Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5357055-95.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
23/09/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 28/09/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Benefício de Prestação Continuada devido a partir da data de realização do estudo social,
ocasião em que caracterizada a deficiência, restando, assim, preenchidos os requisitos legais à
sua outorga.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Observância, quanto à majoração da verba honorária de sucumbência recursal, do julgamento
final dos Recursos Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS pelo E. Superior
Tribunal de Justiça (Tema Repetitivo nº 1059), na liquidação do julgado.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Dedução, no período abrangido pela condenação, dos valores já pagos, seja na via
administrativa ou por força de decisão judicial, a título de quaisquer benefícios previdenciários ou
assistenciais não cumuláveis.
- Apelação do INSS parcialmente provida, na parcela em que conhecida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5357055-95.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CARLOS ALBERTO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: MARIA APARECIDA SILVA FACIOLI - SP142593-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5357055-95.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CARLOS ALBERTO DA SILVA
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, integrada por
embargos de declaração, não submetida ao reexame necessário, que julgou procedente o
pedido deduzido na inicial, condenando a Autarquia Previdenciária a conceder, à parte autora, o
benefício de prestação continuada, desde a data de entrada do requerimento administrativo, em
08/08/2013, antecipados os efeitos da tutela de mérito. O decisum condenou, ainda, o ente
autárquico, ao pagamento dos atrasados, com atualização monetária de acordo com o Manual
de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente quando da
execução e verba honorária arbitrada em 10% do valor da condenação, incidente sobre as
parcelas vencidas até a sentença, nos termos da Súmula nº 111 do c. Superior Tribunal de
Justiça.
Postula, o INSS, preambularmente, a recepção do apelo no duplo efeito. Em preliminar, debate
a prescrição de fundo de direito. No mérito, pretende que seja reformado o julgado,
sustentando, em síntese, a ausência dos requisitos à outorga da benesse. Insurge-se,
outrossim, quanto ao termo inicial do benefício. Suscita, por fim, o prequestionamento legal para
efeito de interposição de recursos.
Com as contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal deliberou pela ausência de fundamentos à sua intervenção nos
autos, requerendo a prossecução do feito.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5357055-95.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CARLOS ALBERTO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: MARIA APARECIDA SILVA FACIOLI - SP142593-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, é importante salientar que, de acordo com o art. 496, § 3º, inciso I, do Código de
Processo Civil atual, não será aplicável o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-
mínimos.
Na hipótese dos autos, embora a sentença seja ilíquida, resta evidente que a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, enquadrando-se
perfeitamente à norma insculpida no parágrafo 3º, I, art. 496, da atual lei processual.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Por sua vez, o apelo ofertado pelo INSS não comporta conhecimento quanto à preliminar
aventada, a teor do disposto no art. 932, III, do CPC, uma vez que divorciada da situação posta
no caso.
Assim porque o ente securitário debate a prescrição do fundo de direito pertinente ao "ATO
ÚNICO E CERTO DE AUTORIDADE ADMINISTRATIVA, qual seja, o ato que CESSOU O
AUXÍLIO-DOENÇA EM 02/01/2009", quando se trata, o caso, de pleito de concessão do
benefício de prestação continuada, desde o requerimento administrativo agilizado pelo autor em
08/08/2013 (doc. 146967890, pág. 4), cuja demanda, após o indeferimento do pleito naquela
senda, fora ajuizada em 05/03/2014, conforme consulta ao sistema e-SAJ do e. Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo.
Pois bem. Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº
8.742/1993, de natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada
tem sua concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de
segurado, atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de
deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à
verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-lo suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per
capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva
redução da idade mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e,
ao depois, para 65 anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para
efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a
Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas
com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de
pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando,
assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da
República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº
8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de
terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do
idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de
denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp
nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u.,
DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.
19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar
per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do
beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles
o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos
pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria
inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo,
mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde
a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada,
quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado
Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como
dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do
RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia,
assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto
do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por
deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §
3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara
no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de
65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito
esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação
continuada percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido
por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim,
pelos idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão
do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes,
pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
Realizada a perícia médica em 14/01/2016, o laudo coligido ao doc. 146967933 considerou o
autor, então, com 50 anos de idade (cf. certidão de nascimento juntada ao doc. 146967893,
pág. 2), escolaridade: 2ª série do 2º grau, profissão: atendente de enfermagem, garçom,
pedreiro, pintor e vendedor ambulante, estando em reclusão penitenciária desde novembro de
2015, portador de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida e hepatite C.
