Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5367777-91.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
30/04/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 04/05/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.
- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observado o disposto no
art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil,que manteve a sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser a
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
parte autora beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação do INSS provida. Sentença reformada para julgar improcedente o pedido. Tutela
antecipada de mérito revogada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5367777-91.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: A. M. A. J.
REPRESENTANTE: ELIANE DA SILVA XAVIER
Advogado do(a) APELADO: MARIA DE LOURDES FELIX PEREIRA - SP365641-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5367777-91.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: A. M. A. J.
REPRESENTANTE: ELIANE DA SILVA XAVIER
Advogado do(a) APELADO: MARIA DE LOURDES FELIX PEREIRA - SP365641-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, não submetida ao
reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a Autarquia
Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício de prestação continuada, desde a data de
indeferimento do requerimento administrativo, o primeiro, formulado em 31/10/2014,
discriminados os consectários. O decisum condenou, ainda, o ente autárquico, à implementação
do benefício, em sede de antecipação dos efeitos da tutela de mérito, no prazo de 15 (quinze)
dias, a contar da intimação, sob pena de incidência de multa diária de R$500,00, limitada a cem
dias.
Postula, o INSS, preambularmente, a recepção do apelo no duplo efeito. No mérito, pretende que
seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a ausência de comprovação de
miserabilidade. Insurge-se, outrossim, quanto ao termo inicial do benefício e ao valor da multa
diária que lhe foi impingida pela r. sentença.
Com as contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo provimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5367777-91.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: A. M. A. J.
REPRESENTANTE: ELIANE DA SILVA XAVIER
Advogado do(a) APELADO: MARIA DE LOURDES FELIX PEREIRA - SP365641-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
É importante salientar que, de acordo com o art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil
atual, não será aplicável o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito
econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos.
Na hipótese dos autos, embora a sentença seja ilíquida, resta evidente que a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, enquadrando-se
perfeitamente à norma insculpida no parágrafo 3º, I, art. 496, da atual lei processual.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do
Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência
social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral, na
esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de que padece o
demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o acompanha, impõem-lhe
significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr, participar de brincadeiras,
acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário perquirir quanto à existência ou
não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º, doDecretonº 6.214/2007. (...) V - Embargos
Infringentes do INSS a que se nega provimento.” (EI 994950, Relator Desembargador Federal
Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3 14/09/2011)
Ainda, o posicionamento da Nona Turma deste E. Tribunal no mesmo sentido, nos seguintes
julgados: AC 0008758-60.2016.4.03.9999, D.E. 24/11/2016; AC 0002545-37.2013.4.03.6121,
D.E. 04/11/2016; AC 0007387-51.2012.4.03.6103, D.E. 24/11/2016.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
Na espécie, o requisito da deficiência restou incontroverso no átrio judicial.
Apenas, por elucidativo, o laudo médico colacionado ao doc. 148327848 considerou o autor,
Alessandro Marcelo Antônio Júnior, então, com quinze anos de idade, portador de atraso do
desenvolvimento neuropsicomotor, constatado aos três anos de idade, passando a evoluir com
retardo mental de grau moderado e crises epilépticas parciais complexas, com estabelecimento
do diagnóstico de epilepsia.
O vindicante é portador, também, de diabetes mellitus tipo I, igualmente, desde os três anos de
idade, em uso de Insulina e sob controle dietético, bem assim de perda auditiva de grau leve
bilateral, em acompanhamento.
O expert concluiu que, apesar do tratamento instituído, as patologias diagnosticadas acarretam
incapacidade laborativa parcial e permanente ao autor, com grande comprometimento funcional e
previsão de severas restrições laborais futuras, havendo, ainda, dependência de terceiros para a
realização das atividades da vida diária.
Quanto ao requisito da hipossuficiência, merece transcrição o bem lançado parecer do Órgão
Ministerial, a retratar o histórico vivenciado pela família do vindicante:
"3. No tocante ao requisito de ordem objetiva, a assistente social (ID 148327785/148327786)
esclareceu que o autor reside com sua família em imóvel próprio, simples, em bairro que possui
infraestrutura, é abastecido de água encanada, energia elétrica, rede de esgoto e telefonia e
equipamentos sociais: escolas públicas, UBS, creche, transporte público e poucos
estabelecimentos comerciais.
A casa é arejada, arrumada e com boa higiene. Possui dois dormitórios, uma sala, uma
copa/cozinha, um banheiro, garagem coberta e uma lavanderia com porta para acesso ao
estabelecimento comercial (bar).
