Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5067497-67.2018.4.03.9999
Relator(a) para Acórdão
Desembargador Federal em substituição regimental GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Relator(a)
Juiz Federal Convocado VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
18/10/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 22/10/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, NCPC. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CR/88, E
LEI Nº 8.742/1993.AUSÊNCIA DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À CONCESSÃO
DOBENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do NCPC.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Padecendo a parte autora de deficiência visual monocular, não resta caracterizada a deficiência,
nos moldes dos §§2º e 10 do art. 20, da Lei 8.742/93.
- Autora conta com 30 anos de idade, também não preenchendo o requisito etário para
concessão do benefício.
- Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa.
- Apelo do INSS provido.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Recurso adesivo da parte autora prejudicado.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5067497-67.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCIA REGINA OLIVEIRA BRUSCHI
Advogado do(a) APELADO: DIEGO DA SILVA RAMOS - SP281496-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5067497-67.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCIA REGINA OLIVEIRA BRUSCHI
Advogado do(a) APELADO: DIEGO DA SILVA RAMOS - SP281496-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelações interpostas pelo INSS e pela parte autora, em face da r. sentença,
integrada por embargos de declaração, não submetida ao reexame necessário. Julgou
procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a Autarquia Previdenciária a conceder, à
esta, o benefício assistencial a pessoa deficiente, desde a data de realização do laudo pericial,
em 14/08/2017, acrescido de correção monetária pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo
Especial - IPCA-E, juros moratórios fixados segundo a remuneração da caderneta de poupança,
na forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, despesas
processuais comprovadas, bem como honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00 (mil
reais), nos termos do art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil, antecipados os efeitos da tutela
de mérito. Vide docs. 7833856, 7833860, 7833866 e 7833873.
Pretende, o INSS, que seja reformada a sentença, sustentando a ausência dos requisitos à
outorga da benesse. Insurge-se, outrossim, quanto à correção monetária.
Por sua vez, visa, a promovente, a retroação da DIB à data de entrada do requerimento
administrativo.
Intimadas as partes acerca dos recursos interpostos, apenas a autora apresentou contrarrazões.
O Ministério Público Federal deliberou pela ausência de fundamentos à sua intervenção nos
autos, requerendo a prossecução do feito.
Em síntese, o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Trata-se de apelação e recurso adesivo em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL
DO SEGURO SOCIAL, objetivando a concessão do benefício assistencial, previsto no art. 203, V,
da Constituição Federal.
A e. Relatora deu provimento à apelação da parte autora, para alterar o termo inicial do benefício
e negou provimento à apelação do INSS, para explicitar os critérios de fixação da correção
monetária.
Com a máxima vênia, divirjo da e. Relatora apenas quanto ao preenchimento do requisito da
deficiência.
No caso dos autos, o laudo da pericia médica (id 7833844) concluiu que a parte autora, portadora
de “perda de visão no olho direito”, padece de “incapacidade parcial” e “temporária”, podendo
“desempenhar funções que não necessitam de visão bilateral”.
Desta forma, padecendo a parte autora de deficiência visual monocular, entendo não
caracterizada a deficiência, nos moldes dos §§2º e 10 do art. 20, da Lei 8.742/93.
Ademais, a autora conta com 30 anos de idade, também não preenchendo o requisito etário para
concessão do benefício.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 10% do valor da
causa, suspensa sua exigibilidade, por ser beneficiária da justiça gratuita, nos termos do §3º do
art. 98 do CPC.
Pelo exposto, com a devida vênia, voto para dar provimento à apelação do INSS, para reformar a
sentença e julgar improcedente o pedido, observados os honorários advocatícios, na forma acima
fundamentada. Prejudicado o recurso adesivo da parte autora.Revogo a tutela antecipada.
Comunique-se ao INSS.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5067497-67.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCIA REGINA OLIVEIRA BRUSCHI
Advogado do(a) APELADO: DIEGO DA SILVA RAMOS - SP281496-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I do Código de Processo Civil atual, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, dispõe que a sentença não será submetida ao reexame necessário quando a
condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000
(mil) salários mínimos, em desfavor da União ou das respectivas autarquias e fundações de
direito público.
No caso dos autos, considero as datas do termo inicial do benefício e da prolação da sentença,
em 04/04/2018 (doc. 7833856). Atenho-me ao valor da benesse, de um salário mínimo. Verifico
que a hipótese em exame não excede os mil salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise dos recursos em seus exatos limites, uma vez cumpridos os requisitos de admissibilidade
previstos no Código de Processo Civil.
