Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5162960-31.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MONICA APARECIDA BONAVINA CAMARGO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/12/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Reconhece-se o direito ao benefício assistencial, mesmo em casos de incapacidade temporária,
desde que preenchidos os demais requisitos para tanto. Precedentes da Nona Turma deste e.
Tribunal.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observado o disposto no
art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil,que manteve a sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser a
parte autora beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação do INSS provida. Sentença reformada para julgar improcedente o pedido. Tutela
antecipada de mérito revogada.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5162960-31.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: G. N. S.
REPRESENTANTE: MARIA MADALENA NEDROTTI
Advogado do(a) APELADO: OTAVIO AUGUSTO LOPES - SP30812-N,
Advogado do(a) REPRESENTANTE: OTAVIO AUGUSTO LOPES - SP30812-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5162960-31.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: G. N. S.
REPRESENTANTE: MARIA MADALENA NEDROTTI
Advogado do(a) APELADO: OTAVIO AUGUSTO LOPES - SP30812-N,
Advogado do(a) REPRESENTANTE: OTAVIO AUGUSTO LOPES - SP30812-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, não submetida
ao reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a
Autarquia Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício de prestação continuada,
desde a data de entrada do requerimento administrativo, em 27/02/2020, antecipados os efeitos
da tutela de mérito. O decisum condenou, ainda, o ente autárquico, ao pagamento dos
atrasados, acrescidos de correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, juros de mora na forma do art. 1º-F da Lei
nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, e verba honorária arbitrada em 10%
do valor da condenação, incidente sobre as parcelas vencidas até a sentença, nos termos da
Súmula nº 111 do c. Superior Tribunal de Justiça.
Pretende, o INSS, que seja reformada a sentença, sustentando, em síntese, a ausência dos
requisitos à outorga da benesse. Insurge-se, outrossim, quanto à correção monetária e juros de
mora.
Com as contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo provimento da apelação.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5162960-31.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: G. N. S.
REPRESENTANTE: MARIA MADALENA NEDROTTI
Advogado do(a) APELADO: OTAVIO AUGUSTO LOPES - SP30812-N,
Advogado do(a) REPRESENTANTE: OTAVIO AUGUSTO LOPES - SP30812-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, é importante salientar que, de acordo com o art. 496, § 3º, inciso I, do Código de
Processo Civil atual, não será aplicável o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-
mínimos.
Na hipótese dos autos, embora a sentença seja ilíquida, resta evidente que a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, enquadrando-se
perfeitamente à norma insculpida no parágrafo 3º, I, art. 496, da atual lei processual.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a
¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade
mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65
anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para
efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a
Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas
com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de
pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de
atividade e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e
§ 1º, do Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da
assistência social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão
laboral, na esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL.
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de
que padece o demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o
acompanha, impõem-lhe significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr,
participar de brincadeiras, acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário
perquirir quanto à existência ou não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º,
doDecretonº 6.214/2007. (...) V - Embargos Infringentes do INSS a que se nega provimento.”
(EI 994950, Relator Desembargador Federal Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3
14/09/2011)
Ainda, o posicionamento da Nona Turma deste E. Tribunal no mesmo sentido, nos seguintes
julgados: AC 0008758-60.2016.4.03.9999, D.E. 24/11/2016; AC 0002545-37.2013.4.03.6121,
D.E. 04/11/2016; AC 0007387-51.2012.4.03.6103, D.E. 24/11/2016.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando,
assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da
República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº
8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de
terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do
idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de
denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp
nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u.,
DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.
19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar
per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do
beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles
o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos
pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria
inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo,
mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde
a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada,
quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado
Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como
dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do
RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia,
assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto
do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por
deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §
3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara
no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de
65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito
esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação
continuada percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido
por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim,
pelos idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão
do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes,
pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
Realizada a perícia médica em 27/11/2020, o laudo coligido ao doc. 196974352 considerou o
autor, então, com 15 anos de idade, estudante da 6ª série em escola convencional, portador de
retardo mental leve, com comprometimento funcional, também, de grau leve.
O vindicante realiza acompanhamento com a especialidade e nega uso de medicação contínua.
O perito identificou incapacidade parcial e temporária do requerente, desde a infância até os
dezoito anos de idade, para o desempenho de atividades laborais, bem como para a realização
das atividades habituais diárias.
O laudo médico datado de 01/08/2019, acostado à petição inicial, atesta, ainda, com base no
mesmo diagnóstico, que o proponente necessita de supervisão nas atividades da vida prática.
