Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5003078-04.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MONICA APARECIDA BONAVINA CAMARGO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/12/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Incontroversa a deficiência e constatada, pelo laudo pericial, a hipossuficiência econômica, é
devido o Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento
administrativo. Precedentes.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios mantidos em R$ 1.500,00, à míngua de recurso autoral e em
observância ao princípio da nonreformatioin pejus.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Dedução, no período abrangido pela condenação, dos valores já pagos, seja na via
administrativa ou por força de decisão judicial, a título de quaisquer benefícios previdenciários ou
assistenciais não cumuláveis.
- Apelação do INSS parcialmente provida, na parte em que conhecida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003078-04.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: RAFAEL DE SOUZA ASSIS
Advogado do(a) APELADO: ANA PAULA SILVA DE SOUZA - MS11007-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003078-04.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: RAFAEL DE SOUZA ASSIS
Advogado do(a) APELADO: ANA PAULA SILVA DE SOUZA - MS11007-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, não submetida
ao reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a
Autarquia Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício de prestação continuada,
desde a data de entrada do requerimento administrativo, em 22/01/2018, antecipados os efeitos
da tutela de mérito. O decisum condenou, ainda, o ente autárquico, ao pagamento dos
atrasados, acrescidos de correção monetária pelos critérios do art. 41-A da Lei nº 8.213/91 e
legislação posterior, juros moratórios à ordem de 6% ao ano, devidos a partir da citação válida
(art. 405 do Código Civil e Súmula nº 204 do c. Superior Tribunal de Justiça), e verba honorária
arbitrada em R$ 1.500,00. Por fim, isentou o INSS do pagamento de custas processuais, por
força do disposto no art. 8º, §1º, da Lei nº 8.620/93.
Postula, o INSS, preambularmente, a recepção do apelo no duplo efeito. No mérito, pretende
que seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a ausência de comprovação de
miserabilidade. Insurge-se, outrossim, quanto ao termo inicial do benefício, correção monetária,
juros de mora, custas processuais e honorários advocatícios. Suscita, por fim, o
prequestionamento legal para efeito de interposição de recursos.
Com as contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela baixa dos autos em diligência, para realização
de perícia médica complementar, a qual foi, ato contínuo, produzida em Primeiro Grau,
consoante doc. 129874981.
Em nova manifestação, o Órgão Ministerial deliberou pelo desprovimento da apelação.
Aberta vista às partes, manifestou-se, o autor, pela manutenção da r. sentença, pugnando,
subsidiariamente, pela realização de nova perícia médica "nos moldes estabelecidos pelo IF-
BRA, devendo ser analisada a existência da deficiência com fundamento no CID-10 conjugado
com o CIF".
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003078-04.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: RAFAEL DE SOUZA ASSIS
Advogado do(a) APELADO: ANA PAULA SILVA DE SOUZA - MS11007-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, é importante salientar que, de acordo com o art. 496, § 3º, inciso I, do Código de
Processo Civil atual, não será aplicável o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-
mínimos.
Na hipótese dos autos, embora a sentença seja ilíquida, resta evidente que a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, enquadrando-se
perfeitamente à norma insculpida no parágrafo 3º, I, art. 496, da atual lei processual.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a
¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade
mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65
anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para
efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a
Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas
com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de
pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando,
assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da
República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº
8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de
terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do
idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de
denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp
nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u.,
DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.
19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar
per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do
beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles
o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos
pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria
inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo,
mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde
a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada,
quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado
Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como
dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do
RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia,
assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto
do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por
deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §
3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara
no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de
65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito
esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação
continuada percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido
por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim,
pelos idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão
do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes,
pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
Na espécie, o requisito da deficiência restou incontroverso no átrio judicial.
Apenas, por elucidativo, o laudo médico realizado em 08/10/2018, colacionado ao doc.
107472803, págs. 13/18, considerou o autor, Rafael de Souza Assis, então, com 30 anos de
idade, escolaridade: 5ª série do ensino fundamental, profissão: trabalhador rural/braçal em
fazendas, portador de transtorno afetivo bipolar, que o incapacita ao labor, de forma total e, ao
menos, temporariamente, até que consiga estabilização clínica e melhora dos sintomas.
O perito atestou que o autor apresenta impedimento de natureza mental, que limita sua
participação social por descompensação de doença psiquiátrica, enquadrando-se no conceito
de deficiência, na forma da Lei.
Estabeleceu a data de início da doença, em idos de 2014, sugerindo doze meses de
afastamento das atividades laborais do proponente, para adequado tratamento clínico e
recuperação funcional.