Previsto no art. 203, caput, da CR/88 e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de natureza
assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua concessão
desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado, atrelando-
se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência, nos termos
do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da ausência de
meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo suprido pela
família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼ (um quarto)
do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 7833844, realizado em 14/08/2017,
considerou a autora, então, com 28 anos de idade, primeiro grau completo, que trabalhou em
serviços gerais como faxineira/diarista, portadora de perda de visão no olho direito, devido a
quadro de catarata de grau grave, que a incapacita, de forma parcial e temporária, para
atividades que exijam visão bi-ocular.
O expert consignou que a pretendente pode desempenhar funções que não exijam visão bilateral,
aventando, ainda, a possibilidade de realização de cirurgia, na tentativa de melhora do quadro.
Não obstante, é cediço que o art. 16, § 2º, do Decreto nº 6.214/2007, estabelece que “a avaliação
social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, a avaliação médica considerará as
deficiências nas funções e nas estruturas do corpo”, e, ainda, “a limitação do desempenho de
atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades”, daí defluindo que a
avaliação da deficiência deve ser modulada conforme a qualificação e experiência pessoal, no
contexto social em que vive o postulante do amparo assistencial.
Ademais, a requerente não está obrigada a submeter-se a tratamento cirúrgico para reabilitação,
a teor do disposto no art. 101 da Lei nº 8.213/91, aplicável ao caso sob julgamento, por analogia.
Destarte, a patologia apresentada, associada ao grau de instrução da pretendente, experiência
profissional e as atuais condições do mercado de trabalho, demonstram que, a rigor, a
incapacidade se revela, no momento, total e permanente, autorizando concluir que obstrui sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas,
nos termos estabelecidos no art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, para fins de reconhecimento do
direito ao Benefício de Prestação Continuada.
Veja-se, nesse sentido, o seguinte julgado do C. STJ, em situação análoga:
"PROCESSUAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACÓRDÃO
EMBASADO EM OUTROS ELEMENTOS ALÉM DO LAUDO PERICIAL. POSSIBILIDADE.1. Na
análise da concessão da aposentadoria por invalidez, o magistrado não está adstrito ao laudo
pericial, devendo considerar também aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do
segurado a fim de aferir-lhe a possibilidade ou não de retorno ao trabalho. A invalidez laborativa
não decorre de mero resultado de uma disfunção orgânica, mas da somatória das condições de
saúde e pessoais de cada indivíduo. Precedentes. 2. O Tribunal a quo admitiu estar comprovado
que a ora agravada ficou incapacitada de modo permanente e definitivo para exercer suas
atividades laborativas, não obstante o laudo pericial ter concluído pela incapacidade apenas
parcial. Inteligência da Súmula 83/STJ. 3. A revisão do conjunto conjunto fático-probatório dos
autos que levou o Tribunal a quo a conclusão acerca da incapacidade laboral do segurado exige
análise de provas e fatos, o que inviabiliza a realização de tal procedimento pelo STJ, no recurso
especial, nos termos da Súmula 07/STJ. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ, AgRg no
AREsp 196053/MG, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, Data do Julgamento:
25/09/2012, DJe 04/10/2012).
No mesmo diapasão, a jurisprudência da Terceira Seção deste E. Tribunal:
"PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 20, §1º, DA LEI N. 8.742/93. COMPOSIÇÃO DO NÚCLEO FAMILIAR.
IRMÃ DO AUTOR, CUNHADO E SOBRINHO. NÚCLEOS FAMILIARES DIVERSOS.
INTERPRETAÇÃO INCONTROVERSA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DE LEI. OCORRÊNCIA.
INCAPACIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
(...)
III - O conceito de 'deficiência' atualmente albergado (art. 20, §2º, da Lei n. 8.742/93, com
redação alterada pela Lei n. 12.470/2011) é mais extenso do que aquele outrora estabelecido,
vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha
potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
IV - O laudo médico acostado aos autos, realizado em 14.09.2009, atestou que o autor apresenta
deficiência auditiva bilateral, que teria se iniciado na infância. Assinala, outrossim, que houve
"...Perda auditiva neurossensorial de grau profundo bilateral..." , apresentando incapacidade
parcial e permanente para o exercício de atividade laborativa. Consigna, por fim, que o autor
"...não é alfabetizado, nunca realizou nenhum tipo de atividade laboral, situações que determinam
desvantagens e que o impossibilita de pleitear uma vaga no mercado de trabalho..."
V - Com fundamento na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que se
incorporou no ordenamento jurídico com status constitucional, e em face do disposto no art. 462
do CPC, que impinge ao julgador considerar fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito
ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação (no caso, da ação subjacente), é de se
reconhecer a deficiência do autor, tendo em vista que possui impedimentos de longo prazo de
natureza física. Notadamente, tal condição obstruiu sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
(...)
