Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6078727-55.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
09/11/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 12/11/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Incontroversa a deficiência e constatada, pelo laudo pericial, a hipossuficiência econômica, é
devido o Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento
administrativo. Precedentes.
- Dedução, do período abrangido pela condenação, dos meses em que, comprovadamente,
houve o recebimento, seja pela menor, seja por sua genitora, do benefício de auxílio-reclusão,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
assegurando renda familiar per capita superior à metade do salário mínimo.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Recurso adesivo da parte autora provido.
- Parecer do Órgão Ministerial acolhido.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6078727-55.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: N. A. D. S.
REPRESENTANTE: MARINA DE OLIVEIRA ANDRE
Advogado do(a) APELADO: VALTER LUIS BRANDAO BONETI - SP274227-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6078727-55.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: N. A. D. S.
REPRESENTANTE: MARINA DE OLIVEIRA ANDRE
Advogado do(a) APELADO: VALTER LUIS BRANDAO BONETI - SP274227-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação do INSS e de recurso adesivo autoral, interpostos em face da r.
sentença, não submetida ao reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na
inicial, condenando a Autarquia Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício assistencial
a pessoa deficiente, a partir da citação, em 03/05/2017, acrescido de correção monetária pelo
INPC, juros de mora à ordem de 1% ao mês e verba honorária arbitrada em 10% das parcelas
vencidas até a publicação da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do c. Superior Tribunal de
Justiça.
Postula, o INSS, preambularmente, a recepção do apelo no duplo efeito. No mérito, pretende que
seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a ausência de comprovação de
miserabilidade. Reiterando os termos da contestação, afirma que o "indeferimento administrativo
do requerimento formulado em 20/07/2016 se deu pelo fato de a autora estar no gozo de auxílio-
reclusão entre 09/05/2013 e 01/01/2017, chegando a auferir com o benefício renda mensal de R$
2.092,93", conforme registros do CNIS acostados aos docs. 98024942, pág. 5, 98024943 e
98024944. Insurge-se, outrossim, quanto ao termo inicial do benefício, correção monetária, juros
de mora e honorários advocatícios. Suscita, por fim, o prequestionamento legal para efeito de
interposição de recursos.
Por sua vez, visa, a promovente, a retroação da DIB à data de entrada do requerimento
administrativo. Aduz que "nunca recebeu auxílio-reclusão".
Com as contrarrazões da promovente, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo não conhecimento da remessa oficial,
pelo desprovimento da apelação do INSS e provimento do recurso adesivo da parte autora, para
estabelecer a DIB na data de entrada do requerimento administrativo, excluindo-se, contudo, os
meses nos quais esta, comprovadamente, tenha recebido o benefício de auxílio-reclusão.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6078727-55.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: N. A. D. S.
REPRESENTANTE: MARINA DE OLIVEIRA ANDRE
Advogado do(a) APELADO: VALTER LUIS BRANDAO BONETI - SP274227-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I do Código de Processo Civil atual, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, dispõe que a sentença não será submetida ao reexame necessário quando a
condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000
(mil) salários mínimos, em desfavor da União ou das respectivas autarquias e fundações de
direito público.
No caso dos autos, considero as datas do termo inicial do benefício e da prolação da sentença,
em 08/03/2019 (doc. 98025001). Atenho-me ao valor da benesse, de um salário mínimo. Verifico
que a hipótese em exame não excede os mil salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do
Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência
social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral, na
esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de que padece o
demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o acompanha, impõem-lhe
significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr, participar de brincadeiras,
acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário perquirir quanto à existência ou
não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º, doDecretonº 6.214/2007. (...) V - Embargos
Infringentes do INSS a que se nega provimento.” (EI 994950, Relator Desembargador Federal
Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3 14/09/2011)
Ainda, o posicionamento da Nona Turma deste E. Tribunal no mesmo sentido, nos seguintes
julgados: AC 0008758-60.2016.4.03.9999, D.E. 24/11/2016; AC 0002545-37.2013.4.03.6121,
D.E. 04/11/2016; AC 0007387-51.2012.4.03.6103, D.E. 24/11/2016.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
Na espécie, o requisito da deficiência restou incontroverso no átrio judicial.
