Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5006094-97.2018.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
25/06/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 28/06/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, NCPC. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CR/88, E
LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do NCPC.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatada, pelo laudo pericial, a deficiência, e incontroversa a hipossuficiência econômica, é
devido o Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento
administrativo. Precedentes.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Apelação da autarquia previdenciáriaparcialmente provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006094-97.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: MARIA LURDES GOMES
Advogado do(a) APELADO: ARNO ADOLFO WEGNER - MS12714-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006094-97.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: MARIA LURDES GOMES
Advogado do(a) APELADO: ARNO ADOLFO WEGNER - MS12714-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação, interposto peloINSS,em face da r. sentença, não submetida ao
reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando-oa
conceder, à parte autora, o benefício assistencial a pessoa deficiente, desde a data de entrada do
requerimento administrativo, em 10/01/2014 (DER), com correção monetária pelo INPC, juros
aplicáveis às cadernetas de poupança, desde a citação válida do réu, custas, despesas
processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor da condenação, nos termos do
art. 85 do Código de Processo Civil, antecipados os efeitos da tutela de mérito. Vide doc.
8324339, págs. 22, 131/138 e 145/160.
Postula, o recorrente, preambularmente, a recepção do apelo no duplo efeito. No mérito, pretende
que seja reformado o julgado, sustentando a ausência de comprovação da deficiência. Insurge-
se, outrossim, quanto ao termo inicial do benefício, correção monetária, juros de mora e
honorários advocatícios. Suscita, por fim, o prequestionamento legal para efeito de interposição
de recursos.
Com as contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta Corte (doc. 8324339, pags.
165/172).
No doc. 22785134, o Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo provimento da
apelação.
Em síntese, é o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006094-97.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: MARIA LURDES GOMES
Advogado do(a) APELADO: ARNO ADOLFO WEGNER - MS12714-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do NCPC, conheço do recurso de apelação, uma vez cumpridos
os requisitos de admissibilidade.
Ainda, afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, dispõe que não está sujeita ao reexame necessário a sentença em ações cujo
direito controvertido não exceda mil salários mínimos.
No caso dos autos, considerando as datas do termo inicial do benefício, em 10/01/2014, e da
prolação da sentença, em 08/06/2018, bem como o valor da benesse, de um salário mínimo,
verifico que a hipótese em exame não excede os mil salários-mínimos, não sendo, pois, o caso
de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal, e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 8324339, págs. 83/88, realizado em
11/08/2016, considerou a autora, então, com 54 anos de idade, ensino fundamental até segunda
série e que trabalhou como diarista, portadora de lombalgia crônica, decorrente de
espondilodiscoartrose de coluna lombo sacra, de caráter progressivo e irreversível. A proponente
apresenta quadro de algias intensas e limitação de movimentos.
O expert consignou que patologia não é grave, no entanto, limita a proponente no tocante às
atividades laborativas que requeiram esforços físicos, bem assim para suas atividades habituais.
Acrescentou que aludido impedimento é de longa duração e, em interação com diversas
barreiras, pode obstruir a participação plena e efetiva da proponente na sociedade.
Por fim, o perito concluiu que não há qualquer possibilidade de reabilitação, como segue:
“Considerando a idade de 54 anos e 5 meses, considerando a baixa escolaridade, considerando
o fato de que sempre exerceu suas atividades como diarista/doméstica e, portanto, não possui
qualificação profissional, considerando a ausência de um centro de reabilitação em toda a região
geográfica e considerando a pouca oferta de trabalho, condizente com a realidade local, não
vislumbro nenhuma possibilidade de reabilitação.”
Destarte, a patologia apresentada, associada à idade da pretendente, seu grau de instrução,
experiência profissional e as atuais condições do mercado de trabalho demonstram que, a rigor, a
incapacidade revela-se total e permanente, autorizando concluir que obstrui a participação plena
e efetiva da vindicante na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas, por
mais de dois anos, nos termos estabelecidos no art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, para fins de
reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação Continuada.