Em seu interior foram constatados os seguintes eletrodomésticos, eletroeletrônicos e móveis: um
televisor led de 42’; um rack de parede; um tablet; três celulares; um sofá para cinco assentos;
uma geladeira simples; um fogão com quatro bocas; um liquidificador; uma batedeira; uma
sanduicheira; uma mesa com quatro cadeiras; armário para mantimentos; pia sem gabinete; uma
fruteira; uma cama de casal; duas camas de solteiro; um guarda-roupa com seis portas; um
guarda-roupa com duas portas; uma cômoda com gavetas; ventilador; uma sapateira- simples;
uma máquina para lavar roupas; dois capacetes; acessórios e utensílios domésticos.
A família possui uma motocicleta Honda / CB 125, FAN ES, Ano 2012/2013.
Ao lado da casa, com porta corrediça para acesso à rua, a família possui também um
estabelecimento comercial que se encontra desativado. Dentro de referido estabelecimento foram
constatados: mesa de bilhar; mesas e cadeiras; caixas com garrafas vazias de cerveja e
refrigerante; freezer horizontal; balcão; vitrine de vidro e prateleiras.
Quanto à composição do núcleo familiar, reportou a assistente social que em uma primeira visita
(11/05/2020) a genitora do autor teria informado que o núcleo familiar era composto por 4
pessoas (o autor, sua irmã, Isabelly Yasmin Silva Soares, nascida em 09/12/2017, e os
respectivos pais, Alessandro Marcelo Antonio e Eliane da Silva Xavier). Porém, em nova visita
domiciliar, 14 dias depois da primeira (25/05/20), a genitora do autor declarou que se considera
separada, pois o marido, que trabalha como caminhoneiro/carreteiro está ausente de casa desde
o dia 07/05/2020. A genitora do autor indicou que a renda familiar é composta apenas pela
pensão alimentícia paga pelo pai do autor, no valor de R$ 475,00, e a bolsa família de R$ 80,00.
Houve recusa de apresentação à assistente social de documentos reveladores dos rendimentos
do genitor do autor: “A mãe do requerente informou que o genitor mencionou que não
apresentará os documentos pessoais solicitados, para a composição do estudo social, como:
CPF, registro de identidade, carteira de trabalho e holerite. Disse ainda: “quem tem que receber o
benefício é o filho, não tenho nada a ver com isso e não vou mostrar os documentos”.
No relatório do CREAS (ID 148327834), em acréscimo ao estudo social, constatou-se que o
imóvel onde reside o autor, assim como o bar anexo, pertenciam ao avô materno do autor, Sr.
Erivaldo dos Santos Chavier, que veio a óbito em 06 de novembro de 2019. Os bens encontram-
se em inventário para partilha entre nove irmãos.
O porão da casa, composto por um único cômodo grande, está ocupado pela família de uma das
tias do autor (irmã de Eliane), porém não constam maiores informações sobre essa irmã ou
quantos familiares residem com ela.
O autor estuda na escola de educação especial da APAE, onde cursa o ensino fundamental. A
irmã Isabelly cursa o 7º ano do ensino fundamental II, na E.E. Prof. Carlos Tancler. Isabelly é filha
de um outro relacionamento de sua mãe, com Agnaldo Souza Soares. O genitor não paga pensão
alimentícia e atualmente está preso no município de São José do Rio Preto.
A análise conjunta do estudo social, do relatório do CREAS e dos demais documentos permite
concluir que o núcleo familiar do autor não está desprovido do mínimo vital e tampouco vive em
situação de miserabilidade.
O genitor do autor percebe salário de R$ 2.489,91 e está empregado há mais de três anos (desde
03 de julho de 2017) na empresa D.B. Transportes Rodoviários de Carga Eireli (ID 148327792),
possuindo plenas condições de sustentar o autor.
O relato da assistente social revela que a família possui bens incompatíveis com situação de
miserabilidade. Não se pode olvidar que a assistência social a ser prestada pelo Poder Público
possui caráter subsidiário, ou seja, apenas na impossibilidade de manutenção própria ou por meio
da família é que deverá ser deferido o benefício de prestação continuada LOAS."
Adite-se, que, por ocasião das visitas domiciliares, a família do autor residia na Rua Manuel do
Vale, nº 155, casa 1, CEP 13332-494, Jardim Morumbi, Indaiatuba/SP, mesmo endereço
declinado na petição inicial, à época do ajuizamento da demanda, em 25/06/2019 (data extraída
do sistema e-SAJ do e. Tribunal de justiça do Estado de São Paulo).
