Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5002436-36.2016.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal ANA LUCIA JORDAO PEZARINI
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
25/07/2017
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 31/07/2017
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 475,
§ 2º, CPC/1973. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88,
E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO. TERMO
INICIAL. CUSTAS PROCESSUAIS.
- Considerando as datas do termo inicial do benefício concedido e da prolação da sentença, bem
como o valor da benesse, verifica-se que a hipótese em exame não excede os 60 salários
mínimos, sendo incabível a remessa oficial, nos termos do art. 475, § 2º, do CPC/1973.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada desde o requerimento administrativo.
- As custas processuais deverão ser pagas pelo INSS ao final do processo, nos termos da Lei
Estadual n. 3.779/09, que revogou a isenção concedida na legislação pretérita, e artigo 91 do
NCPC, não se eximindo, contudo, a Autarquia Previdenciária, do pagamento das custas e
despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de
pagamento prévio.
- Apelo do INSS desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à
apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5002436-36.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELANTE:
Advogado do(a) PROCURADOR:
APELADO: MATHEUS PEDROSO DE ARRUDA
Advogado do(a) APELADO: SILVANA DE CARVALHO TEODORO ZUBCOV - MS5547000A
APELAÇÃO (198) Nº 5002436-36.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS PROCURADOR:
PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELANTE:
Advogado do(a) PROCURADOR:
APELADO: MATHEUS PEDROSO DE ARRUDA
Advogado do(a) APELADO: SILVANA DE CARVALHO TEODORO ZUBCOV - MS5547000A
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação do INSS interposta em face da r. sentença, não submetida ao reexame
necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a Autarquia
Previdenciária a conceder, à parte autora, representada por sua genitora, o benefício assistencial
a pessoa deficiente, desde o requerimento administrativo, discriminados os consectários,
antecipada a tutela jurídica provisória (doc. 273739).
Pretende, o apelante, que seja reformada a sentença, sustentando a ausência dos requisitos à
outorga da benesse. Insurge-se, outrossim, quanto ao termo inicial do benefício e custas
processuais fixadas, prequestionando toda a matéria, para fins recursais (doc. 273763).
Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal (doc. 273848).
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo parcial provimento do apelo
autárquico e do reexame necessário, apenas, para determinar a isenção do pagamento das
custas processuais pela autarquia previdenciária (doc. 593188).
Em síntese, o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5002436-36.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS PROCURADOR:
PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELANTE:
Advogado do(a) PROCURADOR:
APELADO: MATHEUS PEDROSO DE ARRUDA
Advogado do(a) APELADO: SILVANA DE CARVALHO TEODORO ZUBCOV - MS5547000A
V O T O
Inicialmente, afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o artigo 475, § 2º, do CPC/1973, com redação dada pelo art. 1º da Lei nº 10.352/2001,
que entrou em vigor em 27 de março de 2002, dispõe que não está sujeita ao reexame
necessário a sentença em ações cujo direito controvertido não exceda a 60 (sessenta) salários
mínimos.
Nesse sentido, segue o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça:
"AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REEXAME
NECESSÁRIO. SENTENÇA ILÍQUIDA. PERDA DA AUDIÇÃO. AUXÍLIO-ACIDENTE.
PRESSUPOSTOS. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A sentença ilíquida
proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e
fundações de direito público está sujeita ao duplo grau de jurisdição, exceto quando se tratar de
valor certo não excedente de 60 (sessenta) salários mínimos. 2. Afastado, na origem, o direito ao
auxílio-acidente, em razão de inexistirem os pressupostos à sua concessão, impede o reexame
da matéria, em âmbito especial, o enunciado 7 da Súmula desta Corte. 3. Agravo interno ao qual
se nega provimento." (STJ, AgRg no Ag 1274996/SP, Rel. Min. Celso Limongi, 6ª Turma, DJe
22.06.2010)
No caso dos autos, considerando as datas do termo inicial do benefício (17/8/2012, doc. 273399,
fl. 01) e da prolação da sentença (17/3/2015), bem como o valor da benesse, de um salário
mínimo, verifico que a hipótese em exame não excede os 60 salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso interposto pelo INSS.
Discute-se, in casu, o direito à concessão do benefício de prestação continuada ao deficiente.
Previsto no artigo 203, caput, da CR/88 e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de natureza
assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua concessão
desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado, atrelando-
se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário (recordando-se, a este passo, da
sucessiva redução da idade mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº
9.720/98 e, ao depois, para 65 anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003) ou à detecção de
deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à
verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-lo suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per
capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei n.