O perito consignou que fora apresentado retório médico datado de agosto de 2015, com carga
viral indicando risco moderado de progressão ou de piora da doença.
Contudo, o autor mostrou-se, ao exame, em bom estado geral e sem sinais de infecções
oportunistas ou outras infecções. Não foram evidenciadas alterações nos membros superiores e
inferiores. Seguia em acompanhamento médico, apenas, de rotina, e fazia uso contínuo de
medicações.
O louvado atestou, ainda, que não havia informação de doença ativa em relação à hepatite C.
Concluiu que o proponente apresenta incapacidade parcial e permanente, com limitações para
realizar atividades que exijam grandes esforços físicos ou nas quais haja maior risco de
infecções para si e para terceiros, como é o caso de serviços em hospitais. Vislumbrou, no
entanto, que o mesmo detém aptidão laborativa residual para o desempenho de funções de
natureza leve ou moderada, nas quais não haja risco de infecções, tal como a de vendedor, por
último exercida.
Do estudo social apresentado em 21/03/2019, acostado ao doc. 146967968, haure-se que a
patologia diagnosticada não inviabilizou o retorno do autor ao desempenho da atividade que
vinha exercendo, como vendedor ambulante, tanto que ele próprio afirmou que "estava
vendendo sorvete todos os dias", mencionando que deixara de fazê-lo, apenas, àquela altura,
"devido ao sol estar muito forte, seu corpo não aguenta, sente muita dor e passa mal":
"Informa que já trabalhou em diversas áreas, como auxiliar de enfermagem, garçom, vendedor
ambulante, entretanto, há 12 anos não possui registro em carteira, sempre trabalhou como
rpestador de serviços. Relata que após ficar doente não consegue desenvolver atividades por
muito tempo, sente muita dor no corpo. Revela que há 08 anos contraiu a Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e em decorrência dessa contaminação adquiriu hepatite A.
Informa ainda que contraiu o vírus através de relação sexual, na época tinha uma vida
desregrada, fazia uso de drogas lícitas e ilícitas e há 02 anos não consome drogas.
Relata que sente muita dor no corpo, cansaço físico, decorrentes do vírus da AIDS, diz que seu
corpo perdeu muita defesa imunológica e com muita frequência fica resfriado. Há 04 anos
sofreu um acidente, foi atropelado por um carro, fraturou o ombro direito. Está em tratamento
médico com especialista em infectologia no Pronto socorro Municipal Egídio Ricco, faz uso
contínuo das medicações Atazavir-ATV, Ritonavir-RTV, Tenofovir + Lamivudina TDF + 3TC.
Declara que também faz uso da medicação Diasepan toda noite, para depressão, ansiedade e
insônia, e da vitamina Vitoforte para abrir o apetite, todas as medicações são fornecidas pelo
Sistema Único de Saúde.
Atualmente não consegue trabalhar, estava vendendo sorvete todos os dias, mas devido ao sol
estar muito forte, seu corpo não aguenta, sente muita dor e passa mal."
Portanto, as peculiaridades do caso concreto autorizam concluir que a enfermidade
diagnosticada, consorciada às condições pessoais do autor, acarretam-lhe, a partir de então,
impedimento de longo prazo de natureza física, o qual, em interação com uma ou mais
barreiras, obstrui a sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições
com as demais pessoas, apto a configurar quadro de deficiência necessário à concessão do
benefício de prestação continuada, nos termos estabelecidos no art. 20, § 10, da Lei nº
8.742/1993.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o mencionado estudo
social.
Segundo o laudo adrede confeccionado, o autor reside sozinho e recebe ajuda de uma irmã que
mora no mesmo terreno.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"A casa é própria, quitada, divide terreno com a irmã, composta por 03 cômodos pequenos,
quarto, cozinha e banheiro, com construção muito simples, não possui forro, pintura nas
paredes e piso sem acabamento."
