Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
5617709-98.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MONICA APARECIDA BONAVINA CAMARGO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 09/12/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Incontroversa a deficiência e constatada, pelo laudo pericial, a hipossuficiência econômica, é
devido o restabelecimento do Benefício de Prestação Continuada do autor, não se antevendo o
desacerto da percepção da benesse assistencial no período debatido pelo INSS.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Observância, quanto à majoração da verba honorária de sucumbência recursal, do julgamento
final dos Recursos Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS pelo E. Superior
Tribunal de Justiça (Tema Repetitivo nº 1059), na liquidação do julgado.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Dedução, no período abrangido pela condenação, dos valores já pagos, seja na via
administrativa ou por força de decisão judicial, a título de quaisquer benefícios previdenciários ou
assistenciais não cumuláveis.
- Remessa oficial não conhecida.
- Apelo do INSS desprovido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5617709-98.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: E. G. S. B.
REPRESENTANTE: NAYARA FONSECA SOUZA
Advogado do(a) APELADO: MAURICIO MAINENTE DE SOUZA - SP317191-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5617709-98.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: E. G. S. B.
REPRESENTANTE: NAYARA FONSECA SOUZA
Advogado do(a) APELADO: MAURICIO MAINENTE DE SOUZA - SP317191-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, submetida ao
reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a
Autarquia Previdenciária a restabelecer o benefício de prestação continuada do autor, desde a
cessação, em 02/05/2018, e declarando a inexistência de débito deste junto ao requerido no
período compreendido entre 01/08/2014 a 14/04/2016 e 01/05/2017 a 31/07/2017, no valor de
R$ 21.340,47 (vinte e um mil e trezentos e quarenta reais e quarenta e sete centavos). O
decisum antecipou os efeitos da tutela de mérito e determinou, ainda, a compensação dos
valores eventualmente recebidos pelo proponente, após a data de início do benefício.
Estabeleceu a correção monetária das parcelas vencidas, desde a data que em deveriam ser
pagas, de acordo com a tabela prática do TJSP até junho de 2009, seguindo, após, os
parâmetros da Lei nº 11.960/09 até 25/03/2015, quando, diante de modulação que o STF
atribuiu à declaração parcial de inconstitucionalidade da EC 62/09, autos ADI 4357 e 4425,
passará a contar segundo o IPCA-E, e os juros de mora às taxas correspondentes aos
depósitos das cadernetas de poupança após a Lei nº 11.960/09. Por fim, arbitrou verba
honorária em 10% do valor da condenação, incidente sobre as parcelas vencidas até a
sentença, nos termos da Súmula nº 111 do c. Superior Tribunal de Justiça.
Pretende, o INSS, que seja reformada a sentença, sustentando, em síntese, a ausência de
comprovação de miserabilidade. Postula, ainda, a cobrança ou compensação dos valores
indevidamente recebidos pelo proponente.
Com as contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5617709-98.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: E. G. S. B.
REPRESENTANTE: NAYARA FONSECA SOUZA
Advogado do(a) APELADO: MAURICIO MAINENTE DE SOUZA - SP317191-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, é importante salientar que, de acordo com o art. 496, § 3º, inciso I, do Código de
Processo Civil atual, não será aplicável o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-
mínimos.
Na hipótese dos autos, embora a sentença seja ilíquida, resta evidente que a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, enquadrando-se
perfeitamente à norma insculpida no parágrafo 3º, I, art. 496, da atual lei processual.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a
¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade
mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65
anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para
efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a
Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas
com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de
pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de
atividade e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e
§ 1º, do Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da
assistência social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão
laboral, na esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL.
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de
que padece o demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o
acompanha, impõem-lhe significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr,
participar de brincadeiras, acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário
perquirir quanto à existência ou não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º,
doDecretonº 6.214/2007. (...) V - Embargos Infringentes do INSS a que se nega provimento.”
(EI 994950, Relator Desembargador Federal Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3
14/09/2011)
Ainda, o posicionamento da Nona Turma deste E. Tribunal no mesmo sentido, nos seguintes
julgados: AC 0008758-60.2016.4.03.9999, D.E. 24/11/2016; AC 0002545-37.2013.4.03.6121,
D.E. 04/11/2016; AC 0007387-51.2012.4.03.6103, D.E. 24/11/2016.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando,
assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da
República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº
8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de
terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do
idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de
denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp
nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u.,
DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.
