Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5075080-06.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MONICA APARECIDA BONAVINA CAMARGO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
17/02/2022
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 18/02/2022
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. APOSENTADORIA POR IDADE. ART. 20, § 4º, DA
LEI Nº 8.742/93. INACUMULABILIDADE. PAGAMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO.
DEVOLUÇÃO DE VALORES. TEMA REPETITIVO N. 979 DO STJ. MÁ-FÉ SUBJETIVA.
INOCORRÊNCIA. MODULAÇÃO. IRREPETIBILIDADE.
- Considerando tratar-se de sentença eminentemente declaratória, verifica-se que o valor
atribuído à causa, devidamente atualizado na data da sentença, não excede os mil salários
mínimos, sendo incabível a remessa oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I do Código de
Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.
- Nos ditames do art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93, a concessão do benefício de aposentadoria por
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
idade ao autor, em 16/04/2019, impede, a partir de então, a percepção do amparo social
postulado.
- Eventual determinação de devolução de valores recebidos indevidamente, decorrente de erro
administrativo diverso de interpretação errônea ou equivocada da lei, faz necessária a análise da
presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua percepção. Tese firmada no Tema n. 979, do c.
Superior Tribunal de Justiça.
- Modulação dos efeitos, a fim de que a tese firmada atinja os processos que tenham sido
distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do acórdão, em 23/04/2021.
- Não há prova, na espécie, de que a parte autora, titular do benefício de prestação continuada
NB 87/560.796.725-1, desde 09/05/2007, tenha concorrido para a irregularidade identificada pela
autarquia, no pagamento da benesse entre 06/02/2011 e 31/03/2016.
- A data em que o vindicante teve ciência inequívoca quanto à suspensão do benefício NB
87/560.796.725-1, quando seja, 15/04/2016, já é bastante para patentear que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido entre 06/02/2011 e 31/03/2016.
- A ausência de revisão do benefício de prestação continuada no prazo estabelecido no art. 21,
caput, da Lei n. 8.742/93, e a manutenção do seu pagamento, por quase uma década desde o
termo inicial, autoriza pressupor a continuidade das condições que lhe deram origem.
- Evidencia-se, no caso, demora operacional da Administração Previdenciária na suspensão do
pagamento do benefício assistencial ao autor, após a prolação do Acórdão TCU nº 668/2009, e
não a ocorrência de má-fé subjetiva.
- Considerada a data de ajuizamento da demanda, em 21/02/2017, e observada a modulação,
não cabe repetição.
- Verba honorária de sucumbência recursal majorada na forma do § 11 do art. 85 do Código de
Processo Civil.
- Recursos de apelação da parte autora e do INSS desprovidos.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5075080-06.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: JOSE CARLOS CERQUEIRA DOS SANTOS, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: PEDRO ADABO TESSEROLLI - SP320052-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOSE CARLOS
CERQUEIRA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: PEDRO ADABO TESSEROLLI - SP320052-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
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APELANTE: JOSE CARLOS CERQUEIRA DOS SANTOS, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
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CERQUEIRA DOS SANTOS
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de recursos de apelação interpostos pela parte autora e pelo INSS em face da r.
sentença, não submetida ao reexame necessário, que julgou parcialmente procedente o pedido
deduzido na inicial, a fim de declarar inexistente o dever de devolução, pelo autor, dos valores
recebidos a título do benefício assistencial NB 87/560.796.725-1, no período de 06/02/2011 a
31/03/2016. O decisum fixou sucumbência recíproca, condenando cada qual das partes ao
pagamento de honorários sucumbenciais, arbitrados em R$ 1.000,00, observando-se, quanto
ao proponente, os benefícios da justiça gratuita.
Sustenta, o autor, a presença dos requisitos à manutenção do benefício de prestação
continuada. Postula, ainda, que seja dado "total provimento à causa", determinado-se o
imediato restabelecimento da benesse. Requer, por fim, a majoração da verba honorária em
15%.
Por sua vez, debate, o INSS, a regularidade da revisão administrativa e a legalidade da
cobrança dos valores do benefício assistencial recebidos indevidamente pelo demandante, não
constituindo razão jurídica suficiente para afastar a devolução, a constatação de miserabilidade,
boa-fé, erro administrativo, bem como a natureza alimentar da referida verba.
Decorrido, in albis, o prazo para as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento dos recursos.
É o relatório.
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APELANTE: JOSE CARLOS CERQUEIRA DOS SANTOS, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, é importante salientar que, de acordo com o art. 496, § 3º, inciso I, do Código de
Processo Civil atual, não será aplicável o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-
mínimos.