Nesse sentido, o seguinte julgado do C. STJ, em situação análoga:
"PROCESSUAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACÓRDÃO
EMBASADO EM OUTROS ELEMENTOS ALÉM DO LAUDO PERICIAL. POSSIBILIDADE.1. Na
análise da concessão da aposentadoria por invalidez, o magistrado não está adstrito ao laudo
pericial, devendo considerar também aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do
segurado a fim de aferir-lhe a possibilidade ou não de retorno ao trabalho. A invalidez laborativa
não decorre de mero resultado de uma disfunção orgânica, mas da somatória das condições de
saúde e pessoais de cada indivíduo. Precedentes. 2. O Tribunal a quo admitiu estar comprovado
que a ora agravada ficou incapacitada de modo permanente e definitivo para exercer suas
atividades laborativas, não obstante o laudo pericial ter concluído pela incapacidade apenas
parcial. Inteligência da Súmula 83/STJ. 3. A revisão do conjunto conjunto fático-probatório dos
autos que levou o Tribunal a quo a conclusão acerca da incapacidade laboral do segurado exige
análise de provas e fatos, o que inviabiliza a realização de tal procedimento pelo STJ, no recurso
especial, nos termos da Súmula 07/STJ. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ, AgRg no
AREsp 196053/MG, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, Data do Julgamento:
25/09/2012, DJe 04/10/2012).
No mesmo diapasão, a jurisprudência da Terceira Seção deste E. Tribunal:
“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 20, §1º, DA LEI N. 8.742/93. COMPOSIÇÃO DO NÚCLEO FAMILIAR.
IRMÃ DO AUTOR, CUNHADO E SOBRINHO. NÚCLEOS FAMILIARES DIVERSOS.
INTERPRETAÇÃO INCONTROVERSA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DE LEI. OCORRÊNCIA.
INCAPACIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
(...)
III - O conceito de 'deficiência' atualmente albergado (art. 20, §2º, da Lei n. 8.742/93, com
redação alterada pela Lei n. 12.470/2011) é mais extenso do que aquele outrora estabelecido,
vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha
potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
IV - O laudo médico acostado aos autos, realizado em 14.09.2009, atestou que o autor apresenta
deficiência auditiva bilateral, que teria se iniciado na infância. Assinala, outrossim, que houve
"...Perda auditiva neurossensorial de grau profundo bilateral..." , apresentando incapacidade
parcial e permanente para o exercício de atividade laborativa. Consigna, por fim, que o autor
"...não é alfabetizado, nunca realizou nenhum tipo de atividade laboral, situações que determinam
desvantagens e que o impossibilita de pleitear uma vaga no mercado de trabalho..."
V - Com fundamento na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que se
incorporou no ordenamento jurídico com status constitucional, e em face do disposto no art. 462
do CPC, que impinge ao julgador considerar fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito
ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação (no caso, da ação subjacente), é de se
reconhecer a deficiência do autor, tendo em vista que possui impedimentos de longo prazo de
natureza física. Notadamente, tal condição obstruiu sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
(...)
XIV - Ação rescisória cujo pedido se julga procedente. Ação subjacente cujo pedido se julga
procedente.”
(AR 00155670320104030000, Relator para o acórdão Desembargador Federal Sergio
Nascimento, j. 25/06/2015, e-DJF3 15/07/2015)
Portanto, o quadro ajusta-se ao conceito de pessoa com deficiência.
Presente a deficiência e incontroversa, no átrio judicial, a hipossuficiência econômica, revela-se o
direito à percepção do benefício em debate, nos moldes do comando sentencial.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser mantido a partir do requerimento administrativo. Nesse sentido: APELREEX
00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j.
30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona Turma, Relator Juiz
Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.
Averbe-se que o laudo pericial apenas retratou situação ensejadora da outorga da benesse,
preexistente à sua confecção.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Quanto à modulação dos efeitos da decisão do citado RE, destaca-se a pendência de apreciação,
pelo STF, de Embargos de Declaração, ficando remarcada, desta forma, a sujeição da questão
da incidência da correção monetária ao desfecho do referido leading case.
Conquanto imperiosa a mantença da condenação da autarquia em honorários advocatícios, esta
deve ser fixada em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, nos termos do inciso II
do § 4º do art. 85 do NCPC, observando-se o disposto nos §§ 3º, 5º e 11 desse mesmo
dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do
benefício, nos termos da Súmula n. 111 do STJ.
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Por fim, tendo em vista o teor da presente decisão, resta prejudicado o pleito de efeito suspensivo
formulado pelo INSS em suas razões recursais.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para fixar os juros de
mora nos termos da fundamentação supra, explicitando os critérios de incidência da correção
monetária, além do cálculo da verba honorária.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, NCPC. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CR/88, E
LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do NCPC.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatada, pelo laudo pericial, a deficiência, e incontroversa a hipossuficiência econômica, é
devido o Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento
administrativo. Precedentes.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Apelação da autarquia previdenciáriaparcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