19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar
per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do
beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles
o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos
pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria
inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo,
mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde
a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada,
quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado
Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como
dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do
RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia,
assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto
do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por
deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §
3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara
no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de
65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito
esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação
continuada percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido
por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim,
pelos idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão
do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes,
pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso vertente, o postulante, nascido em 04/09/2007, titularizou o Benefício de Prestação
Continuada NB 529.891.006-4 desde 15/04/2008. Em procedimento de apuração, o INSS
concluiu pela irregularidade na percepção da benesse, ante os registros de vínculos
empregatícios da genitora, nos períodos de 01/07/2012 a 28/09/2012 e 01/08/2014 a
14/04/2016, e de recolhimentos de contribuições previdenciárias desta, de 01/05/2017 a
31/07/2017. Aludida benesse foi suspensa, apurando-se o débito de R$ 21.340,47 a ser
ressarcido pelo demandante, referente aos períodos de 01/08/2014 a 14/04/2016 e 01/05/2017
a 31/07/2017. Notificação do autor pelos Ofícios 192/APSDRACENA e 195/2018/MOB/APS
Dracena, datados de 11/04/2018, e 275/2018/MOB/APS Dracena, de 02/05/2018. Vide doc.
59486826.
Pois bem. Quanto ao requisito da deficiência, este restou incontroverso no átrio judicial.
Apenas, por elucidativo, o laudo médico colacionado ao doc. 59486907, realizado em
21/06/2018, considerou o autor, então, com dez anos de idade, portador de Síndrome de Smith-
Lemly-Optiz.
Transcrevo a declaração médica acostada ao doc. 59486824, a respeito da patologia:
"Paciente portador de Síndrome de Smith-Lemly-Optiz que se caracteriza por doença congênita
de herança autossômica recessiva. Tal doença consiste na presença de diversas
anormalidades e malformações, disformismo corporal, retardo mental, microcefalia,
anormalidades genitais e outras. é causada por erro na biossíntese do colesterol, devido a um
defeito na enzima delta7-sterol-redutase que impede a síntese do colesterol e acúmulo do seu
precursor. O retardo mental varia de moderado a severo, e é identificado desde a infância,
comprometendo de forma significativa as atividades intelectuais e profissionais do paciente.
Portanto a criança em questão necessitará de cuidados especiais desde os primeiros anos de
vida e não terá condições de adquirir independência financeira e social quando adulto."
O perito concluiu que as manifestações clínicas da patologia que acomete o autor impõem,
desde o seu nascimento, limitações de grau severo, de longo prazo, de natureza física, mental,
intelectual e sensorial, as quais, em interação com uma ou mais barreiras, determinam
obstrução, atitude e comportamento que impedem e/ou dificultam sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, sendo necessário o
auxílio permanente de terceiros.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 59486905, produzido em 22/06/2018.
Segundo o laudo adrede confeccionado, o autor reside com a genitora, solteira, de 29 anos, os
avós maternos, o avô, com 60 anos, e a avó, com 55, e um tio, também solteiro, de 26 anos,
idades correspondentes à data do estudo socioeconômico.
O proponente "não tem contato com o pai e nem com os familiares paternos há cerca de dois
anos".
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"A residência é alugada no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais) com edificação em alvenaria.
Possui seis cômodos, sendo três quartos, duas salas, cozinha e dois banheiros tem piso e forro,
as acomodações são razoavelmente confortáveis. Possuem veículo que segundo informação é
da avó e do avô do requerente."
Incumbe acentuar, nesse tocante, que o INSS acostou foto do imóvel, a demonstrar que a
residência detém razoáveis condições habitabilidade (doc. 59486953).
Os progenitores do requerente possuem um veículo.
O vindicante frequenta a APAE, regularmente, de segunda a sexta-feira, no período matutino.
A medicação da qual necessita é disponibilizada pela rede pública de saúde.
Faz uso de fraldas descartáveis (R$ 400,00) e, uma vez ao ano, "é preciso leva-lo até a cidade
de Araçatuba em um Centro especializado, onde é sedado para limpar os dentes".
Seu tratamento pauta-se em dieta especial, rica em colesterol e sem alimentos sólidos,com
suplementos vitamínicos e probióticos, além de fisioterapia, medicamentos para ansiedade e
acompanhamento psiquiátrico.
Quantos aos ganhos da família, o autor recebe pensão alimentícia, no importe de R$ 220,00.
Há registros no CNIS de vínculo empregatício da genitora de 01/07/2012 a 28/09/2012 e
01/08/2014 a 14/04/2016. Em 2014, recebeu salário de R$ 1.010,00, e, em 2015 e 2016, de R$
1.094,23. Além disso, verteu contribuições previdenciárias, sobre um salário mínimo, entre
01/05/2017 a 31/07/2017.
O avô é "autônomo (corretor de imóveis), com renda variável de acordo com as suas vendas".
A avó trabalhava como auxiliar de enfermagem, com último salário registrado no CNIS, em
09/2014 , de R$ 1.912,17. Aposentou-se em 28/08/2014, com renda mensal inicial de R$
1.100,60. Em 2018 recebia, a esse título, R$ 1.470,80, e não um salário mínimo, consoante
declarado à assistente social. Em 03/2019, recebeu R$ 1.521,24 (doc. 59486949).