No caso dos autos, verifico que a sentença é eminentemente declaratória, razão pela qual, para
a aplicação do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil, deve-se levar em
consideração o valor atribuído à causa, devidamente atualizado na data da decisão.
Tendo sido ajuizada a ação em 21/02/2017, conforme consulta ao sistema e-SAJ do e. Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo, o valor atribuído à causa, de R$ 21.038,00, atualizado até a
prolação da sentença (13/03/2018), não excede os mil salários-mínimos, considerado o salário
mínimo de R$ 954,00 vigente no ano de 2018.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise dos recursos em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade.
Pois bem. Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº
8.742/1993, de natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada
tem sua concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de
segurado, atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de
deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à
verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-lo suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per
capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva
redução da idade mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e,
ao depois, para 65 anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para
efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a
Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas
com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de
pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando,
assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da
República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº
8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de
terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do
idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de
denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp
nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u.,
DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.
19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar
per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do
beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles
o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos
pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria
inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo,
mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde
a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada,
quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado
Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como
dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do
RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia,
assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto
do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por
deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §
3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara
no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de
65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito
esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação
continuada percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido
por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim,
pelos idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão
do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes,
pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
O postulante titularizou o Benefício de Prestação Continuada NB 87/560.796.725-1 entre
09/05/2007 a 01/04/2016. Consoante decisão administrativa, o Instituto Nacional do Seguro
Social cessou a benesse depois de constatada a percepção de rendimentos pela esposa do
autor, advindos de trabalho remunerado, a partir de 01/11/2007, e, após, do benefício de
aposentadoria por idade, elevando a renda familiar per capita a valor superior a 1/4 do salário
mínimo. A Autarquia Previdenciária requereu a devolução do importe recebido pelo
demandante, entre 06/02/2011 e 31/03/2016, perfazendo R$ 51.128,01, para a competência
04/2016. Reporto-me aos docs. 8504217 e 8504222.
No caso, realizada a perícia médica em 20/09/2017, o laudo coligido ao doc. 8504330
considerou o autor, então, com 63 anos de idade, escolaridade: 4ª série, profissão: pedreiro,
portador de sequelas motoras e de fala estabilizadas e graves, com hemiparesia direita,
decorrente de Acidente Vascular Cerebral ocorrido em junho de 2006.
O perito atestou que o requerente é portador, desde então, de deficiência sensorial e motora,
criando obstáculos e barreiras graves para as principais atividades e incapacidade para a vida
independente.
Nesse cenário, a constatação da perícia médica autoriza concluir pela existência de
comprometimento ou restrições sociais decorrentes da enfermidade verificada, por mais de 2
(dois) anos, configurando-se, por conseguinte, quadro de deficiência necessário à concessão
do benefício de prestação continuada, nos termos estabelecidos no art. 20, § 10, da Lei nº
8.742/1993.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 8504300, produzido em 17/05/2017.
Segundo o laudo adrede confeccionado, o autor reside com a esposa, de 68 anos, idade
correspondente à data do estudo socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"A casa que o casal reside é de fundo, possui 05 cômodos sendo uma sala, uma cozinha, três
dormitórios e um banheiro, a casa da frente é o filho que mora, porém, tem dois cômodos sendo
uma cozinha, um quarto e um banheiro."
As despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água (R$ 44,00) e energia elétrica (R$
40,00), gás (R$ 60,00), telefone (R$ 78,00), alimentação (R$ 300,00) e água potável (R$ 36,00).
No que tange à elucidação da renda familiar, os registros do CNIS mostram vínculos laborais
em nome da esposa do requerente, interpolados entre 03/04/1978 e 03/04/2006.
Após, principiou novo vínculo laboral em 01/11/2007, o qual perdurou até 18/04/2013, com
salário sempre superior ao mínimo.
Em 28/05/2012, passou a receber o benefício de aposentadoria por idade. De se esclarecer que
o salário mínimo, no ano de 2017, era de R$ 937,00, ao passo que o benefício desta
correspondia a R$ 1.015,37.
Quanto ao autor, trabalhou como empregado, em sucessivos vínculos, entre 01/01/1974 e
30/11/1990. Verteu contribuições previdenciárias como segurado facultativo, entre 01/07/2006 e
31/12/2006. Titularizou o benefício de prestação continuada, como visto, no período de
09/05/2007 a 01/04/2016, mantendo o recolhimento de contribuições previdenciárias, como
segurado facultativo, entre 01/05/2011 e 30/04/2017. Aposentou-se por idade, em 16/04/2019
(NB 1892064240).