Apenas, por elucidativo, o laudo médico colacionado ao doc. 98024979, realizado em 10/04/2018,
considerou a autora, então, com cinco anos de idade, portadora de autismo, com deformidade
cerebral, estando total e permanentemente incapaz.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 98024977, produzido em 13/04/2018.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a autora reside no município de São Joaquim da
Barra/SP, com a genitora, Marina de Oliveira André, de 34 anos, idade correspondente à data do
estudo socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"A família reside em imóvel alugado da irmã de Marina há cerca de 01 ano. De acordo com ela,
trata-se de um valor simbólico. Inclusive os móveis também pertencem a mesma pessoa. Os
referidos móveis são poucos e contam com muitos danos devido ao tempo de uso. Quando a
mãe da requerente trabalhava, moravam em casa alugada com todos os recursos próprios. Ao
ficar desempregada necessitou contar com a ajuda de familiares e amigos. O imóvel é composto
por 02 quartos, 01 sala, 01 cozinha e 01 banheiro. A residência localiza-se distante do centro da
cidade, com ruas pavimentadas, rede elétrica, de água, esgoto e coleta de lixo."
As despesas, à época do laudo, consistiam em aluguel (R$ 150,00), tarifas de água (R$ 23,40) e
energia elétrica (R$ 35,00).
Recebem "ajuda de amigos e vizinhos para a alimentação e também do Setor Municipal de
Assistência Social".
A requerente frequenta a APAE.
Os ganhos da família advém dos trabalhos eventuais da genitora, em casa, como manicure.
Obtém em torno de R$ 200,00 mensais.
A genitora narrou, a esse respeito, "que o pai de Natacha não a está auxiliando nas despesas da
criança. A mãe conta que não consegue resolver o caso, nem mesmo através do Poder
Judiciário, pois não sabe a localização exata do genitor.
Considerado, assim, o núcleo de duas pessoas, a renda familiar per capita totaliza valor inferior à
metade do salário mínimo, à época, de R$ 954,00.
Dessa forma, divisa-secaracterizada conjuntura de miserabilidade.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, a família encontra-se em situação de vulnerabilidade social, justificando-se a
concessão do benefício assistencial requerido:
"Conclusão
Diante das informações e das variáveis sociais expostas, tais como saúde, habitação, relações
familiares, idade e renda, foi-nos permitido verificar as condições socioeconômicas em que a
família se encontra.
Entendemos que Natasha necessita de acompanhamento constante, inclusive para atividades
tidas como simples para uma criança de sua idade. Para que isso ocorra se faz necessário que a
família receba maior auxílio do Poder Público para proporcionar o necessário para
desenvolvimento. No atual momento a família sobrevive com auxílio de terceiros, o que não
conseguimos expressar em um valor financeiro por não ser constante e ser variável. O que
prejudica a qualidade de vida da mesma.
Trata-se de uma família que, no momento, passa por grandes dificuldades financeiras e sociais,
onde a baixa renda juntamente com as situações apresentadas prejudicam o desenvolvimento e
promoção de autonomia, empoderamento, bem como a garantia de cidadania e de acessos
plenos a criança.
Diante disso, a partir do que nos compete avaliar, mediante a escuta e documentos apresentados
pela família é que consideramos a família em situação de vulnerabilidade social."
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante
da benesse.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser fixado a partir da data de entrada do requerimento administrativo. Nesse
sentido: APELREEX 00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal
Marisa Santos, j. 30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona
Turma, Relator Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.
Averbe-se que o laudo pericial apenas retratou situação ensejadora da outorga da benesse,
preexistente à sua confecção.
Por outra parte, haure-se, dos extratos do CNIS acostados aos docs. 98024942, pág. 5,
98024943 e 98024944, o registro, em nome da genitora da vindicante, do benefício de auxílio-
reclusão NB 176.010.414-5, com DIB em 09/05/2013, DIP em 01/07/2016 e data de cessação em
01/01/2017. A renda mensal inicial do beneplácito perfazia o valor de R$ 1.721,76, alcançando R$
2.092,93, após reajuste. Consta, mais, que sua percepção decorre de ação judicial.
Sabe-se que, nos ditames do art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93, o benefício assistencial não pode
ser acumulado, pelo beneficiário, com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro
regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
Desimporta, contudo, problematizar a questão concernente à beneficiária do aludido benefício,
debatida em sede recursal, visto que, tão-somente o aporte do quantum dele advindo, no âmbito
da unidade familiar, eleva a renda per capita a valor superior à metade do salário mínimo,
patamar que, segundo a jurisprudência, assegura o mínimo à sobrevivência.