O tio do promovente, auxiliar de marcenaria, declarou receber salário de R$ 1.000,00, contudo,
vê-se que, à época do estudo social, percebia salário de R$ 1.386,52. Mantém o mesmo vínculo
empregatício desde 01/10/2012, com salário em 09/2021, de R$ 1.598,81.
Averbe-se, no entanto, que os progenitores do requerente e o tio não integram o conceito de
família, na acepção da Lei nº 12.435/2011, para efeito de concessão do Benefício de Prestação
Continuada.
Assim, a renda per capita do autor perfaz valor inferior à metade do salário mínimo.
De se esclarecer, para fins comparativos, que o salário mínimo, no ano de 2014, era de R$
724,00; em 2015, de R$ 788,00; em 2016, de R$ 880,00; em 2017, de R$ 937,00; em 2018, de
R$ 954,00; em 2019, de R$ 998,00; em 2020, até 31/01, de R$ 1.039,00, e, após, de R$
1.045,00, e, em 2021, de R$ 1.100,00.
Dessa forma, divisa-secaracterizada conjuntura de miserabilidade, mormente, ante os cuidados
requeridos pelo autor face à seriedade do seu quadro de saúde, não afastando tal cenário os
valores percebidos pela genitora nos períodos em que esta desempenhou atividade laboral.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, o requerente e sua genitora "são de fato vulneráveis no âmbito econômico, tendo
que contar com a ajuda dos familiares para manterem suas necessidades básicas", concluindo,
por fim, pela pertinência da manutenção do benefício diante da gravidade da deficiência
apresentada pelo apelado.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no
sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a
autorizar o restabelecimento do benefício de prestação continuada, diante da persistência das
condições que originaram a sua concessão, não se antevendo o desacerto da percepção da
benesse assistencial no período debatido pelo INSS.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo
o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido,
nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº
11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública
segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor
restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se
qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea
a promover os fins a que se destina."
Por derradeiro, assinale-se que o STF, por maioria, nos termos do voto do Ministro Alexandre
de Moraes, decidiu não modular os efeitos da decisão anteriormente proferida, rejeitando todos
os embargos de declaração opostos, conforme certidão de julgamento da sessão extraordinária
de 03/10/2019.
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros e à
correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em
conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento
final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
No que atine à majoração da verba honorária de sucumbência recursal, a Primeira Seção do c.
Superior Tribunal de Justiça, na sessão eletrônica iniciada em 12/08/2020 e finalizada em
18/08/2020, afetou ao rito do art. 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil, a questão
discutida nos Recursos Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS, restando
assim delimitada a controvérsia: "(Im)Possibilidade de majoração, em grau recursal, da verba
honorária fixada em primeira instância contra o INSS quando o recurso da entidade
previdenciária for provido em parte ou quando o Tribunal nega o recurso do INSS, mas altera de
ofício a sentença apenas em relação aos consectários da condenação.”
Sendo assim, na liquidação do julgado deverá ser observado o julgamento final dos Recursos
Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS, pelo E. Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido, os seguintes julgados deste e. Nona Turma: ApCiv 0001185-85.2017.4.03.6005,
Relator Desembargador Federal Batista Gonçalves, intimação via sistema DATA: 02/02/2021;
ApCiv 5000118-70.2017.4.03.6111, Relator Desembargador Federal Batista Gonçalves,
intimação via sistema DATA: 19/02/2021.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito.
Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação
continuada deve ser revistoa cada dois anos,para avaliação da continuidade das condições que
lhe deram origem.
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO DA REMESSA OFICIAL E NEGO PROVIMENTO À
APELAÇÃO DO INSS. Explicito os critérios de incidência dos juros de mora e da correção
monetária e, em relação à majoração da verba honorária de sucumbência recursal, determino a
observância, na liquidação do julgado, do julgamento final dos Recursos Especiais n.
1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS, pelo E. Superior Tribunal de Justiça, na forma
delineada.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART.
496, § 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993.
REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa
oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o
implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e
a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de
atividade e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o
exame da inaptidão laboral. Precedentes.
- Incontroversa a deficiência e constatada, pelo laudo pericial, a hipossuficiência econômica, é
devido o restabelecimento do Benefício de Prestação Continuada do autor, não se antevendo o
desacerto da percepção da benesse assistencial no período debatido pelo INSS.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Observância, quanto à majoração da verba honorária de sucumbência recursal, do julgamento
final dos Recursos Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS pelo E. Superior
Tribunal de Justiça (Tema Repetitivo nº 1059), na liquidação do julgado.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Dedução, no período abrangido pela condenação, dos valores já pagos, seja na via
administrativa ou por força de decisão judicial, a título de quaisquer benefícios previdenciários
ou assistenciais não cumuláveis.
- Remessa oficial não conhecida.
- Apelo do INSS desprovido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial e negar provimento à apelação do INSS,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