Assim, a renda familiar per capita suplantava a metade do salário mínimo desde 01/11/2007,
fato que, consorciado aos demais elementos de convicção coligidos aos autos, afasta o
propalado cenário de precisão econômica, não se justificando, portanto, a manutenção da parte
autora no elenco de beneficiários da prestação buscada.
Averbe-se, mais, que, nos ditames do art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93, a concessão do
benefício de aposentadoria por idade ao autor, em 16/04/2019, impede, a partir de então, a
percepção do amparo social postulado.
Nesse sentido, a jurisprudência desta e. Nona Turma, tirada de situação parelha:
"CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA
CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. APOSENTADORIA POR IDADE. ART. 20, § 4º, DA LEI Nº
8.742/93. INACUMULABILIDADE. - O recebimento de aposentadoria por idade pelo autor
constitui fator impeditivo à concessão do Benefício de Prestação Continuada, considerando a
vedação de cumulação com qualquer outro benefício pecuniário no âmbito da Seguridade
Social ou de outro regime previdenciário, na forma do que dispõe o art. 20, §4º, da Lei nº
8.742/93. - Honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observado o
disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil,que manteve a sistemática da Lei n.
1.060/50, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita. - Apelação do INSS provida. -
Sentença reformada para julgar improcedente o pedido." (ApCiv 0008966-73.2018.4.03.9999 ..
TRF3 - 9ª Turma, Relator Desembargador Federal Joao Batista Gonçalves, Intimação via
sistema DATA: 26/08/2020)
Nesse cenário, é indevida a manutenção da benesse postulada pelo proponente.
Por outra parte, visa, o INSS, a cobrança dos valores recebidos pelo autor, a título de Benefício
de Prestação Continuada ao Deficiente, no período de 06/02/2011 e 31/03/2016.
Ainda que haja previsão expressa, no artigo 115 da Lei n. 8.213/91, de autorização ao INSS
para descontar dos benefícios os valores outrora pagos indevidamente, o C. Superior Tribunal
de Justiça, ao analisar o Tema 979, cuja questão levada a julgamento foi a “Devolução ou não
de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação
errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte
tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido." (STJ, REsp 1.381.734/RN, Rel. Ministro Benedito
Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/3/2021, DJe 23/4/2021)
Nesse julgamento também foi determinada a modulação dos efeitos, a fim de que a tese
firmada atingisse “os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da
publicação deste acórdão", ocorrida em 23/04/2021.
Assim, depreende-se da tese fixada que, para a eventual determinação de devolução de
valores recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação
errônea ou equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé
objetiva em sua percepção.
E, nestes termos, não há prova, na espécie, de que a parte autora, titular do benefício de
prestação continuada NB 87/560.796.725-1, desde 09/05/2007, tenha concorrido para a
irregularidade identificada pela autarquia, no pagamento da benesse entre 06/02/2011 e
31/03/2016.
Deveras, haure-se, dos processos administrativos acostados aos autos (docs. 8504186,
8504193, 8504197, 8504202, 8504208, 8504212, 8504217, 8504222 e 8504227), que o próprio
INSS validou a regularidade da concessão, ao autor, do benefício de prestação continuada NB
87/560.796.725-1 (doc. 8504217, pág. 2), o que vem corroborado pelos dados do CNIS supra
referidos, mostrando que, justamente, em 09/05/2007, data de início do benefício, não havia
qualquer renda percebida pelo casal, passível de consideração jurídica.
O Acórdão n. 668/2009, aprovado pelo Plenário do c. Tribunal de Contas da União, em sessão
realizada em 08/04/2009, incluído na Ata nº 13, de 08/04/2009, publicada em 09/04/2009
(disponível em: Pesquisa textual | Tribunal de Contas da União (tcu.gov.br ), incluiu o benefício
do autor na apuração de indícios de inelegibilidade para manutenção do direito ao respectivo
recebimento (doc. 8504202, pág. 10).
Contudo, apenas em 20/10/2014 - vale dizer, mais de cinco anos depois - fora expedido o Ofício
INSS nº 356/2014-MOB para convocação do autor, em atendimento ao aludido acórdão (doc.
8504193, pág. 1).
Incontinenti, o demandante apresentou a documentação requerida pelo INSS, bem assim a
Declaração da Composição do Grupo e Renda Familiar, informando que a esposa obtinha
renda mensal assalariada no importe de R$ 814,00 (doc. 8504193, págs. 4/5). Averbe-se que,
de qualquer sorte, tais informações já constavam do banco de dados do INSS, posto que todo o
histórico laboral dessa está registrado no sistema CNIS.
