Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5278326-55.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
15/04/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/04/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada a partir de 13/11/2018, data do atendimento presencial na via
administrativa, por adstrição ao pedido formulado na peça exordial e em observância ao princípio
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
da nonreformatioin pejus.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5278326-55.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: M. L. D. S.
REPRESENTANTE: MARIA BIBIANE DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: EMANUELLE PARIZATTI LEITAO FIGARO - SP264458-N
Advogado do(a) REPRESENTANTE: EMANUELLE PARIZATTI LEITAO FIGARO - SP264458-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5278326-55.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: M. L. D. S.
REPRESENTANTE: MARIA BIBIANE DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: EMANUELLE PARIZATTI LEITAO FIGARO - SP264458-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, não submetida ao
reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a Autarquia
Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício assistencial a pessoa deficiente, desde
13/11/2018, antecipados os efeitos da tutela de mérito. O decisum condenou, ainda, o ente
autárquico, ao pagamento dos atrasados, acrescidos de correção monetária pelo IPCA-E, juros
de mora à taxa de 0,5% ao mês e verba honorária arbitrada em 15% do valor da condenação,
incidente sobre as parcelas vencidas até a sentença, nos termos da Súmula nº 111 do c. Superior
Tribunal de Justiça.
Postula, o INSS, preambularmente, a recepção do apelo no duplo efeito. No mérito, pretende que
seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a ausência dos requisitos à outorga da
benesse. Insurge-se, outrossim, quanto ao termo inicial do benefício, correção monetária, juros de
mora e honorários advocatícios. Requer, ainda, seja decretada a prescrição quinquenal parcelar.
Suscita, por fim, o prequestionamento legal para efeito de interposição de recursos.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5278326-55.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: M. L. D. S.
REPRESENTANTE: MARIA BIBIANE DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: EMANUELLE PARIZATTI LEITAO FIGARO - SP264458-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I do Código de Processo Civil atual, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, dispõe que a sentença não será submetida ao reexame necessário quando a
condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000
(mil) salários mínimos, em desfavor da União ou das respectivas autarquias e fundações de
direito público.
No caso dos autos, considero as datas do termo inicial do benefício e da prolação da sentença,
em 25/05/2020 (doc. 135831294). Atenho-me ao valor da benesse, de um salário mínimo. Verifico
que a hipótese em exame não excede os mil salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do
Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência
social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral, na
esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de que padece o
demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o acompanha, impõem-lhe
significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr, participar de brincadeiras,
acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário perquirir quanto à existência ou
não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º, doDecretonº 6.214/2007. (...) V - Embargos
Infringentes do INSS a que se nega provimento.” (EI 994950, Relator Desembargador Federal
Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3 14/09/2011)
Ainda, o posicionamento da Nona Turma deste E. Tribunal no mesmo sentido, nos seguintes
julgados: AC 0008758-60.2016.4.03.9999, D.E. 24/11/2016; AC 0002545-37.2013.4.03.6121,
D.E. 04/11/2016; AC 0007387-51.2012.4.03.6103, D.E. 24/11/2016.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 135831275, realizado em 25/10/2019,
considerou a autora, então, com dois anos de idade, portadora de paralisia cerebral decorrente de
encefalite por citomegalovírus.
Atualmente, apresenta atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, não anda e não fala.
O perito consignou a impossibilidade de definir, com exatidão, a data de início da patologia.
Segundo informado pela genitora, os sinais e sintomas da encefalite surgiram aos seis meses de
idade da demandante.
A autora está realizando tratamento médico e seguimento com equipe multiprofissional,
adequados, os quais, no entanto, apenas poderão minimizar os sinais e sintomas da sequela, de
caráter irreversível.
Sugeriu, por fim, nova perícia quando a postulante atingir a maioridade.
A constatação da perícia médica autoriza concluir, portanto, pela existência de comprometimento
e restrições sociais para as atividades próprias da idade da parte autora, pelo interregno referido
pela lei, de modo que o quadro apresentado ajusta-se ao conceito de pessoa com deficiência, nos
termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, c/c o art. 4º, inciso II e § 1º, do Decreto nº 6.214/2007.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 135831274, produzido em 23/09/2019.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a autora reside no município de Birigui/SP, com os
genitores, o pai, com 38 anos, e a mãe, com 29, e dois irmãos, de dez e cinco anos, idades
correspondentes à data do estudo socioeconômico.
Moram em casa financiada pelo programa Minha Casa Minha Vida, edificada em alvenaria,
composta por dois quartos, sala, cozinha e banheiro.
O imóvel localiza-se em bairro dotado de infraestrutura urbana, com acesso a redes de água,
esgoto e energia elétrica, pavimentação asfáltica, transporte público, a hospital municipal e
Unidade Básica de Saúde – UBS.
