Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5038446-06.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MONICA APARECIDA BONAVINA CAMARGO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/02/2022
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 08/02/2022
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. PARCELAS NÃO
RECEBIDAS EM VIDA PELO BENEFICIÁRIO. TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS.
POSSIBILIDADE, NA FORMA DA LEI. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO
INDEVIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- As parcelas eventualmente devidas a título de benefício de prestação continuada, não recebidas
em vida pelo beneficiário, são passíveis de transmissão causa mortis, na forma da lei.
Precedentes.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.
- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observado o disposto no
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil,que manteve a sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser a
parte autora beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação do INSS provida. Sentença reformada para julgar improcedente o pedido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5038446-06.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE DE SOUZA CAMARGO
Advogado do(a) APELADO: JULIO WERNER - SP172919-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5038446-06.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE DE SOUZA CAMARGO
Advogado do(a) APELADO: JULIO WERNER - SP172919-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, não submetida
ao reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a
Autarquia Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício de prestação continuada, a
partir do ajuizamento da demanda, em 20/03/2017. O decisum condenou, ainda, o ente
autárquico, ao pagamento dos atrasados, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros
moratórios de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à
caderneta de poupança, até a data da inscrição do crédito em precatório, arbitrando verba
honorária em 15% do valor da condenação, incidente sobre as parcelas vencidas até a
sentença, nos termos da Súmula nº 111 do c. Superior Tribunal de Justiça.
Pretende, o INSS, que seja reformada a sentença, sustentando, em síntese, a ausência de
comprovação de miserabilidade. Insurge-se, subsidiariamente, quanto à incidência de juros
entre a conta de liquidação a inscrição do precatório.
Com as contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal requereu a conversão do julgamento em diligência, com vistas à
realização de novo estudo social, o qual fora produzido em primeiro Grau, oportunizando-se
vista às partes, sobrevindo, então, a notícia do falecimento do autor, ocorrido em 08/11/2018, e
a habilitação da companheira (docs. 153020548 a 153020613).
Retornando os autos a esta Corte, o Ministério Público ofertou parecer opinando pelo
provimento da apelação autárquica.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5038446-06.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE DE SOUZA CAMARGO
Advogado do(a) APELADO: JULIO WERNER - SP172919-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, é importante salientar que, de acordo com o art. 496, § 3º, inciso I, do Código de
Processo Civil atual, não será aplicável o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-
mínimos.
Na hipótese dos autos, embora a sentença seja ilíquida, resta evidente que a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, enquadrando-se
perfeitamente à norma insculpida no parágrafo 3º, I, art. 496, da atual lei processual.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Por sua vez, dispõe o artigo 21, §1º, da Lei nº 8.742/93:
"Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para
avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.
§ 1º O pagamento do benefício cessa no momento em que forem superadas as condições
referidas no caput, ou em caso de morte do beneficiário."
O Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência
social devido à pessoa com deficiência e ao idoso de que trata a Lei nº 8.742/93, estabelece em
seu art. 23:
"Art. 23. O Benefício de Prestação Continuada é intransferível, não gerando direito à pensão
por morte aos herdeiros ou sucessores.
Parágrafo único. O valor do resíduo não recebido em vida pelo beneficiário será pago aos seus
herdeiros ou sucessores, na forma da lei civil."
Resulta, assim, evidente, que o benefício de prestação continuada tem caráter personalíssimo e
intransferível, destinando-se, exclusivamente, a prover o postulante das necessidades básicas à
sua sobrevivência, e tampouco gera direito à pensão por morte em caso de óbito deste.
Contudo, as parcelas eventualmente devidas a esse título, não recebidas em vida pelo
beneficiário, são passíveis de transmissão causa mortis, nos termos da lei.
Em consonância com esse preceito, o entendimento consolidado pela jurisprudência desta C.
