Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
6075505-79.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
15/05/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 19/05/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Incontroversa a deficiência e constatada, pelo laudo pericial, a hipossuficiência econômica, é
devido o Benefício de Prestação Continuada entre a data de entrada do requerimento
administrativo, em 02/02/2017, e 30/09/2020, quando a renda familiar per capita passou a
suplantar a metade do salário mínimo, patamar que, segundo a jurisprudência, assegura o
mínimo à sobrevivência da parte autora.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das
custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Remessa oficial não conhecida.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Tutela antecipada de mérito revogada.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº6075505-79.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSEFINA DIAS TEIXEIRA
Advogado do(a) APELADO: CAROLINA MIZUMUKAI - SP264422-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº6075505-79.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSEFINA DIAS TEIXEIRA
Advogado do(a) APELADO: CAROLINA MIZUMUKAI - SP264422-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, submetida ao
reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a
Autarquia Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício de prestação continuada,
desde a data de entrada do requerimento administrativo, em 02/02/2017, antecipados os efeitos
da tutela de mérito. O decisum condenou, ainda, o ente autárquico, ao pagamento dos
atrasados, acrescidos de correção monetária e juros de mora nos termos do que decidido nos
temas 905 do STJ e 810 do STF, despesas processuais e verba honorária arbitrada em 15% do
valor da condenação, observando-se a Súmula nº 111 do c. Superior Tribunal de Justiça.
Postula, o INSS, preambularmente, a recepção do apelo no duplo efeito. No mérito, pretende
que seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a ausência de comprovação de
miserabilidade. Insurge-se, outrossim, quanto ao termo inicial do benefício, atualização
monetária e custas processuais. Requer, ainda, seja decretada a prescrição quinquenal
parcelar. Suscita, por fim, o prequestionamento legal para efeito de interposição de recursos.
Com as contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº6075505-79.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSEFINA DIAS TEIXEIRA
Advogado do(a) APELADO: CAROLINA MIZUMUKAI - SP264422-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, afigura-se incorreta a submissão da r. sentença à remessa oficial.
É importante salientar que, de acordo com o art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil
atual, não será aplicável o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito
econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos.
Na hipótese dos autos, embora a sentença seja ilíquida, resta evidente que a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, enquadrando-se
perfeitamente à norma insculpida no parágrafo 3º, I, art. 496, da atual lei processual.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a
¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade
mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65
anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para
efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a
Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas
com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de
pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando,
assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da
República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº
8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de
terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do
idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de
denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp
nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u.,
DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.
19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar
per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do
beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles
o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos
pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria
inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo,
mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde
a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada,
quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado
Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como
dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do
RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia,
assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto
do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por
deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §
3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara
no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de
65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito
esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação
continuada percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido
por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim,
pelos idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão
do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes,
pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
Na espécie, o requisito da deficiência restou incontroverso no átrio judicial.
Apenas, por elucidativo, o laudo médico colacionado ao doc. 97780999, considerou a autora,
então, com 54 anos de idade, sem alfabetização, empregada doméstica, desempregada desde
17/08/2004, portadora de obesidade mórbida e comorbidades associadas, tais como
dislipidemia, diabetes e hipertensão severa, que a incapacitam ao desempenho de atividades
laborais, de forma total, com impedimentos de longo prazo,
enquadrando-se em critérios para deficiência, a contar de 01/03/2017.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 97781025, produzido em 29/03/2019.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a autora, separada, reside com dois, de seus quatro
filhos, Milena Dias dos Reis, de 20 anos, e Gabriel Dias dos Reis, de 19 anos, idades
correspondentes à data do estudo socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"Ela informou que reside no endereço há 03 meses, a casa é de aluguel no valor de R$ 450,00
(quatrocentos e cinquenta reais). É composta por 05 cômodos pequenos, sala, cozinha, 02
quartos e banheiro: na sala contêm 03 sofás, 01 com 03 lugares e 02 com 02 lugares, em
péssima condições de uso, um quarto, que possui uma cama de casal de tamanho padrão,
guarda- roupa de 06 portas e 03 gavetas, novo, um ventilador pequeno da marca “Mondia",
novo, máquina de costura antiga da marca “vigorelli”, no outro quarto há uma cama de casal,
uma beliche semi-nova, um guarda roupa de casal da marca "Bartira” em boas condições de
uso, com 06 portas e 03 gavetas grandes, e uma raqui grande de madeira, em cima da qual fica
um aparelho de TV de 14 polegadas de tubo da marca “Semp”, e conversor digital
disponibilizado gratuitamente, um computador da marca “LG”. Cozinha com fogão de 06 bocas
da marca “Veneza” automático conservado, geladeira duplex da marca ”Consul” semi-novo,
micro-ondas, semi- novo, marca “Eletrolux”, 02 conjuntos de armário de madeira pequenos com
portas de vidro semi-novo contendo 02 gavetas e 06 portas,01 armário de metal grande da
marca “Itatiaia" com 06 portas e três gavetas, conservado, pia de cozinha de fibra, sem armário
embutido. Banheiro com revestimento, com piso, com chuveiro simples e vaso sanitário, possui
pia. A casa possui uma porta de vidro com acesso à lavanderia onde contém uma mesa de
madeira grande em bom estado de conservação, com tanque de resina simples e máquina de
lavar” Mabi” de 10 quilos semi-nova, 01 tanquinho da marca “ Arno”, em bom estado de
conservação, 01 tanquinho sem condições de uso.