Desperta atenção, contudo, que, na visita domiciliar realizada em 11/05/2020, a genitora do
pretendente informou que a família era composta por quatro membros: os genitores, o autor e a
irmã materna deste.
Em nova entrevista com a assistente social, em 25/05/2020, aduziu "que se considera separada,
pois o esposo não retornou para casa desde a data de 07/05/2020". Acrescentou que
"permaneceram em afastamento social de 24/04/2020 a 07/05/2020, e que após essa data o
genitor saiu de casa e não retornou". Vide doc. 148327785, pág. 2.
Do relatório social produzido em 03/08/2020, pelo Centro de Referência Especializado de
Assistência Social - CREAS, que acompanha a família desde outubro de 2019, por
encaminhamento do Conselho Tutelar, haure-se, ainda, que a família do demandante morava
com o avô materno, até o falecimento deste, ocorrido em novembro de 2019.
O progenitor era aposentado e proprietário de um bar que funcionava em um salão anexo à
residência, sendo que a própria genitora da parte autora informou que a renda daquele mantinha
o sustento da família e as despesas da casa (doc. 148327834, pág. 2).
Contudo, diferentemente do quadro retratado no primeiro relatório social, consta que a genitora
rompeu o relacionamento amoroso com o pai do proponente, "no início do ano" (doc. 148327834,
pág. 4).
Não obstante, foi por essa informado, em 25/05/2020 - portanto, após o dito "afastamento social
de 24/04/2020 a 07/05/2020" - "que o pai do requerente sustentava a família nas despesas
mensais".
Como se vê, as informações prestadas pela genitora do promovente, nas investigações sociais
realizadas, padecem de inconsistências, notadamente, no que tange à composição do seu núcleo
familiar e renda mensal auferida.
De qualquer sorte, os demais elementos de convicção coligidos aos autos não indicam cotidiano
de privações a ponto de franquear a outorga do beneplácito buscado, notadamente, porque, de
acordo com o relatado, o avô do demandante, "proprietário de um bar que funcionava em um
salão anexo à residência", vinha mantendo o sustento da família e as despesas da casa, e, após
o passamento deste, "quem sustenta a família nas despesas mensais é o pai do requerente".
Além disso, "a situação habitacional do requerente é suprida, reside em imóvel próprio da
família", em boas condições de habitabilidade e provido por móveis e eletrodomésticos suficientes
para atender aos moradores.
Do relatório social datado de maio de 2020, colhe-se, mais, que contavam com motocicleta,
Honda / CB 125, FAN ES, Ano 2012/2013, e três telefones celulares.
A família tem bom relacionamento social, com vizinhos, amigos e parentes, sem olvidar que o
demandante vem sendo atendido em suas questões de saúde: frequenta escola, realiza
acompanhamento multiprofissional na APAE, com psicólogo, nutricionista e neurologista, tendo
transporte fornecido por esta instituição, segue em acompanhamento médico com
endocrinologista e neuropediatra e as medicações das quais necessita são disponibilizadas pela
Assistência Farmacêutica Municipal.
De se pontuar, por fim, que a opinião da assistente social, no sentido de que a condição
socioeconômica do autor apresenta-se insuficiente, não merece acolhimento, diante da
especificidade do caso, pois a perita expressamente consignou que tal se baseia, unicamente,
nas "declarações da mãe do requerente", como visto, imprecisas.
Assim, não restou demonstrada a presença da alegada conjuntura de miserabilidade, como
indicado no sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral,
a justificar a concessão do benefício vindicado.
Não se descarte a possibilidade de alteração desse cenário, no decorrer do tempo, a ponto de,
eventualmente, justificar-se a concessão do benefício, hipótese em que resta, de todo modo,
franqueado à parte autora deduzir nova postulação quanto à outorga da benesse pleiteada.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, PARA REFORMAR A SENTENÇA
E JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO.
Independentemente do trânsito em julgado, comunique-se ao INSS para cancelamento do
benefício implantado por força da tutela antecipada concedida na sentença, restando, em
decorrência, prejudicada a cominação de multa diária na sentença, em caso de descumprimento
da ordem direcionada à implantação do benefício dentro do prazo estipulado.
Condeno a parte autora em honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da
causa, observado o disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil, que manteve a
sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.
- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observado o disposto no
art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil,que manteve a sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser a
parte autora beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação do INSS provida. Sentença reformada para julgar improcedente o pedido. Tutela
antecipada de mérito revogada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação do INSS, para reformar a sentença e julgar
improcedente o pedido, revogando a tutela antecipada de mérito, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