Apresenta bom estado de conservação e higiene e está provido com móveis e eletrodomésticos
suficientes para atender aos moradores.
A família possui automóvel, um Volkswagen Gol, ano 2001.
As despesas, à época do laudo, consistiam em parcelas de financiamento do imóvel (R$ 56,00),
tarifas de água (R$ 65,00) e energia elétrica (R$ 100,00), gás (R$ 65,00, sendo que, a cada
quatro meses, a Assistência Social fornece um botijão), crédito para celular (R$ 12,00),
alimentação (R$ 500,00), produtos de higiene e limpeza (R$ 50,00), roupas e calçados (R$
100,00), combustível (R$ 100,00) e medicamentos (R$ 150,00), não fornecidos pela rede pública
de saúde.
Consta, do cumprimento de exigência na via administrativa, colacionada ao doc. 135831266,
págs. 31/32, dispêndio com fraldas descartáveis para a autora, visto que a Prefeitura Municipal
fornece, apenas, parte da quantidade por ela mensalmente utilizada.
Os ganhos da família advém dos "bicos de pedreiro" realizados pelo genitor. Obtém, em média,
R$ 1.000,00 mensais. Consoante dados do CNIS, o mesmo trabalhou, formalmente, entre
19/03/2020 a 09/07/2020, recebendo, nesse interregno, salário médio de R$ 1.510,79.
A genitora produz enfeites para calçados, de modo artesanal, auferindo, mensalmente, cerca de
R$ 200,00. Contudo, "tem apresentado dificuldade na realização dos mesmos, e terá que deixar
de fazer, pois não está conseguindo entregar no prazo estipulado", face aos cuidados
ininterruptos requeridos pela autora.
Além disso, a família recebe a transferência de R$ 135,00 pelo Programa Bolsa Família.
A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão dos rendimentos percebidos do aludido programa social, por força do Decreto nº
6.135/2007, que dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, c/c
o item 16.7 da OI INSS/DIRBEN nº 81/2003.
Assim, mesmo nos meses em que o genitor da requerente trabalhou registrado, a renda familiar
per capita não suplantou a metade do salário mínimo. De se esclarecer que, no ano de 2019, o
salário mínimo era de R$ 998,00, e, em 2020, de R$ 1.039,00.
Dessa forma, e ainda que a família detenha a propriedade de veículo automotor, trata-se, na
situação excepcional aqui versada, de um típico caso no qual o bem-estar e o desenvolvimento
da autora dependem diretamente de tratamentos médico e multidisciplinar, além de medicação e
alimentação diferenciada. Assim, a concessão do benefício será um importante instrumento para
a promoção da sua inclusão, pois auxiliará em seu desenvolvimento.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante
da benesse.
De acordo com a jurisprudência, inclusive assentada pelo C. Superior Tribunal de Justiça, em
sede de repercussão geral (Recurso Especial nº 1.369.165/SP), os benefícios por incapacidade
devem ser concedidos, em regra, a partir do requerimento administrativo e, na sua ausência, da
citação. Muito embora se anteveja, dos autos, que houve postulação da benesse, na via
administrativa, em 31/07/2018, o termo inicial há de ser mantido, no caso, em 13/11/2018, data do
atendimento presencial naquela senda, por adstrição ao pedido formulado na peça exordial e em
observância ao princípio da nonreformatioin pejus. Vide docs. 135831259, pág. 12, 135831266 ,
pág. 2, e 135831283.
Averbe-se que o laudo pericial apenas retratou situação ensejadora da outorga da benesse,
preexistente à sua confecção.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Cumpre, no mais, assentar que, consideradas as datas de entrada do requerimento
administrativo, em 31/07/2018, e do ajuizamento da demanda, em 20/08/2019, conforme consulta
ao sistema e-SAJ do c. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, não há, in casu, prescrição a
ser contabilizada.
Conquanto imperiosa a mantença da condenação da autarquia em honorários advocatícios, esta
deve ser fixada em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, nos termos do inciso II
do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil, observando-se o disposto nos §§ 3º, 5º e 11
desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão
concessiva do benefício, nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Por fim, tendo em vista o teor da presente decisão, resta prejudicado o pleito de efeito suspensivo
formulado pelo INSS em suas razões recursais.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para fixar os juros de
mora e a correção monetária, bem assim a verba honorária, nos termos da fundamentação supra.
É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: O eminente relator, Desembargador
Federal Batista Gonçalves, em seu fundamentado voto, deu parcial provimento à apelação do
INSS, para fixar os juros de mora, a correção monetária e a verba honorária advocatícia.
Ouso, porém, apresentar divergência, pelas seguintes razões.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, regulamentado, atualmente,
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
Com a devida vênia, entendo não estar patenteada a miserabilidade para fins assistenciais.
