modo permanente e definitivo para exercer suas
atividades laborativas, não obstante o laudo pericial ter concluído pela incapacidade apenas
parcial. Inteligência da Súmula 83/STJ. 3. A revisão do conjunto conjunto fático-probatório dos
autos que levou o Tribunal a quo a conclusão acerca da incapacidade laboral do segurado exige
análise de provas e fatos, o que inviabiliza a realização de tal procedimento pelo STJ, no recurso
especial, nos termos da Súmula 07/STJ. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ, AgRg no
AREsp 196053/MG, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, Data do Julgamento:
25/09/2012, DJe 04/10/2012).
No mesmo diapasão, a jurisprudência da Terceira Seção deste E. Tribunal:
“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 20, §1º, DA LEI N. 8.742/93. COMPOSIÇÃO DO NÚCLEO FAMILIAR.
IRMÃ DO AUTOR, CUNHADO E SOBRINHO. NÚCLEOS FAMILIARES DIVERSOS.
INTERPRETAÇÃO INCONTROVERSA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DE LEI. OCORRÊNCIA.
INCAPACIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
(...)
III - O conceito de 'deficiência' atualmente albergado (art. 20, §2º, da Lei n. 8.742/93, com
redação alterada pela Lei n. 12.470/2011) é mais extenso do que aquele outrora estabelecido,
vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha
potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
IV - O laudo médico acostado aos autos, realizado em 14.09.2009, atestou que o autor apresenta
deficiência auditiva bilateral, que teria se iniciado na infância. Assinala, outrossim, que houve
"...Perda auditiva neurossensorial de grau profundo bilateral..." , apresentando incapacidade
parcial e permanente para o exercício de atividade laborativa. Consigna, por fim, que o autor
"...não é alfabetizado, nunca realizou nenhum tipo de atividade laboral, situações que determinam
desvantagens e que o impossibilita de pleitear uma vaga no mercado de trabalho..."
V - Com fundamento na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que se
incorporou no ordenamento jurídico com status constitucional, e em face do disposto no art. 462
do CPC, que impinge ao julgador considerar fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito
ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação (no caso, da ação subjacente), é de se
reconhecer a deficiência do autor, tendo em vista que possui impedimentos de longo prazo de
natureza física. Notadamente, tal condição obstruiu sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
(...)
XIV - Ação rescisória cujo pedido se julga procedente. Ação subjacente cujo pedido se julga
procedente.”
(AR 00155670320104030000, Relator para o acórdão Desembargador Federal Sergio
Nascimento, j. 25/06/2015, e-DJF3 15/07/2015)
Portanto, o quadro ajusta-se ao conceito de pessoa com deficiência.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o mencionado estudo social.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a parte autora reside no município de Birigui/SP, com a
genitora, de 76 anos, idade correspondente à data do estudo socioeconômico.
Moram em casa alugada, edificada em alvenaria, localizada em bairro dotado de infraestrutura
urbana, com acesso a redes de água e esgoto, pavimentação asfáltica e proximidade a centro de
saúde e transporte público.
O imóvel, com forro e piso revestido em cerâmica, compõe-se por três quartos, sala, cozinha,
banheiro, garagem e área de serviço, em regulares condições de higiene e conservação. Está
guarnecido com móveis e eletrodomésticos básicos, a maioria, em mal estado de conservação.
Os ganhos da família advém do benefício de prestação continuada recebido pela genitora, no
valor de R$ 937,00.
Averbe-se que, desse importe, é descontado, mensalmente, por ordem judicial, o valor de
R$180,00 (cento e oitenta reais) a título de reembolso de honorários advocatícios. O desconto
ocorrerá por cerca de dez anos.
De todo modo, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão do mencionado benefício, em aplicação analógica ao art. 34 do Estatuto do Idoso, nos
moldes do citado precedente do Excelso Pretório. Assim, não resta, como passível de
consideração jurídica, qualquer valor percebido pelo proponente.
As despesas, à época do laudo, giravam em torno de R$ 1.021,00, consistindo em aluguel (R$
450,00), tarifas de água (R$ 45,00) e energia elétrica (R$ 85,00), gás (R$ 65,00, a cada dois
meses), crédito para celular (R$ 13,00), transporte (R$ 10,00), alimentação (R$ 100,00), produtos
de higiene e limpeza (R$ 50,00) e plano funerário (R$ 23,00).
Recebem meia cesta básica mensal e auxílio legumes fornecidos pela Secretaria de Assistência e
Desenvolvimento Social do Município.
O pagamento das despesas mensais são alternados e a família depende, para alimentar-se, de
doação de vizinhos e amigos.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante
da benesse, nos moldes do comando sentencial.
Diante da sucumbência recursal e da regra prevista no § 11 do art. 85 do NCPC, considerando a
devida majoração da verba honorária, seu percentual passa a ser fixado em 20% sobre a base
cálculo considerada pelo Juízo a quo.
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS. Majoro a verba honorária de
sucumbência recursal, na forma delineada.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, NCPC. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88, E
LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do NCPC.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada.
- Verba honorária de sucumbência recursal majorada na forma do § 11 do art. 85 do NCPC.
- Apelo do INSS desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
