Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5113331-88.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MONICA APARECIDA BONAVINA CAMARGO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/12/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Implementado o requisito etário, é devido o Benefício de Prestação Continuada a partir da
derradeira suspensão da benesse, ocasião em que caracterizada a hipossuficiência da parte
autora no átrio judicial, restando, assim, preenchidos os requisitos legais à sua outorga.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Observância, quanto à majoração da verba honorária de sucumbência recursal, do julgamento
final dos Recursos Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS pelo E. Superior
Tribunal de Justiça (Tema Repetitivo nº 1059), na liquidação do julgado.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Dedução, no período abrangido pela condenação, dos valores já pagos, seja na via
administrativa ou por força de decisão judicial, a título de quaisquer benefícios previdenciários ou
assistenciais não cumuláveis.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5113331-88.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE ALVES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: SIMONE DOS SANTOS CUSTODIO AISSAMI - SP190342-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5113331-88.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE ALVES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: SIMONE DOS SANTOS CUSTODIO AISSAMI - SP190342-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, integrada por
embargos de declaração, não submetida ao reexame necessário, que julgou procedente o
pedido deduzido na inicial, condenando a Autarquia Previdenciária a conceder, à parte autora, o
benefício de prestação continuada, desde a data de cessação da benesse. O decisum
antecipou os efeitos da tutela de mérito, determinando a implantação do benefício, pelo ente
securitário, no prazo de 30 (trinta) dias, e ainda, condenou-o ao pagamento dos atrasados,
acrescidos de correção monetária pelo IPCA-E, juros de mora na forma do art. 1º-F da Lei nº
9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, e verba honorária arbitrada em 10% do
valor da condenação, incidente sobre as parcelas vencidas até a sentença, nos termos da
Súmula nº 111 do c. Superior Tribunal de Justiça.
Postula, o INSS, preambularmente, a recepção do apelo no duplo efeito. No mérito, pretende a
reforma do julgado, sustentando, em síntese, a ausência de comprovação de miserabilidade.
Insurge-se, outrossim, quanto ao termo inicial do benefício e ao prazo fixado para cumprimento
da obrigação de fazer estabelecida na sentença. Requer, ainda, seja decretada a prescrição
quinquenal parcelar. Suscita, por fim, o prequestionamento legal para efeito de interposição de
recursos.
Com as contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5113331-88.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE ALVES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: SIMONE DOS SANTOS CUSTODIO AISSAMI - SP190342-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Saliente-se, de início, que, de acordo com o art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil
atual, não será aplicável o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito
econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos.
Na hipótese dos autos, embora a sentença seja ilíquida, resta evidente que a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, enquadrando-se
perfeitamente à norma insculpida no parágrafo 3º, I, art. 496, da atual lei processual.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Registre-se, para contextualizar o caso, o histórico haurido dos autos.
Consoante voto prolatado pela 28ª Junta de Recursos da Previdência Social, face ao recurso
administrativo interposto pelo autor no processo nº 35388.003032/2018-81 (doc. 162783666),
verifica-se que o mesmo titularizou o benefício de prestação continuada NB 88/139.050.751-0
desde 2005, tendo sido suspenso entre 01/08/2018 a 01/02/2019 e reativado a partir de
02/02/2019, como segue:
"No presente caso, restou provado a renda per capita igual ou superior do a ¼ do salario
mínimo nos períodos em que o INSS detectou a irregularidade, renda proveniente do trabalho
da filha do recorrente, nos períodos de 01/11/2009 a 31/01/2011 e 01/02/2011 sem data de
saída, (evento12, CTPS1). E o Parecer Social acostado aos autos de 01/02/2019, ou seja, um
dia anterior o casamento da filha do recorrente, considerando, entre outras condições, a
inserção da filha no mercado de trabalho, concluiu que o Recorrente não vivenciava situação de
vulnerabilidade social naquela data (evento28, PARECER1). Assim, concluímos que, nos
períodos de 01/11/2009 a 31/01/2010 e de 01/02/2011 a 31/07/2018, o benefício foi mantido em
desacordo com a legislação especifica, ou seja, irregular. Como já mencionado acima, no
período 01/08/2018 a 01/02/2019 que o benefício esteve suspenso, não há o que se falar em
cobrança nem por parte do INSS nem por parte do recorrente, e a partir de 02/02/2019
(casamento da filha) o benefício tornou-se regular, já comprovado nos autos seu
restabelecimento (EVENTO36, INFBEN1).