Segundo o relatório socioeconômico (Id 135831274): a parte autora reside com os genitores e
dois irmãos, também menores em imóvel financiada pelo programa Minha Casa Minha Vida,
edificada em alvenaria, composta por dois quartos, sala, cozinha e banheiro.
(i)quanto a moradia: A residência é guarnecida com móveis e eletrodomésticos suficientes para
atender aos moradores, além de 01 celular e um automóvel, um Volkswagen Gol, ano 2001
(ii)Quanto à renda: A fonte de renda do grupo familiar provém de "bicos de pedreiro" realizados
pelo genitor, obtendo em média, R$ 1.000,00 mensais. Consoante dados do CNIS, o mesmo
trabalhou, formalmente, entre 19/03/2020 a 09/07/2020, recebendo, nesse interregno, salário
médio de R$ 1.510,79
A genitora produz enfeites para calçados, de modo artesanal, auferindo, mensalmente, cerca de
R$ 200,00
(iii)quanto aos gastos (mensais): informa o relatório social: parcelas de financiamento do imóvel
(R$ 56,00), tarifas de água (R$ 65,00) e energia elétrica (R$ 100,00), gás (R$ 65,00), sendo que,
a cada quatro meses, a Assistência Social fornece um botijão), crédito para celular (R$ 12,00),
alimentação (R$ 500,00), produtos de higiene e limpeza (R$ 50,00), roupas e calçados (R$
100,00), combustível (R$ 100,00) e medicamentos (R$ 150,00), não fornecidos pela rede pública
de saúde.
Nessas circunstâncias, embora evidentemente a parte autora seja pobre, certo é que não se
encontra em situação de miserabilidade, uma vez que possui condições razoáveis de moradia e
de sobrevivência, até porque a família possui:automóvel e 01 celular. Evidencia-se, nesse
contexto, situação incompatível à miserabilidade.
Ressalte-se que o já mencionado artigo 203, V, da Constituição Federal é claro ao estabelecer
que, para fins de concessão desse benefício, a responsabilidade do Estado é subsidiária.
Vale dizer: o benefício somente deve ser concedido àqueles que comprovem não possuir meios
de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Não se destina à
complementação de renda familiar.
Nesse sentido, reporto-me ao seguinte julgado (g. n.):
“CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ART. 203, INCISO V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. IMPROCEDÊNCIA
MANTIDA.
I - O Supremo Tribunal Federal, no RE n. 567.985, reconheceu a inconstitucionalidade parcial,
sem pronúncia de nulidade, do art.20, §3º, da Lei nº 8.742/93, e do art. 34, par. único, da Lei nº
10.741/2003.
II - a autora contava com 68 (sessenta e oito) anos, na data do requerimento administrativo, tendo
por isso a condição de idosa.
III - Os elementos de prova existentes nos autos apontam em sentido contrário à alegada
miserabilidade da autora.
V - Na época do estudo social, as despesas giravam em torno de R$ 1.300,00, consistindo em
alimentação, água, energia elétrica, farmácia e gás; ou seja, as despesas eram inferiores às
receitas.
VI - A autora não vive em situação de risco social ou vulnerabilidade social, não podendo o
benefício assistencial ser utilizado para fins de complementação de renda.
VII - O benefício assistencial não tem por fim a complementação da renda familiar ou
proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas sim, destina-se ao idoso ou deficiente em estado
de penúria, que comprove os requisitos legais, sob pena de ser concedido indiscriminadamente
em prejuízo daqueles que realmente necessitam, na forma da lei.
VIII - Apelação improvida.”
(TRF 3ª Região - AC n. 5562391-33.2019.4.03.9999 - 9ª Turma - Rel. Des. Fed. Marisa Santos -
05/11/2019, e-DJF3 Judicial 1, Data: 07/11/2019)
Assim, embora o pretendido benefício pudesse melhorar o padrão de vida do postulante e de sua
família, o sistema de assistência social foi concebido para auxiliar pessoas em situação de
penúria (incapazes de sobrevivência sem a ação do Estado), e não para incremento de padrão de
vida.
Diante do exposto, dou provimento à apelação do INSS, para julgar improcedente o pedido.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados
em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC,
ficando, porém, suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma legal,
por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
DALDICE SANTANA
Desembargadora Federal
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada a partir de 13/11/2018, data do atendimento presencial na via
administrativa, por adstrição ao pedido formulado na peça exordial e em observância ao princípio
da nonreformatioin pejus.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Apelação do INSS parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por maioria,
decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Relator, que foi
acompanhado pelo Desembargador Federal Gilberto Jordan e pela Juíza Federal Convocada
Leila Paiva (4º voto). Vencida a Desembargadora Federal Daldice Santana, que dava provimento
à apelação do INSS. Julgamento nos termos do disposto no art. 942, caput e § 1º, do CPC, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