Em relação à estrutura da casa: é de laje, cobertura de telha de fibrocimento e com fiação
elétrica canalizada; possui piso frio em todos os cômodos, contendo soleiras de granitos, área
interna; cozinha e banheiro com revestimento; pintura das paredes em bom estado de
conservação; externamente a casa está com acabamento - possui pintura. Os móveis e
eletrodomésticos em geral estão em bom estado de conservação, mas aparentam já ter um
bom tempo de uso, Josefina informa que alguns são de doação."
Foram reportadas despesas com aluguel, inclusa tarifa de água (R$ 450,00), e com energia
elétrica (R$ 81,00).
A locação vem sendo paga com o auxílio de um outro filho da demandante, casado.
Tendo por base a data de entrada do requerimento administrativo, em 02/02/2017, haure-se,
dos registros do CNIS, que Milena Dias dos Reis trabalhou entre 03/2018 a 02/2019 e a partir
de 20/10/2020. Percebeu salário variável no ano de 2018, entre R$ 1.070,33 e R$ 1.332,15,
este último valor recebido, também, em janeiro e fevereiro de 2019. Entre outubro e dezembro
de 2020, obteve a média mensal de R$ 1.196,11, e, em janeiro de 2021, de R$ 1.500,00.
O filho Gabriel Dias dos Reis principiou vínculo laboral em 03/06/2019. Entre junho e dezembro
de 2019, obteve média salarial de R$ 1.495,31. No ano de 2020, recebeu a média de R$
1.545,20, e, em janeiro de 2021, de R$ 2.381,60.
Além disso, recebem a transferência de R$ 269,00 do Programa Bolsa Família, cabendo
lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a exclusão dos
rendimentos percebidos do aludido programa social, por força do Decreto nº 6.135/2007, que
dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, c/c o item 16.7 da
OI INSS/DIRBEN nº 81/2003.
Consoante registrado pela assistente social, foi constatada situação de vulnerabilidade social,
por ocasião do estudo social.
Vê-se, contudo, que, a partir de outubro de 2020, quando ambos os filhos que residem com a
demandante, passaram a trabalhar simultaneamente, a renda familiar per capita passou a
suplantar a metade do salário mínimo, patamar que, segundo a jurisprudência, assegura-lhes o
mínimo à sobrevivência.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica entre 02/02/2017, data de
entrada do requerimento administrativo, e 30/09/2020, como indicado no sobredito paradigma
do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante da
benesse nesse interregno.
Tal o cenário, o termo inicial do benefício deve ser mantido a partir da data de entrada do
requerimento administrativo, de acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência
dominante. Nesse sentido: APELREEX 00122689420114036139, Nona Turma, Relatora
Desembargadora Federal Marisa Santos, j. 30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX
00331902220114039999, Nona Turma, Relator Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, j.
14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.
De se estabelecer, contudo, o termo final do beneplácito, em 30/09/2020, nos moldes
delineados.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo
o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido,
nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº
11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública
segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor
restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se
qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea
a promover os fins a que se destina."
Por derradeiro, assinale-se que o STF, por maioria, nos termos do voto do Ministro Alexandre
de Moraes, decidiu não modular os efeitos da decisão anteriormente proferida, rejeitando todos
os embargos de declaração opostos, conforme certidão de julgamento da sessão extraordinária
de 03/10/2019.
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros e à
correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em
conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento
final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
Cumpre, apenas, assentar que, considerada a data de entrada do requerimento administrativo,
em 02/02/2017, não há, in casu, prescrição a ser contabilizada.
Está o instituto previdenciário isento do pagamento de custas processuais, consoante o art. 4º,
inciso I, da Lei Federal n. 9.289/96, art. 6º, da Lei do Estado de São Paulo n. 11.608/2003 e das
Leis do Mato Grosso do Sul, de n. 1.135/91 e 1.936/98, alteradas pelos arts. 1º e 2º, da Lei n.
2.185/2000. Excluem-se da isenção as respectivas despesas processuais, além daquelas
devidas à parte contrária.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ou assistenciais não cumuláveis, deverão ser
integralmente abatidos do débito.
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO DA REMESSA OFICIAL E DOU PARCIAL PROVIMENTO À
APELAÇÃO DO INSS, para estabelecer o termo final do benefício, em 30/09/2020, e fixar os
critérios de incidência dos juros de mora, correção monetária, custas e despesas processuais,
nos termos da fundamentação supra.
Tendo em vista o termo final da benesse, em 30/09/2020, comunique-se ao INSS,
independentemente do trânsito em julgado, para cancelamento do benefício implantado por
força da tutela antecipada concedida na sentença.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART.
496, § 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993.
REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa
oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o
implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e
a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-la suprida pela família.
- Incontroversa a deficiência e constatada, pelo laudo pericial, a hipossuficiência econômica, é
devido o Benefício de Prestação Continuada entre a data de entrada do requerimento
administrativo, em 02/02/2017, e 30/09/2020, quando a renda familiar per capita passou a
suplantar a metade do salário mínimo, patamar que, segundo a jurisprudência, assegura o
mínimo à sobrevivência da parte autora.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das
custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
- Remessa oficial não conhecida.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Tutela antecipada de mérito revogada. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial e dar parcial provimento ao recurso de
apelação do INSS, revogando os efeitos da tutela antecipada na sentença, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