Diante do exposto, VOTO no sentido de CONHECER DO RECURSO para no mérito DAR-LHE
PARCIAL PROVIMENTO, reconhecendo o direto na manutenção do benefício a partir de
02/02/2019, e a prescrição quinquenal em relação a cobrança de valores recebidos nos
períodos 01/11/2009 a 31/01/2010 e 01/02/2011 a 03/04/2013 já reconhecidos pelo INSS, tanto
a prescrição como o restabelecimento a partir de 02/02/2019, conforme despacho constante no
evento31".
Consta, ainda, da inicial, que, após reativação, a benesse foi novamente suspensa, sem
"nenhuma justificativa", razão pela qual o demandante ingressou com novo requerimento
administrativo, em 15/07/2019 (docs. 162783649, pág. 2, e 162783655):
"O autor requereu administrativamente o benefício assistencial de Prestação Continuada (nº.
139.050.751-0), o qual, inicialmente, foi concedido e posteriormente suspenso.
Na primeira, justificaram a suspensão alegando que a renda do requerente ultrapassava os
limites permitidos por lei, e na segunda, não houve nenhuma justificativa.
Trata-se de suspensão arbitraria do benefício pela autarquia, e totalmente descabida, uma vez
que não houve um motivo apresentado que acarretasse a suspensão.
Desta forma, restando inexitosa toda e qualquer solução extrajudicial do litígio, busca-se na
presente demanda o único meio útil e eficaz para dirimir a lide em voga, uma vez que o
requerente ingressou com pedido administrativo em 15/07/2019 com número de protocolo de
requerimento 165.831.374, época em que foi suspenso seu benefício e até a presente data não
houve sequer uma resposta".
O autor postula, por fim, o restabelecimento do beneplácito, desde a cessação.
Pois bem. Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº
8.742/1993, de natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada
tem sua concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de
segurado, atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de
deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à
verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-lo suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per
capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva
redução da idade mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e,
ao depois, para 65 anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para
efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a
Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas
com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de
pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando,
assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da
República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº
8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de
terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do
idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de
denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp
nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u.,
DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.
19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar
per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do
beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles
o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos
pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria
inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo,
mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde
a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada,
quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado
Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como
dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do
RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia,
assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto
do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por
deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §
3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara
no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de
65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito
esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação
continuada percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido
por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim,
pelos idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão
do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes,
pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso vertente, verifica-se que a parte autora, nascida em 28/09/1940, completou 65 anos de
idade em 2005, restando, pois, implementado o requisito etário quando da concessão do
benefício de prestação continuada NB 88/139.050.751-0.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 162783684, produzido em 30/06/2020.
Segundo o laudo adrede confeccionado, o autor reside com a esposa, de 70 anos, idade
correspondente à data do estudo socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"A família composta por dois idosos reside em casa alugada no valor de R$637,00 (seiscentos
e trinta e sete reais). A casa de alvenaria, telha ethernit, área na lateral, pintura conservada. É
composta por seis cômodos, ou seja, três quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro.
Os móveis que equipam a residência são humildes, suficientes para acomodar a família,
compatível com a situação econômica.
Localizada próxima dos equipamentos públicos, tem rede de esgoto e asfalto."
A corroborar a situação habitacional, há relatório fotográfico, que confirma a descrição
elaborada no laudo.