O proponente recebe atendimento da assistência social do município, doações de alimentos e a
transferência de R$ 85,00 pelo Programa Bolsa Família.
Foram reportadas despesas com tarifas de água (R$ 25,00) e energia elétrica (R$ 25,00).
Atualmente "está cozinhando com um fogão improvisado, as chamas são feitas com etanol".
Destarte, aflora, dos elementos dos autos, contexto de precariedade financeira tal a justificar a
inclusão da parte autora no elenco de beneficiários da prestação buscada.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, o autor vive em situação de extrema pobreza.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no
sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a
autorizar o implante da benesse.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser fixado na data de realização do estudo social, ocasião em que caracterizada
a deficiência, restando, assim, preenchidos os requisitos legais à sua outorga.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo
o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido,
nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº
11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública
segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor
restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se
qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea
a promover os fins a que se destina."
Por derradeiro, assinale-se que o STF, por maioria, nos termos do voto do Ministro Alexandre
de Moraes, decidiu não modular os efeitos da decisão anteriormente proferida, rejeitando todos
os embargos de declaração opostos, conforme certidão de julgamento da sessão extraordinária
de 03/10/2019.
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros e à
correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em
conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento
final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
No que atine à majoração da verba honorária de sucumbência recursal, a Primeira Seção do c.
Superior Tribunal de Justiça, na sessão eletrônica iniciada em 12/08/2020 e finalizada em
18/08/2020, afetou ao rito do art. 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil, a questão
discutida nos Recursos Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS, restando
assim delimitada a controvérsia: "(Im)Possibilidade de majoração, em grau recursal, da verba
honorária fixada em primeira instância contra o INSS quando o recurso da entidade
previdenciária for provido em parte ou quando o Tribunal nega o recurso do INSS, mas altera de
ofício a sentença apenas em relação aos consectários da condenação.”
Sendo assim, na liquidação do julgado deverá ser observado o julgamento final dos Recursos
Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS, pelo E. Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido, os seguintes julgados deste e. Nona Turma: ApCiv 0001185-85.2017.4.03.6005,
Relator Desembargador Federal Batista Gonçalves, intimação via sistema DATA: 02/02/2021;
ApCiv 5000118-70.2017.4.03.6111, Relator Desembargador Federal Batista Gonçalves,
intimação via sistema DATA: 19/02/2021.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito.
Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação
continuada deve ser revistoa cada dois anos,para avaliação da continuidade das condições que
lhe deram origem.
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Por fim, tendo em vista o teor da presente decisão, resta prejudicado o pleito de efeito
suspensivo formulado pelo INSS em suas razões recursais.
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO DE PARTE DO RECURSO DE APELAÇÃO DO INSS E, NA
PARCELA CONHECIDA DESTE, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para estabelecer o
termo inicial do benefício, na data de realização do estudo social. Explicito os critérios de
incidência dos juros de mora e da correção monetária e, em relação à majoração da verba
honorária de sucumbência recursal, determino a observância, na liquidação do julgado, do
julgamento final dos Recursos Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS, pelo
E. Superior Tribunal de Justiça, na forma delineada.
É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: Trata-se de apelação interposta em
face da sentença, integrada por embargos de declaração, não submetida ao reexame
necessário, que julgou procedente o pedido de benefício de prestação continuada, desde a data
de entrada do requerimento administrativo (DER 8/8/2013), acrescido dos consectários legais.
O INSS, inicialmente, alega a ocorrência da prescrição de fundo de direito. Insurge-se quanto a
ausência dos requisitos necessários à concessão do benefício e requer a reforma integral.
Subsidiariamente, impugna o termo inicial do benefício e prequestiona a matéria.
O e. Relator não conheceu de parte do recurso e, na parte conhecida, deu parcial provimento à
apelação para alterar a DIB.
Ouso, porém, quanto à parte conhecida do recurso, apresentar divergência, pelas seguintes
razões.
A parte autora, nascida em 1965, não pode ser considerada pessoa com deficiência para fins
assistenciais.
De acordo com a perícia médica judicial, realizada no dia 14/1/2016, o autor (com ensino médio
incompleto, recluso em estabelecimento penitenciário desde novembro de 2015), não está
inválido, mas parcial e permanentemente incapacitado para o trabalho, por ser portador de
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida e Hepatite C.