XIV - Ação rescisória cujo pedido se julga procedente. Ação subjacente cujo pedido se julga
procedente.”
(AR 00155670320104030000, Relator para o acórdão Desembargador Federal Sergio
Nascimento, j. 25/06/2015, e-DJF3 15/07/2015)
Portanto, o quadro ajusta-se ao conceito de pessoa com deficiência.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 7833845, produzido em 09/11/2017.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a parte autora, solteira, reside no município de
Quatá/SP, com um filho, de cinco anos, idade correspondente à data do estudo socioeconômico.
Moram em uma edícula alugada, edificada em alvenaria, composta por dois quartos, cozinha e
banheiro, guarnecidos com móveis simples, necessitando de reparos.
A residência é simples, coberta com telhas Eternit, não possui reboco, o piso é de cerâmica e a
pintura carece, também, de reparos.
As despesas, à época do laudo, consistiam em aluguel e tarifa de água (R$ 230,00, há três
meses atrasado), e energia elétrica (R$ 55,00). A proponente recebe uma cesta básica da
assistência social e os amigos e vizinhos “levam, quando podem, mistura”.
Os ganhos da família advém da transferência de R$ 100,00, pelo Programa Bolsa Família.
Contudo, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a exclusão
dos rendimentos percebidos do aludido programa, por força do disposto no Decreto nº
6.135/2007, que dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.
Assim, não resta, como passível de consideração jurídica, qualquer valor percebido pela
proponente.
Haure-se, mais, do estudo social, que o cenário familiar experimentava tendência de
exasperação. Veja-se, a propósito, o relato de uma vizinha, à assistente social:
“ela está com três meses de aluguel atrasado, logo será despejada. Os amigos a ajudam no que
podem, mas não é muito. Ela já tentou se matar. Às vezes eu a ajudo a limpar a casa, com
mistura ou material de limpeza. Antes o namorado quem pagava o aluguel. Emprego ela não
consegue, ela não para por causa das crises, chora muito.”
Sopesados, então, todos os elementos probantes amealhados, temos que se trata de família em
contingência de miséria, apta a amparar a outorga do benefício concedido.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, o benefício assistencial “será essencial para esta família, assim poderão viver com
maior dignidade, pois atualmente vivem de forma miserável, pois possuem apenas a Bolsa
Família como renda e a ajuda de terceiros”.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante
da benesse.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser fixado a partir do requerimento administrativo. Nesse sentido: APELREEX
00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j.
30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona Turma, Relator Juiz
Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.
Averbe-se que o laudo pericial apenas retratou situação ensejadora da outorga da benesse,
preexistente à sua confecção.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirá correção monetária em conformidade com os
critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na
Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de relatoria do
Ministro Luiz Fux.
Quanto à modulação dos efeitos da decisão do citado RE, destaca-se a pendência de apreciação,
pelo STF, de Embargos de Declaração, ficando remarcada, desta forma, a sujeição da questão
da incidência da correção monetária ao desfecho do referido leading case.
Diante da sucumbência recursal e da regra prevista no § 11 do art. 85 do NCPC, a verba
honorária fixada na sentença deve ser majorada em 20%.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, para fixar o termo
inicial do benefício, na data de entrada do requerimento administrativo, E NEGO PROVIMENTO
AO APELO AUTÁRQUICO, explicitando os critérios de incidência da correção monetária. Majoro
a verba honorária de sucumbência recursal, na forma delineada.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, NCPC. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CR/88, E
LEI Nº 8.742/1993.AUSÊNCIA DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À CONCESSÃO
DOBENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do NCPC.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Padecendo a parte autora de deficiência visual monocular, não resta caracterizada a deficiência,
nos moldes dos §§2º e 10 do art. 20, da Lei 8.742/93.
- Autora conta com 30 anos de idade, também não preenchendo o requisito etário para
concessão do benefício.
- Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa.
- Apelo do INSS provido.
- Recurso adesivo da parte autora prejudicado. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por maioria,
decidiu dar provimento à apelação do INSS e julgar prejudicado o recurso adesivo da parte
autora, nos termos do voto do Desembargador Federal Gilberto Jordan, que foi acompanhado
pelo Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias e pelo Desembargador Federal Nelson Porfirio
(que votaram nos termos do art. 942 caput e §1º do CPC). Vencida a Relatora que dava
provimento à apelação da parte autora e negava provimento ao apelo autárquico, que foi
acompanhado pela Desembargadora Federal Marisa Santos. Julgamento nos termos do disposto
no artigo 942 caput e § 1º do CPC. Lavrará acórdão o Desembargador Federal Gilberto Jordan
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