Haure-se, mais, do relatório social acostado ao doc. 196974341, produzido em 24/10/2020, que
a genitora apresentou "avaliação da APAE dos setores de psicologia, psicopedagogia e
neurologia com resultado QI=61, considerado intelectualmente deficiente para sua faixa etária".
Tal cenário autoriza concluir pela existência de limitações para a realização de atividades
cotidianas próprias da idade da parte autora ou restrições de ordem social ou mesmo de
aprendizagem, por mais de 2 (dois) anos, configurando-se, por conseguinte, como de longo
prazo, para fins de concessão do benefício de prestação continuada, nos termos estabelecidos
no art. 20, § 10, da Lei nº 8.742/1993 c/c parágrafo 1º, do art. 4º, do Decreto nº 6.214/2007.
Averbe-se que a jurisprudência da Nona Turma deste E. Tribunal vem reconhecendo o direito
ao benefício assistencial, mesmo em casos de incapacidade temporária, desde que
preenchidos os demais requisitos para tanto. A propósito, colacionam-se os seguintes julgados,
tirados de situações parelhas:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL (ART. 557, §1º, DO CPC). BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. INCAPACIDADE TOTAL E
TEMPORÁRIA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADA ATÉ 28 DE FEVEREIRO
DE 2011. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. VERBA
HONORÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. (...) 2 - Incapacidade total e temporária comprovada
pelo laudo pericial. 3 - Estudo social comprova a condição de miserabilidade da autora no
período compreendido entre 03 de março de 2008 e 28 de fevereiro de 2011. 4 - De rigor a
concessão do benefício assistencial no lapso em que restaram preenchidos os requisitos legais.
(...) 10 - Agravo legal parcialmente provido.” (Destaquei.) (APELREEX
00059087220124039999, Relator Desembargador Federal Nelson Bernardes, j. 18/06/2012, e-
DJF3 28/06/2012)
“CONSTITUCIONAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL - APELAÇÃO COM PRELIMINAR DE
ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO - TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA NA
SENTENÇA- DESCABIMENTO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ARTIGO 203,
INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - DEFICIÊNCIA E NECESSIDADE DE OBTENÇÃO
DA PRESTAÇÃO - COMPROVAÇÃO. HONORÁRIOS PERICIAIS. MANUTENÇÃO DA
TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA. (...) II - A concessão do benefício assistencial do art.
203, V, CF sujeita-se, na espécie, à demonstração da condição de deficiência do autor, somada
à hipossuficiência própria e da família. III - Os laudos periciais atestam que a autora sofreu
extração cirúrgica da mama direita, para retirada de tumor maligno com 2 a 5 cm de diâmetro,
tendo como sequela "edema de seu membro superior direito, impossibilitando-a de trabalhar no
momento", e continua em tratamento realizando quimioterapia e hormonioterapia profilática, que
provocam efeitos colaterais como náuseas, vômitos, fogaços e queda de cabelo. Vejo que a
autora padece de grave doença, que exige árduo e constante acompanhamento médico, tendo
o Sr. Perito concluído o laudo atestando a sua incapacidade total e temporária para o trabalho,
de modo que tenho por atendido, ao menos nos tempos atuais, o primeiro dos requisitos para a
concessão do benefício. IV - Do conjunto probatório extrai-se que a autora é separada do
marido, não aufere qualquer rendimento, apenas recebe uma cesta básica do Hospital do
Câncer, morando em quarto e cozinha cedidos pela irmã, dependendo da ajuda de amigos, da
irmã e do cunhado, que percebe aposentadoria de um salário mínimo. Verifica-se, assim, que a
situação é de precariedade e miséria, estando a autora total e temporariamente incapacitada
para exercer qualquer trabalho, dependendo da assistência e colaboração da irmã e amigos,
sem condições para uma sobrevivência digna, conforme preceitua a Constituição Federal. (...)
VI -Apelação do INSS improvida. Sentença e tutela antecipada mantidas.” (Destaquei.) (AC
00013359220014036113, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j. 09/05/2005, DJU
23/06/2005)
Destarte, o quadro ajusta-se ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos da Lei.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o mencionado estudo
social.
Segundo o laudo adrede confeccionado, o autor reside com a genitora, de 48 anos, idade
correspondente à data do estudo socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"Guilherme reside com sua mãe Maria Madalena Nedrotti, em casa própria de alvenaria
composta por dois quartos, sala, cozinha, banheiro, lavanderia e abrigo na frente.
O domicilio é fechado com muro e portão de ferro. As paredes são de tijolos com acabamento
(reboco e pintura) parede da cozinha com azulejo, o piso de cimento com revestimento de
cerâmica, teto com laje. A residência está em bom estado de conservação.