13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa
com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do
Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência
social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral, na
esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de que padece o
demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o acompanha, impõem-lhe
significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr, participar de brincadeiras,
acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário perquirir quanto à existência ou
não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º, doDecretonº 6.214/2007. (...) V - Embargos
Infringentes do INSS a que se nega provimento.” (EI 994950, Relator Desembargador Federal
Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3 14/09/2011)
Ainda, o posicionamento da Nona Turma deste E. Tribunal no mesmo sentido, em recentes
julgados de minha relatoria: AC 0008758-60.2016.4.03.9999, D.E. 24/11/2016; AC 0002545-
37.2013.4.03.6121, D.E. 04/11/2016; AC 0007387-51.2012.4.03.6103, D.E. 24/11/2016.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte reside no fato de terem sido "editadas leis que
estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais
como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa
Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que
autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas
de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas" (RE nº 580963).
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora (v., a exemplo, STJ: REsp nº 314264/SP,
Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185; EDcl no AgRg
no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ 04/04/2005, p.
342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002, v.u., DJ
10/03/2003, p. 323).
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família (Lei nº 10.836/04), o Programa Nacional de Acesso à Alimentação (Lei nº 10.689/03)
e o bolsa escola (Lei nº 10.219/01), contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, submetido à sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade
por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de
justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos,
bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de
benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo." (RE nº 580.963/PR, DJe
14.11.2013).
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso (assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos), mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
DO CASO CONCRETO
No caso dos autos, o laudo médico realizado em 30/4/2014 (doc. 273680) considerou que o autor,
então com 12 anos de idade (nascido em 14/3/2001, doc. 273399, fl. 02), estudante da 3ª série do
ensino fundamental, portador de Transtorno específico do desenvolvimento das habilidades
escolares; Transtorno específico de leitura; Transtorno específico da soletração; Transtorno
específico da habilidade em aritmética; Distúrbio do sono e Epilepsia (CID 10: F81, F81.0, F81.1,
F81.2, G47 e G40), não está incapacitado para a vida normal e para o trabalho, necessitando
somente de adequação.
Conquanto o expert ateste a capacidade do requerente, assinalou que o mesmo não sabe ler,
escrever, realizar contas ou trabalhar com trocos, repetiu quatro vezes a segunda série e
necessita de cuidados especiais, já que sua função intelectual é muito prejudicada.
Acrescentou que o mesmo possui alterações nas funções mentais globais e específicas (funções
intelectuais, aprendizagem básica, atenção, memória e cálculo) significativas, com grave
deficiência, geradoras de mau desempenho e má capacidade.
Pontuou que as limitações são graves e, muito embora possam ser melhoradas com tratamento,
dificilmente serão recuperadas, sendo certo que sua educação e treinamento especiais, que
deveriam começar na infância, estão negligenciadas até o momento.
No exame psíquico, consignou que o vindicante é tímido, pouco comunicativo e dependente da
mãe, até mesmo, para interpretar questões simples.
Transcrevo, a propósito, excerto do laudo médico:
“Clinicamente apresenta um quadro compatível com função intelectual significativamente inferior
à média, acompanhado de limitações significativas nas áreas de linguagem, comunicação,
habilidades acadêmicas e relacionamento interpessoal.”
Nesse cenário, a constatação da perícia médica autoriza concluir pela existência de incapacidade
para as atividades próprias da idade da parte autora, por mais de dois anos, de modo que o
quadro apresentado ajusta-se ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos do artigo 20,
§2º, da Lei n° 8.742/93, c/c o art. 4º, inciso II e § 1º, do Decreto nº 6.214/2007.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido aos
autos, produzido em 15/01/2103 (doc. 273433).
Segundo o laudo adrede confeccionado, a parte autora reside com a mãe, de 34 anos, o
padrasto, de 29 anos, e dois irmãos, de 14 e nove anos, idades correspondentes à data do
estudo socioeconômico.
Residem na Fazenda São José, localizada a 15 quilômetros da área urbana do município de
Pedro Gomes/MS, em casa cedida pelo proprietário, modesta, pequena (dois quartos, sendo um
adaptado na antiga varanda, sala, cozinha, área de serviço e banheiro nos fundos), necessitando
de reforma e da construção de mais um cômodo para melhor acomodação dos moradores.
A moradia é edificada, na maior parte, em tábuas, e também em alvenaria, com pintura, coberta
de telhas de amianto e cerâmica, sem forro, piso de cimento queimado, com móveis e
eletrodomésticos insuficientes, todos modestos. Está abastecida com água encanada (poço
artesiano) e energia elétrica, cuja tarifa é paga pelo proprietário do imóvel. O esgoto é disposto
em fossa séptica e os resíduos sólidos são queimados.
O padrasto do requerente é proprietário de uma casa na zona urbana do município, cedida para
uma irmã. A genitora foi contemplada no Programa de Moradia Popular e aguarda receber a nova
casa, no entanto, sem previsão de data.