Corte:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO (ART. 557 DO CPC). BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA (DECRETO 6.214/07). SUBSISTÊNCIA DO INTERESSE DOS
SUCESSORES. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA DECIDIDA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA
DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. (...) 2. Embora se trate de benefício
personalíssimo, subsiste o interesse dos sucessores em receber os valores referentes ao
período precedente ao óbito . (...) 4. Agravo a que se nega provimento." (Terceira Seção, AR
0035256-96.2011.4.03.0000, Relator Desembargador Federal Souza Ribeiro, e-DJF3 Judicial 1
Data: 23/07/2014)
"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.
ÓBITO DA AUTORA. HABILITAÇÃO DE HERDEIROS. POSSIBILIDADE. PERCEPÇÃO DOS
VALORES INCORPORADOS AO PATRIMÔNIO DA FALECIDA ATÉ A DATA DO ÓBITO .
AGRAVO DESPROVIDO. 1. Os sucessores fazem jus ao recebimento dos valores que o titular
teria direito em vida, a despeito do caráter personalíssimo do benefício assistencial, que apenas
pode ser requerido pelo portador de deficiência ou idoso que comprove não possuir meios de
prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Precedentes desta C. 10ª
Turma. 2. Diante do conjunto probatório, comprovados os requisitos da incapacidade e da
hipossuficiência, deve ser reconhecido o direito ao benefício de prestação continuada,
correspondente a 1 (um) salário mínimo, nos termos do caput, do Art. 20, da Lei 8.742/93,
desde a data do requerimento administrativo até a data do óbito da parte autora. 3. Agravo
desprovido." (Décima Turma, AC 0001977-75.2013.4.03.6103, Relator Desembargador Federal
Baptista Pereira, e-DJF3 Judicial 1 Data: 06/05/2015).
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. AÇÃO DE HABILITAÇÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ÓBITO DO AUTOR. ARTIGO 23 DO DECRETO 6.214/2007.
PAGAMENTO AOS SUCESSORES. I - Trata-se de agravo, interposto pelo Instituto Nacional do
Seguro Social - INSS, com apoio no § 1º do art. 557 do CPC, em face da decisão monocrática
que negou seguimento ao seu apelo, interposto em face de sentença que julgou procedente o
pedido de habilitação dos sucessores de Aparecida Moreira Freitas. II - O agravante sustenta
que o benefício assistencial ( LOAS ) tem finalidade muito restrita (a sobrevivência física do seu
titular), possuindo caráter personalíssimo , sendo intransmissível. Afirma que, em ocorrendo o
falecimento do autor no curso da lide, descabe cogitar-se a respeito da percepção de eventuais
diferenças em favor de terceiros, mesmo que dependentes ou sucessores do de cujus, a teor do
artigo 21, § 1º, da Lei nº 8.742/93 e artigo 267, IX, do CPC. Pretende seja rejeitado o pedido de
habilitação, julgando-se extinto o feito sem apreciação do mérito, nos moldes do artigo 267, VI,
do CPC. III - Embora não se discuta acerca do caráter personalíssimo e intransferível do
benefício assistencial de prestação continuada, uma vez reconhecido o direito ao amparo, os
valores devidos e não recebidos em vida pelo beneficiário integram o patrimônio do de cujos e
devem ser pagos aos sucessores na forma da lei civil. IV - O art. 23, do Decreto n.º 6.214/2007,
que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência social devido à pessoa
com deficiência e ao idoso, assim prescreve, no seu Parágrafo único: "O valor do resíduo não
recebido em vida pelo beneficiário será pago aos seus herdeiros ou sucessores, na forma da lei
civil." (...) VII - Agravo improvido." (Oitava Turma, AC 00219847420124039999, Relatora Juíza
Convocada Raquel Perrini, e-DJF3 Judicial 1 Data: 28.06.2013)
"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. CARÁTER PERSONALÍSSIMO. FALECIMENTO DA AUTORA. DIREITO AO
RECEBIMENTO DAS DIFERENÇAS PELOS HERDEIROS. FIXAÇÃO DO VALOR DA
EXECUÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Ainda que o benefício assistencial tenha caráter
personalíssimo, não afeta as parcelas eventualmente devidas a esse título até a data do óbito,
na medida em que representam crédito constituído pela autora em vida, sendo, portanto,
cabível sua transmissão causa mortis, nos termos da lei civil. 2. Valor da execução fixado na
forma dos cálculos apresentados pelos exeqüentes. 3. Apelação provida." AC
00088611020104036109, Nona Turma, Relator Juiz Convocado Leonardo Safi, e-DJF3 Judicial
1 Data:15/01/2013)
Subsiste, pois, o interesse da sucessora em receber os valores eventualmente devidos a título
do benefício de prestação continuada postulado, referentes ao período precedente ao óbito do
autor.