No domicilio possui uma cama de casal dois criados mudos um guarda-roupa, um armário de
duas portas, uma mesinha, uma cadeira, uma cama de solteiro, armário de cozinha, refrigerador
com freezer separado, mesa com quatro cadeiras, fogão a gás, maquina de lavar roupa, rack,
televisor, sofá, mesa de plástico pequena com duas cadeiras. Os móveis e eletrodomésticos
estão em bom estado de conservação.
O domicilio é provido de água canalizada, energia elétrica, rede coletora de esgoto. O Bairro
está localizado próximo ao centro da cidade, conta com pavimentação asfáltica nas ruas."
A genitora possui veículo, Marca Volkswagen Modelo FOX ano 2012, "diz que o carro está com
dois anos de dívida de IPVA e licenciamento atrasados, diz que não está usando o carro, gasta
R$ 20,00 de combustível por mês".
O genitor do requerente paga-lhe pensão alimentícia, no valor mensal de R$ 580,00, e plano de
saúde, "mas não mantém vínculo e contato com o filho há mais de cinco anos".
Muito embora o autor conte com plano de saúde, não o utiliza. "A família utiliza o Posto de
Saúde Central e a Santa Casa quando necessita de atendimento de saúde".
O proponente não necessita de medicação contínua. Utiliza apenas descongestionante nasal
quando "tem crise respiratória".
O autor "está estudando online, durante a pandemia". A genitora "busca as lições na escola e
Guilherme faz pelo celular".
Quanto à esta, encontra-se desempregada desde fevereiro de 2019. "Recebeu cinco parcelas
de R$ 1.200,00 cada, do auxilio Emergencial, e agora está recebendo a extensão do Auxílio
Emergencial no valor de R$600,00 cada, de setembro a dezembro".
No que atine à sua situação de saúde, "faz uso contínuo do medicamento losartana 50 mg para
hipertensão arterial e sulfato de salbutamol 100 mcg para falta de ar, diz que a maioria das
vezes consegue os medicamentos no posto de saúde e raramente compra e paga
aproximadamente R$10,00".
As demais despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água (R$ 76,11) e energia
elétrica (R$ 109,35), gás (R$ 62,00), internet (R$ 75,89), alimentação, higiene e limpeza (R$
1.000,00) e combustível (R$ 20,00).
Há relato de que a genitora "está devendo três anos do IPTU da casa".
A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão dos rendimentos percebidos a título de auxílio emergencial, por força do Decreto nº
6.135/2007, que dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal,
de modo que a renda familiar per capita perfaz valor inferior à metade do salário mínimo, à
época, de R$ 1.045,00.
Inobstante, os elementos de convicção coligidos aos autos não indicam cotidiano de privações
a ponto de franquear a outorga do beneplácito buscado, atentando-se, por outro lado, que a
detença da propriedade de veículo automotor é circunstância algo incompatível com o
propalado cenário de precisão econômica e, nesse particular, demonstração alguma existe
acerca da aduzida inadimplência no pagamento de IPVA e licenciamento, assim como em
relação ao reportado débito de IPTU do imóvel em que a família reside.
E, como se sabe, dentre os escopos do benefício de prestação continuada, não está o de
suplementar renda ou propiciar maior conforto ao interessado. A propósito: AC
00394229420044039999, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, TRF3, Nona
Turma, DJU 24/11/2005.
Assim, não restou comprovada situação de hipossuficiência, ainda que por outros meios
probantes, como indicado no sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em
repercussão geral.
Não se descarte a possibilidade de alteração desse cenário, no decorrer do tempo, a ponto de,
eventualmente, justificar-se a concessão do benefício, hipótese em que resta, de todo modo,
franqueado à parte autora deduzir nova postulação quanto à outorga da benesse pleiteada.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, PARA REFORMAR A
SENTENÇA E JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO.
Independentemente do trânsito em julgado, comunique-se ao INSS para cancelamento do
benefício implantado por força da tutela antecipada concedida na sentença.
Condeno a parte autora em honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da
causa, observado o disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil, que manteve a
sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART.
496, § 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993.
REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa
oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o
implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e
a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de
atividade e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o
exame da inaptidão laboral. Precedentes.
- Reconhece-se o direito ao benefício assistencial, mesmo em casos de incapacidade
temporária, desde que preenchidos os demais requisitos para tanto. Precedentes da Nona
Turma deste e. Tribunal.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.
- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observado o disposto
no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil,que manteve a sistemática da Lei n. 1.060/50, por
ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação do INSS provida. Sentença reformada para julgar improcedente o pedido. Tutela
antecipada de mérito revogada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação do INSS, para reformar a sentença e julgar
improcedente o pedido, revogando os efeitos da tutela antecipada, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