A renda familiar advém do salário do padrasto, que trabalha como vaqueiro, recebendo um salário
mínimo (R$ 678,00); das pensões alimentícias recebidas pelo proponente e por um de seus
irmãos, no valor total de R$ 200,00, e da transferência de R$ 100,00 pelo Programa Bolsa
Família.
A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão dos rendimentos percebidos do Programa Bolsa Família, por força do disposto no art.
4º, IV, do Decreto nº 6.135/2007, que dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do
Governo Federal.
Considerado, destarte, o núcleo de cinco pessoas, a renda familiar per capita totaliza R$ 175,60,
inferior à metade do salário mínimo (R$ 339,00), à época, de R$ 678,00.
Os rendimentos da família são aplicados, integralmente, no pagamento das seguintes despesas
mensais: alimentação, produtos de higiene e limpeza, gás, recarga de celular, medicamentos,
convênio de saúde e, esporadicamente, prestações diversas (roupas e calçados). A família cria
animais de pequeno porte, para sua subsistência.
O pretende depende de medicação de uso contínuo, nem sempre disponibilizada pela rede
pública de saúde, cujo custo mensal é de R$ 30,00. Anualmente, tem que ser custeados, ainda,
consultas e exames para o proponente, no valor de R$ 150,00, e material escolar para ele e seus
irmãos, não disponibilizados pela rede pública de ensino.
O município não dispõe de transporte coletivo e o único hospital encontra-se distante da moradia
da família, localizada em região sem cobertura de Unidade Básica de Saúde. Dependem, para
atendimento médico, da Unidade Básica de Saúde da área urbana e dos serviços de saúde da
cidade de Campo Grande/MS, cujo deslocamento é feito pela van do município, visto que a
família não conta com veículo próprio.
A genitora relatou, à assistente social, que as maiores dificuldades enfrentadas pela família
concernem ao tratamento do vindicante, seja para agendamento de vagas na van, seja para o
pagamento de consultas e exames, bem assim ao acesso aos atendimentos educacional, com
foco nas suas necessidades especiais, psicológico, psicopedagógico, esportivo e artístico, estes
últimos já prescritos e não realizados, pelo que depende do benefício de prestação continuada
para garantir os cuidados que lhe são necessários.
Sopesados, então, todos os elementos probantes amealhados, temos que o autor comprova não
possuir meios de ter a manutenção provida por sua família, a amparar a outorga do benefício
pleiteado.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, justifica-se a concessão do benefício assistencial requerido.
Segue, por oportuno, excerto do Parecer Social:
“No momento da visita domiciliar e entrevistas realizadas, observamos que Matheus e sua família
são pessoas de modos simples, com pouca condição financeira, dependentes economicamente
do padrasto Valdinei para se manterem. Os problemas de saúde apresentados por Matheus
limitam seu processo de aprendizagem e relacionamento com algumas pessoas (que podem ser
melhor avaliados por profissionais específicos da área), sendo que a família ainda não encontrou
junto à rede pública o acesso a todos os atendimentos que a criança necessita, para o seu melhor
desenvolvimento, uma vez que para obter resultados concretos é preciso ser feito um trabalho em
conjunto entre pais, professores e demais profissionais.”
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, impondo-se a
manutenção da sentença monocrática.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser mantido a partir do requerimento administrativo. Nesse sentido: APELREEX
00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j.
30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona Turma, Relator Juiz
Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016).
Averbe-se que o laudo pericial apenas retratou situação ensejadora da outorga da benesse,
preexistente à sua confecção.
As custas processuais serão pagas pelo INSS ao final do processo, nos termos da Lei Estadual n.
3.779/09, que revogou a isenção concedida na legislação pretériae disposições contidas tanto no
artigo 27 do CPC/1973 quanto no artigo 91 do CPC/2015. Ademais, não se exime a Autarquia
Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora,
por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 475,
§ 2º, CPC/1973. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88,
E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO. TERMO
INICIAL. CUSTAS PROCESSUAIS.
- Considerando as datas do termo inicial do benefício concedido e da prolação da sentença, bem
como o valor da benesse, verifica-se que a hipótese em exame não excede os 60 salários
mínimos, sendo incabível a remessa oficial, nos termos do art. 475, § 2º, do CPC/1973.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada desde o requerimento administrativo.
- As custas processuais deverão ser pagas pelo INSS ao final do processo, nos termos da Lei
Estadual n. 3.779/09, que revogou a isenção concedida na legislação pretérita, e artigo 91 do
NCPC, não se eximindo, contudo, a Autarquia Previdenciária, do pagamento das custas e
despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de
pagamento prévio.
- Apelo do INSS desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à
apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