Sucedeu, então, reavaliação médica e social, com emissão de parecer técnico, em 21/08/2015,
sugerindo a suspensão do beneplácito, visto que, "após revisão do benefício, conforme critérios
dispostos na Resolução nº 348/PRES/INSS de 08/10/2013, não foi confirmada a manutenção
das condições que deram origem ao amparo social" (doc. 8504217, págs. 2/3).
Em 17/02/2016, houve notificação do autor em relação ao indício de irregularidade identificado
pelo INSS, franqueando-se o prazo de 10 (dez) dias para apresentação de defesa, e, somente
em 15/04/2016, o mesmo fora cientificado quanto à suspensão do benefício e cobrança dos
valores recebidos indevidamente (docs. 8504217, págs. 5/6, e 8504222, págs. 1/2)
Ora, a data em que o vindicante teve ciência inequívoca quanto à suspensão do benefício NB
87/560.796.725-1, quando seja, 15/04/2016, já é bastante para patentear que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido entre 06/02/2011 e 31/03/2016.
Ademais, a ausência de revisão do benefício de prestação continuada, no prazo estabelecido
no art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, e a manutenção do seu pagamento, por quase uma
década desde o termo inicial, autoriza pressupor a continuidade das condições que lhe deram
origem.
Evidencia-se, assim, demora operacional da Administração Previdenciária na suspensão do
pagamento do benefício assistencial ao autor, após a prolação do Acórdão TCU nº 668/2009, e
não a ocorrência de má-fé subjetiva.
Refrise-se, por fim, que o ajuizamento da presente demanda deu-se em 21/02/2017.
Nesse cenário, considerada a modulação, não cabe repetição.
No que diz respeito aos honorários advocatícios, diante da sucumbência recursal e da regra
prevista no § 11 do art. 85 do Código de Processo Civil, a verba honorária fixada na sentença
deve ser acrescida de 2%, observado o disposto no art. 98, § 3º, da mesma lei processual, em
relação à parte autora, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AOS RECURSOS DE APELAÇÃO. Majoro a verba
honorária de sucumbência recursal, na forma delineada.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART.
496, § 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993.
REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. APOSENTADORIA POR IDADE.
ART. 20, § 4º, DA LEI Nº 8.742/93. INACUMULABILIDADE. PAGAMENTO INDEVIDO. ERRO
ADMINISTRATIVO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. TEMA REPETITIVO N. 979 DO STJ. MÁ-FÉ
SUBJETIVA. INOCORRÊNCIA. MODULAÇÃO. IRREPETIBILIDADE.
- Considerando tratar-se de sentença eminentemente declaratória, verifica-se que o valor
atribuído à causa, devidamente atualizado na data da sentença, não excede os mil salários
mínimos, sendo incabível a remessa oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I do Código de
Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o
implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e
a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-la suprida pela família.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.
- Nos ditames do art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93, a concessão do benefício de aposentadoria
por idade ao autor, em 16/04/2019, impede, a partir de então, a percepção do amparo social
postulado.
- Eventual determinação de devolução de valores recebidos indevidamente, decorrente de erro
administrativo diverso de interpretação errônea ou equivocada da lei, faz necessária a análise
da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua percepção. Tese firmada no Tema n. 979, do c.
Superior Tribunal de Justiça.
- Modulação dos efeitos, a fim de que a tese firmada atinja os processos que tenham sido
distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do acórdão, em 23/04/2021.
- Não há prova, na espécie, de que a parte autora, titular do benefício de prestação continuada
NB 87/560.796.725-1, desde 09/05/2007, tenha concorrido para a irregularidade identificada
pela autarquia, no pagamento da benesse entre 06/02/2011 e 31/03/2016.
- A data em que o vindicante teve ciência inequívoca quanto à suspensão do benefício NB
87/560.796.725-1, quando seja, 15/04/2016, já é bastante para patentear que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido entre 06/02/2011 e 31/03/2016.
- A ausência de revisão do benefício de prestação continuada no prazo estabelecido no art. 21,
caput, da Lei n. 8.742/93, e a manutenção do seu pagamento, por quase uma década desde o
termo inicial, autoriza pressupor a continuidade das condições que lhe deram origem.
- Evidencia-se, no caso, demora operacional da Administração Previdenciária na suspensão do
pagamento do benefício assistencial ao autor, após a prolação do Acórdão TCU nº 668/2009, e
não a ocorrência de má-fé subjetiva.
- Considerada a data de ajuizamento da demanda, em 21/02/2017, e observada a modulação,
não cabe repetição.
- Verba honorária de sucumbência recursal majorada na forma do § 11 do art. 85 do Código de
Processo Civil.
- Recursos de apelação da parte autora e do INSS desprovidos. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento aos recursos de apelação da parte autora e do INSS,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