Pois bem. Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº
8.742/1993, de natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada
tem sua concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de
segurado, atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de
deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à
verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-lo suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per
capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva
redução da idade mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e,
ao depois, para 65 anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para
efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a
Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas
com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de
pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando,
assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da
República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº
8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de
terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do
idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de
denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp
nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u.,
DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.
19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar
per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do
beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles
o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos
pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria
inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo,
mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde
a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada,
quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado
Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como
dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do
RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia,
assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto
do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por
deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §
3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara
no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de
65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito
esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação
continuada percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido
por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim,
pelos idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão
do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes,
pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso vertente, verifica-se, pelos documentos 153020504 e 153020505, que a parte autora,
nascida em 13/04/1949, possuía 66 anos de idade em 29/09/2015, data de entrada do
requerimento aviado na senda administrativa, restando, pois, implementado o requisito etário.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 153020509, produzido em 15/05/2017.
Segundo o laudo adrede confeccionado, o autor residia com a companheira, de 78 anos, idade
correspondente à data do estudo socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"O requerente mora em uma casa alugada, que é composta por 04 quartos, 01 sala, 01
cozinha, 01 copa e 01 banheiro. A casa fica em um terreno bem amplo onde é realizado todos
os sábados o evento ‘Cantinho da Viola’, onde até 01 ano atrás era cadastrado na Fundação
Cultural de Jacareí, cadastro este que já foi cancelado. Saliento que o ‘Cantinho da Viola’ é de
propriedade e organização do neto do requerente.”
Até meados de 2016, o vindicante trabalhava consertando televisões.
Apresentava “uma perna atrofiada”, como sequela de paralisia infantil. Quando necessário
deslocar-se “para locais externos”, um motorista era “acionado”.
Foi informado que a renda familiar advinha do benefício assistencial de amparo ao idoso
titularizado pela companheira, de valor mínimo, à época, de R$ 937,00.
As despesas reportadas giravam, à época do laudo, em torno de R$ 1.310,00, consistindo em
aluguel (R$ 600,00) tarifas de água (R$ 80,00) e energia elétrica (R$ 300,00) e impostos (R$
300,00), além de 30,00 cada uma das vezes que o demandante necessitava “de um carro para
locomover-se”.
A assistente social registrou que a companheira do autor não soube quantificar os valores
gastos com alimentação, “nem quanto tem de lucro e gastos quando tem o evento no “Cantinho
da Viola”.
Em razão da insuficiência e divergência de informações referentes à renda e despesas
declaradas pelo núcleo familiar, foi realizada a complementação do estudo social, cujo relatório,
datado de 24/01/2020 (doc. 153020596), informa que o casal viveu em união estável, por 34
(trinta e quatro) anos, até o passamento do autor. A companheira recebe o benefício de
prestação continuada, desde “os 64 anos de idade”.