Afora o aluguel, as demais despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água (R$
29,46) e energia elétrica (R$ 83,31), gás (R$ 80,00), telefone celular (R$ 30,00), alimentação
(R$ 600,00), medicamentos (R$ 100,00) e outros dispêndios não especificados (R$ 100,00).
Os filhos "pouco ajudam financeiramente devido a condições econômicas prejudicadas". Uma
das filhas do casal, ajudante geral na Prefeitura Municipal, repassa aos pais, mensalmente, a
cesta básica que recebe no trabalho. Dois outros filhos auxiliam-nos, esporadicamente, com a
compra de medicamentos. O auxílio prestado pelos filhos, no entanto, é insuficiente, e o casal
acumula dívidas.
O proponente não aufere renda.
Recebeu o benefício de prestação continuada, até maio de 2019. Por ocasião do estudo social
recebia parcelas do auxílio emergencial.
A esposa é titular de benesse assistencial.
A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão do benefício por esta percebido, nos termos do art. 34 do Estatuto do Idoso, de modo
que não resta, como passível de consideração jurídica, qualquer valor recebido pelo
proponente.
Dessa forma, divisa-secaracterizada conjuntura de miserabilidade.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, justifica-se a concessão do benefício assistencial requerido, como segue:
"Embora a renda familiar é de ½ salário mínimo por pessoa, há de se considerar que a família é
formada por dois idosos em idade avançada, com limitações físicas e sensoriais, com grau de
dependência de terceiros para realizar as atividades cotidianas, fator econômico de baixa
renda, sem moradia própria e com a saúde debilitada, não conseguem superar as barreiras
sociais para sanar as despesas.
Após avaliar os dados ficou comprovado o processo de vulnerabilidade social que os coloca em
situação de risco, sendo necessário no critério da avaliação social a implementação do
benefício assistencial para que possa assim garantir a dignidade, suprir as necessidades
básicas como alimentação, moradia, medicamento e transporte."
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no
sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a
autorizar o implante da benesse.
Quanto ao termo inicial do benefício, há a seguinte especificidade.
De acordo com o histórico inicialmente reportado, o benefício de prestação continuada
titularizado pelo autor desde o ano de 2005 (NB 88/139.050.751-0) foi suspenso, efetivamente,
entre 01/08/2018 a 01/02/2019, visto que uma de suas filhas, Kelly Alves da Silva, que com ele
residia, auferiu renda no período, afastando, ao que se apurou na seara administrativa, o
contexto de miserabilidade.
O benefício do autor foi reativado a partir de 02/02/2019, dia seguinte ao casamento dessa,
tendo sido novamente suspenso - consoante relatório social - em maio de 2019.
No julgamento do recurso administrativo interposto pelo autor, a 28ª Junta de Recursos da
Previdência Social deliberou que, "no período 01/08/2018 a 01/02/2019 que o benefício esteve
suspenso, não há o que se falar em cobrança nem por parte do INSS nem por parte do
recorrente".
Conquanto não se saiba se houve insurgência do autor, naquela senda, quanto a este ponto,
certo é que não há, nestes autos, qualquer documentação que permita aferir as condições
vivenciadas pela família naquele interregno.
Sendo assim, o beneplácito há de ser concedido a partir da derradeira suspensão da benesse,
ocasião em que caracterizada a hipossuficiência da parte autora no átrio judicial, restando,
assim, preenchidos os requisitos legais à sua outorga.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo
o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido,
nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº
11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública
segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor
restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se
qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea
a promover os fins a que se destina."
Por derradeiro, assinale-se que o STF, por maioria, nos termos do voto do Ministro Alexandre
de Moraes, decidiu não modular os efeitos da decisão anteriormente proferida, rejeitando todos
os embargos de declaração opostos, conforme certidão de julgamento da sessão extraordinária
de 03/10/2019.
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros e à
correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em
conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento
final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
Cumpre, apenas, assentar que, considerado o termo inicial do benefício, não há, nesta via,
prescrição a ser contabilizada.
No que atine à majoração da verba honorária de sucumbência recursal, a Primeira Seção do c.