Complementado o laudo pericial, em 25/02/2020 (doc. 129874981, pág. 6), o louvado afirmou
que o autor não é portador de esquizofrenia. Explicitou que a solicitação de medicamentos
juntada à pág. 26 do doc. 107472802 "traz o CID de esquizofrenia apenas para que se obtenha
o medicamento requerido através do SUS, estratégia essa utilizada em várias ocasiões por
médicos psiquiatras, já que o medicamento Quetiapina está aprovado no tratamento de
esquizofrenia, mas não no tratamento de transtorno bipolar, pelo menos junto a Secretaria
Estadual de Saúde".
Acrescentou que o autor necessita do auxílio de terceiros para as atividades do dia-a-dia.
Por fim, sugeriu novo prazo de doze meses de afastamento das atividades laborais do
proponente, para recuperação do quadro clínico, salientando que o caso não requer nova
avaliação.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 107472802, págs. 66/68, produzido em 27/08/2018.
Segundo o laudo adrede confeccionado, o autor reside com o genitor, Sebastião Dias de
Oliveira, de 57 anos, idade correspondente à data do estudo socioeconômico.
O genitor "trabalha como autônomo, porém, já está, segundo ele, há 2 meses sem conseguir
emprego e estão morando em uma casa cedida pela avó de Rafael, pois não têm condições de
custear um lugar para si".
Dos registros do CNIS haure-se que, desde o início do ano de 2018, o genitor tem vertido,
apenas, recolhimentos previdenciários esporádicos, no Plano Simplificado de Previdência
Social (LC 123/2006), quando seja: 01/01/2018 a 28/02/2018, 01/04/2018 a 31/05/2018,
01/01/2019 a 30/04/2019, 01/01/2020 a 31/01/2020, 01/01/2021 a 31/01/2021 e 01/02/2021 a
28/02/2021.
Foi, por fim, reportado, à assistente social, que ambos "têm recebido cesta básica das freiras
que moram próximo da casa deles, mas que elas precisam ajudar outras pessoas e eles
acabam passando por dificuldades". No momento da visita domiciliar, "o Sr. Sebastião estava
fazendo o almoço em fogão de lenha, pois, segundo ele, fica mais barato".
No mais, o proponente recebe a transferência de R$ 89,00, pelo Programa Bolsa Família,
lembrando-se que tal valor deve ser excluído da contabilização da renda familiar, por força do
Decreto nº 6.135/2007, que dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo
Federal, c/c o item 16.7 da OI INSS/DIRBEN nº 81/2003.
Assim, conquanto não tenham sido relacionadas as despesas, divisa-secaracterizada
conjuntura de miserabilidade.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, o proponente vive em condições de pobreza, não conseguindo manter a sua
subsistência:
"Ao encerrarmos nossos procedimentos, pudemos verificar que o requerente vive em condições
de pobreza, com dificuldades pelo fato de não ter condições físicas e psicológicas para conviver
com as pessoas normalmente, pois, durante nosso atendimento foi evidente a mudança de
comportamento de Rafael, ele começou a ficar ofegante, com os olhos sobressaltados e com
fala em tom mais elevado (estava muito nervoso, talvez por não nos conhecer) fato que o tem
impedido de exercer suas funções e, mesmo assim, tem enfrentado uma luta diária por não
conseguir manter sua subsistência, sobretudo, quanto aos medicamentos de que necessita,
pois nos relatou que há 2 meses não tem recebido os mesmos por parte da Secretaria de
Saúde e, segundo ele, são remédios que ele não pode ficar sem e não tem como comprar por
serem de alto custo. Rafael e o pai têm dependido daquilo que conseguem como ajuda, com as
freiras, Rafael nos disse que gostaria muito de poder trabalhar e receber seu salário, mas que
não consegue, pois sente muitas dores ao fazer qualquer esforço e, para além disso, tem medo
de perder o controle e agredir as pessoas.
A necessidade de tratamento relatada por Rafael exige acompanhamento de um psiquiatra e o
tem realizado, mas se trata de algo que, como ele mesmo disse, precisa ser constante."
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no
sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a
autorizar o implante da benesse nos moldes do comando sentencial.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser mantido a partir da data de entrada do requerimento administrativo, em
22/01/2018. Nesse sentido: APELREEX 00122689420114036139, Nona Turma, Relatora
Desembargadora Federal Marisa Santos, j. 30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX
00331902220114039999, Nona Turma, Relator Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, j.