Assim, deverão ser deduzidos, do período abrangido pela condenação, os meses em que,
comprovadamente, houve o recebimento, seja pela menor, seja por sua genitora, do benefício de
auxílio-reclusão.
Nesse sentido, a jurisprudência deste E. Tribunal, tirada de situações parelhas:
“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART.
496, § 3º, I, NCPC. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA
CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. TERMO INICIAL. - A hipótese em exame não excede os 1.000
salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do
NCPC. - Presentes os requisitos legais, é devido o benefício de prestação continuada, a partir da
data de entrada do requerimento administrativo. Precedentes. - Dedução, do período abrangido
pela condenação, do interregno de julho/2014 a agosto/2015, em que o padrasto do autor esteve
empregado, assegurando renda familiar per capita superior à metade do salário mínimo. -
Remessa oficial não conhecida. - Apelo do INSS desprovido. - Parecer do Órgão Ministerial
acolhido em parte.” (ApelRemNec 0019414-08.2018.4.03.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL
ANA PEZARINI, TRF3 - NONA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/02/2019.)
"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 203, V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E LEI Nº 8.742/93. PESSOA DEFICIENTE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA.
BENEFÍCIO DEVIDO. 1. Preenchido o requisito da deficiência, bem como comprovada a
ausência de meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, é devida a
concessão do benefício assistencial de que tratam o art. 203, inciso V, da Constituição Federal e
a Lei nº 8.742/93. 2. Termo inicial fixado na data do requerimento administrativo, descontado o
período em que filho da apelante esteve empregado, uma vez que somente nos demais períodos
restou demonstrada a implementação dos requisitos legais. 3. Os juros de mora e a correção
monetária deverão observar o disposto na Lei nº 11.960/09 (STF, Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário 870.947, 16/04/2015, Rel. Min. Luiz Fux). 4. Honorários advocatícios arbitrados em
15% (quinze por cento) sobre o valor das prestações vencidas entre o termo inicial do benefício e
a data do acórdão, conforme entendimento sufragado pela 10ª Turma desta Corte Regional. 5.
Sem custas ou despesas processuais, por ser a autora beneficiária da assistência judiciária
gratuita. 6. Apelação da parte autora parcialmente provida."
(AC 00049172320174039999, Décima Turma, Relatora Desembargadora Federal Lúcia Ursaia, e-
DJF3 Judicial 1 DATA:29/06/2017)
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Conquanto imperiosa a mantença da condenação da autarquia em honorários advocatícios, esta
deve ser fixada em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, nos termos do inciso II
do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil, observando-se o disposto nos §§ 3º, 5º e 11
desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão
concessiva do benefício, nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Por fim, tendo em vista o teor da presente decisão, resta prejudicado o pleito de efeito suspensivo
formulado pelo INSS em suas razões recursais.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para fixar os juros de
mora e a correção monetária, bem assim a verba honorária, conforme delineado, PROVEJO O
RECURSO ADESIVO AUTORAL, para estabelecer o termo inicial do benefício, na data de
entrada do requerimento administrativo, E ACOLHO A MANIFESTAÇÃO DO ÓRGÃO
MINISTERIAL, para determinar a dedução, do período abrangido pela condenação, dos meses
em que, comprovadamente, houve o recebimento, seja pela menor, seja por sua genitora, do
benefício de auxílio-reclusão, nos termos da fundamentação supra.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Incontroversa a deficiência e constatada, pelo laudo pericial, a hipossuficiência econômica, é
devido o Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento
administrativo. Precedentes.
- Dedução, do período abrangido pela condenação, dos meses em que, comprovadamente,
houve o recebimento, seja pela menor, seja por sua genitora, do benefício de auxílio-reclusão,
assegurando renda familiar per capita superior à metade do salário mínimo.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Recurso adesivo da parte autora provido.
- Parecer do Órgão Ministerial acolhido. ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são
partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à
apelação do INSS, prover o recurso adesivo autoral e acolher a manifestação do Órgão
Ministerial, para determinar a dedução, do período abrangido pela condenação, dos meses em
que, comprovadamente, houve o recebimento, seja pela menor, seja por sua genitora, do
benefício de auxílio-reclusão, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