Superior Tribunal de Justiça, na sessão eletrônica iniciada em 12/08/2020 e finalizada em
18/08/2020, afetou ao rito do art. 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil, a questão
discutida nos Recursos Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS, restando
assim delimitada a controvérsia: "(Im)Possibilidade de majoração, em grau recursal, da verba
honorária fixada em primeira instância contra o INSS quando o recurso da entidade
previdenciária for provido em parte ou quando o Tribunal nega o recurso do INSS, mas altera de
ofício a sentença apenas em relação aos consectários da condenação.”
Sendo assim, na liquidação do julgado deverá ser observado o julgamento final dos Recursos
Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS, pelo E. Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido, os seguintes julgados deste e. Nona Turma: ApCiv 0001185-85.2017.4.03.6005,
Relator Desembargador Federal Batista Gonçalves, intimação via sistema DATA: 02/02/2021;
ApCiv 5000118-70.2017.4.03.6111, Relator Desembargador Federal Batista Gonçalves,
intimação via sistema DATA: 19/02/2021.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito, inclusive, pertinentes ao auxílio-emergencial, nos termos do art. 2º, III, da
Lei nº 13.982/2020, art. 1º, § 3º, II, da Medida Provisória nº 1.000/2020, e art. 1º, § 2º, II, da
Medida Provisória nº 1.039/2021, que obstam a percepção cumulativa do auxílio-emergencial,
com benefícios previdenciário ou assistencial
Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação
continuada deve ser revistoa cada dois anos,para avaliação da continuidade das condições que
lhe deram origem.
No mais, o Juízo de origem fixou ao INSS, na sentença, o prazo de 30 (trinta) dias para a
implantação do benefício, e, portanto, nada há a reparar nesse ponto, posto tratar-se de
benefício alimentar e o deferimento da tutela indica urgência na providência deferida pelo juízo.
Averbe-se que o §5º do art. 41-A da Lei nº 8.213/91 estabelece o prazo limite para a
implantação do benefício, não tendo a autarquia, por sua vez, trazido aos autos qualquer motivo
plausível que justifique a impossibilidade de cumprir a decisão, no prazo fixado pelo Magistrado
a quo.Nesse sentido, os seguintes julgados desta e. Nona Turma, tirados de situações
parelhas: ApCiv 6137303-41.2019.4.03.9999, Relatora Desembargadora Federal Daldice
Santana, intimação via sistema, DATA: 08/05/2020; AI 5006468-06.2019.4.03.0000, Relator
Desembargador Federal Gilberto Jordan, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 19/11/2019.
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Por fim, tendo em vista o teor da presente decisão, resta prejudicado o pleito de efeito
suspensivo formulado pelo INSS em suas razões recursais.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para estabelecer o
termo inicial do benefício a partir da derradeira suspensão da benesse. Explicito os critérios de
incidência dos juros de mora e da correção monetária e, em relação à majoração da verba
honorária de sucumbência recursal, determino a observância, na liquidação do julgado, do
julgamento final dos Recursos Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS, pelo
E. Superior Tribunal de Justiça, na forma delineada.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART.
496, § 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993.
REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa
oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o
implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e
a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-la suprida pela família.
- Implementado o requisito etário, é devido o Benefício de Prestação Continuada a partir da
derradeira suspensão da benesse, ocasião em que caracterizada a hipossuficiência da parte
autora no átrio judicial, restando, assim, preenchidos os requisitos legais à sua outorga.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Observância, quanto à majoração da verba honorária de sucumbência recursal, do julgamento
final dos Recursos Especiais n. 1.865.553/PR, 1.865.223/SC e 1.864.633/RS pelo E. Superior
Tribunal de Justiça (Tema Repetitivo nº 1059), na liquidação do julgado.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Dedução, no período abrangido pela condenação, dos valores já pagos, seja na via
administrativa ou por força de decisão judicial, a título de quaisquer benefícios previdenciários
ou assistenciais não cumuláveis.
- Apelação do INSS parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