14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.
Veja-se, a esse respeito, que, muito embora o perito médico não tenha estabelecido a data de
início da incapacidade, o autor instruiu a ação com documento médico datado de 19/10/2017,
atestando que a enfermidade por ele ostentada - idêntica àquela diagnosticada no laudo pericial
- pode trazer prejuízos à sua atividade laboral, sendo certo que o vindicante, àquela altura,
queixava-se de "comprometimento da realização de suas atividades laborais, com dificuldade
para manter atenção, hipopragmatismo e diminuição do interesse", situação que permite fixar a
DII na data em que agilizado o mencionado requerimento, na senda administrativa. Vide doc.
107472802, pág. 25.
Averbe-se, no mais, que o laudo pericial apenas retratou situação ensejadora da outorga da
benesse, preexistente à sua confecção.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo
o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido,
nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº
11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública
segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor
restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se
qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea
a promover os fins a que se destina."
Por derradeiro, assinale-se que o STF, por maioria, nos termos do voto do Ministro Alexandre
de Moraes, decidiu não modular os efeitos da decisão anteriormente proferida, rejeitando todos
os embargos de declaração opostos, conforme certidão de julgamento da sessão extraordinária
de 03/10/2019.
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros e à
correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em
conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento
final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
De acordo com o entendimento desta e. Turma, os honorários advocatícios devem ser fixados
em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do
art. 85 do Código de Processo Civil, observando-se o disposto nos §§ 3º e 5º desse mesmo
dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do
benefício (Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça). Contudo, a verba honorária deve ser
mantida, no caso, em R$ 1.500,00, à míngua de recurso autoral e em observância ao princípio
da nonreformatioin pejus.
No que atine à majoração da verba honorária de sucumbência recursal, a Primeira Seção do c.
Superior Tribunal de Justiça, na sessão eletrônica iniciada em 12/08/2020 e finalizada em
18/08/2020, afetou ao rito do art. 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil, a questão
discutida nos Recursos Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS, restando
assim delimitada a controvérsia: "(Im)Possibilidade de majoração, em grau recursal, da verba
honorária fixada em primeira instância contra o INSS quando o recurso da entidade
previdenciária for provido em parte ou quando o Tribunal nega o recurso do INSS, mas altera de
ofício a sentença apenas em relação aos consectários da condenação.”
Sendo assim, na liquidação do julgado deverá ser observado o julgamento final dos Recursos
Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS, pelo E. Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido, os seguintes julgados deste e. Nona Turma: ApCiv 0001185-85.2017.4.03.6005,
Relator Desembargador Federal Batista Gonçalves, intimação via sistema DATA: 02/02/2021;
ApCiv 5000118-70.2017.4.03.6111, Relator Desembargador Federal Batista Gonçalves,
intimação via sistema DATA: 19/02/2021.
Quanto às custas processuais, não há modificação a ser feita, pois a r. sentença já isentou a
autarquia securitária do respectivo pagamento, de acordo com o pleiteado em sua apelação,
razão pela qual o recurso não há de ser conhecido, neste ponto.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito.
Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação
continuada deve ser revistoa cada dois anos,para avaliação da continuidade das condições que
lhe deram origem.
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Por fim, tendo em vista o teor da presente decisão, resta prejudicado o pleito de efeito
suspensivo formulado pelo INSS em suas razões recursais.
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO DE PARTE DO RECURSO DE APELAÇÃO DO INSS E, NA
PARCELA CONHECIDA DESTE, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para fixar os juros de
mora e a correção monetária, nos termos da fundamentação supra. Em relação à majoração da
verba honorária de sucumbência recursal, determino a observância, na liquidação do julgado,
do julgamento final dos Recursos Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS,
pelo E. Superior Tribunal de Justiça, na forma delineada.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART.
496, § 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993.
REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa
oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o
implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e
a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-la suprida pela família.
- Incontroversa a deficiência e constatada, pelo laudo pericial, a hipossuficiência econômica, é
devido o Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento
administrativo. Precedentes.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios mantidos em R$ 1.500,00, à míngua de recurso autoral e em
observância ao princípio da nonreformatioin pejus.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Dedução, no período abrangido pela condenação, dos valores já pagos, seja na via
administrativa ou por força de decisão judicial, a título de quaisquer benefícios previdenciários
ou assistenciais não cumuláveis.
- Apelação do INSS parcialmente provida, na parte em que conhecida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer de parte do recurso de apelação do INSS e, na parcela
conhecida deste, dar-lhe parcial provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