Quanto ao “Cantinho da Viola”, a mesma prestou os seguintes esclarecimentos:
“O casal administrava um pequeno ‘comércio’, chamado “Cantinho da Viola”, consistente num
barracão construído por amigos do casal, as cadeiras e as mesas foram doadas, o local dispõe
de uma pequena cozinha e um barzinho onde são servidas bebidas (em consignação) e
aperitivos, porções de frango, calabresa, batatas fritas, polenta frita e lanches para as pessoas
e amigos que se reúnem no local para cantar, ouvir os violeiros e contar ‘causos’.
No ‘Cantinho da Viola’ são feitos eventos aos sábados, em alguns domingos quando acontecem
esses encontros, aproveita e serve almoço, as refeições são vendidas os valores apurados
ajuda nas despesas que são muitas.
Como atração, recebe alguns violeiros de Jacareí e outros que vêm das cidades vizinhas (São
Paulo, São José dos Campos, Santa Izabel, Guararema, Igaratá, etc...), eles tocam
gratuitamente, em troca serve lanches e/ou refeições e sucos.
Nestes eventos realizados aos domingos, a Requerente recebe arroz e feijão gratuitamente da
manufatura de arroz e feijão Fantástico.
Com estes eventos e com a venda dos lanches e das porções no ‘Cantinho da Viola’ paga o
aluguel, água, luz, gás, compra pão e leite e alimentação da família e dos eventos”.
Declarou, por fim, os seguintes dispêndios mensais: “aluguel R$ 510,00; IPTU/2019 R$
3.000,00 pagou 10 x R$ 300,00; água R$ 70,00; luz R$ 500,00 devido aos eventos; gás R$
210,00 duas vezes ao mês, total R$ 420,00 para abastecer 03 fogões e chapa que usa para
fazer os lanches; alimentação R$ 500,00 por semana; bebidas R$ 500,00 por semana – venda
consignada; prestação do freezer (R$ 250,00 por mês em 04 parcelas, restam 02)”.
Destarte, os elementos de convicção coligidos aos autos não indicam cotidiano de privações a
ponto de franquear a outorga do beneplácito buscado, evidenciando-se que a manutenção do
núcleo familiar vinha sendo provida, não só pela benesse assistencial percebida pela
companheira do autor, como pela renda obtida com a realização dos eventos, “todos os
sábados”, no “Cantinho da Viola”.
Nesse sentido, também, a conclusão do bem lançado parecer do Órgão Ministerial, in verbis
(negrito no original):
“Portanto, resta patente que, no período em discussão (de 20/03/2017 à 01/02/2018), o núcleo
familiar do autor não poderia ser considerado miserável, uma vez que tinha sua subsistência
garantida por meio da renda obtida com os eventos realizados no “Cantinho da Viola” e com a
venda de lanches, porções e refeições pelo autor e sua companheira”.
E, como se sabe, dentre os escopos do benefício de prestação continuada, não está o de
suplementar renda ou propiciar maior conforto ao interessado. A propósito: AC
00394229420044039999, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, TRF3, Nona
Turma, DJU 24/11/2005.
Assim, não restou comprovada situação de hipossuficiência, ainda que por outros meios
probantes, como indicado no sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em
repercussão geral.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, PARA REFORMAR A
SENTENÇA E JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO.
Condeno a parte autora em honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da
causa, observado o disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil, que manteve a
sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART.
496, § 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993.
PARCELAS NÃO RECEBIDAS EM VIDA PELO BENEFICIÁRIO. TRANSMISSÃO CAUSA
MORTIS. POSSIBILIDADE, NA FORMA DA LEI. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
BENEFÍCIO INDEVIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa
oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- As parcelas eventualmente devidas a título de benefício de prestação continuada, não
recebidas em vida pelo beneficiário, são passíveis de transmissão causa mortis, na forma da lei.
Precedentes.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o
implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e
a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-la suprida pela família.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.
- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observado o disposto
no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil,que manteve a sistemática da Lei n. 1.060/50, por
ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação do INSS provida. Sentença reformada para julgar improcedente o pedido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação do INSS, para reformar a sentença e julgar
improcedente o pedido, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