Segundo o perito, “o exame físico objetivo não mostrou alterações nos membros superiores
nem nos membros inferiores. Não apresenta sinais de infecções e apresenta-se em bom estado
geral.” Também apontou a ausência de informações quanto à hepatite C.
O perito então concluiu pela incapacidade parcial e permanente, “com limitações para realizar
atividades que exijam grandes esforços físicos ou nas quais haja maior risco de infecções para
si ou de outros, como é o caso de serviços em hospitais, por exemplo”. Todavia, ele constatou a
capacidade laboral residual para o desempenho de funções de natureza leve ou moderada, nas
quais não haja risco de infecções, tal como a de vendedor, por último exercida.
De fato, no item 4 da prova técnica - “Comentários” – há indicação de o autor já ter exercido
atividades laborais como garçom, pedreiro, pintor e vendedor ambulante, consideradas
compatíveis com o quadro clínico do autor.
Destaco, ainda, que apenas o diagnóstico soropositivo de HIV não significa incapacidade
laborativa. A incapacidade só existe quando houver complicações provenientes de doenças
oportunistas, efeitos adversos do tratamento ou quando haja risco de infecções, o que não é o
caso do autor, de acordo com as conclusões periciais.
Como se vê, trata-se de doença, passível de tratamento e controle com medicação específica, e
não de deficiência.
Não é qualquer doença ou dificuldade que caracteriza a condição de pessoa com deficiência
para fins assistenciais.
As dificuldades constatadas na perícia encontram-se no campo exclusivo do trabalho e não
constituem barreiras, mas sim limitações, já que a parte autora não se encontra inválida. Na
realidade, ela não experimenta propriamente a segregação experimentada por pessoas com
deficiência.
Evidentemente, o juiz não está adstrito ao laudo pericial. Contudo, não há nos autos elementos
probatórios aptos a infirmarem as conclusões da perícia médica.
De todo modo, in casu, a parte autora não se amolda ao conceito de pessoa com deficiência
tipificado no artigo 20, § 2º, da Lei n. 8.742/1993.
A pretendida ampliação do espectro dessa norma encontra óbice na própria Constituição
Federal, segundo a qual caberá à Previdência Social a cobertura dos eventos “incapacidade
temporária” e “incapacidade permanente”, mediante o pagamento de contribuições (artigo 201,
I).
Ademais, o benefício assistencial de prestação continuada não pode ser postulado como
substituto de benefício por incapacidade laboral.
Ausente o requisito subjetivo (deficiência), resta prejudicada a análise do requisito objetivo
(hipossuficiência), tornando-se inviável a concessão do benefício.
Diante do exposto, não conheço de parte da apelação e, na parte conhecida dou-lhe
provimento, para julgar improcedente o pedido.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados
em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC,
ficando, porém, suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma legal,
por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
Desembargadora FederalDALDICE SANTANA
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART.
496, § 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993.
REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa
oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o
implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e
a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-la suprida pela família.
- Benefício de Prestação Continuada devido a partir da data de realização do estudo social,
ocasião em que caracterizada a deficiência, restando, assim, preenchidos os requisitos legais à
sua outorga.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Observância, quanto à majoração da verba honorária de sucumbência recursal, do julgamento
final dos Recursos Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS pelo E. Superior
Tribunal de Justiça (Tema Repetitivo nº 1059), na liquidação do julgado.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Dedução, no período abrangido pela condenação, dos valores já pagos, seja na via
administrativa ou por força de decisão judicial, a título de quaisquer benefícios previdenciários
ou assistenciais não cumuláveis.
- Apelação do INSS parcialmente provida, na parcela em que conhecida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer de parte do recurso de apelação do INSS e, na parte
conhecida, por maioria, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator, que foi
acompanhado pela Juíza Federal Convocada Leila Paiva e pelo Desembargador Federal
Gilberto Jordan (4º voto). Vencida a Desembargadora Federal Daldice Santana, que, na parte
conhecida, dava provimento à apelação. Julgamento nos termos do disposto no art. 942, caput
e § 1º, do CPC
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
