Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5115712-06.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
09/11/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 12/11/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO. TERMO FINAL.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Incontroversa a deficiência e constatada, pelo laudo pericial, a hipossuficiência econômica, é
devido o Benefício de Prestação Continuada.
- Termo final do benefício estabelecido em 01/05/2017, data a partir da qual ambos os genitores
do autor passaram a desempenhar atividades laborais, concomitantemente, alçando a renda
familiar per capita a valor superior à metade do salário mínimo, patamar que, segundo a
jurisprudência, assegura-lhes o mínimo à sobrevivência.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Tutela antecipada revogada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5115712-06.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: F. G. D.
REPRESENTANTE: TACILA FERNANDA DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: JOSE BRUN JUNIOR - SP128366-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5115712-06.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: F. G. D.
REPRESENTANTE: TACILA FERNANDA DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: JOSE BRUN JUNIOR - SP128366-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, não submetida ao
reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a Autarquia
Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício assistencial a pessoa deficiente, desde a
data de entrada do requerimento administrativo, em 11/02/2015, antecipados os efeitos da tutela
de mérito. O decisum condenou, ainda, o ente autárquico, ao pagamento dos atrasados,
acrescidos de correção monetária pelo IPCA-E, juros de mora pelos índices de remuneração da
poupança e verba honorária arbitrada em 10% do valor da condenação, incidente sobre as
parcelas vencidas até a sentença, nos termos da Súmula nº 111 do c. Superior Tribunal de
Justiça.
Postula, o INSS, preambularmente, a recepção do apelo no duplo efeito. No mérito, pretende que
seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a ausência de comprovação de
miserabilidade. Subsidiariamente, pleiteia que a benesse seja concedida até 31/03/2017, "um dia
antes da admissão da mãe do autor no vínculo de emprego que mantém até hoje". Insurge-se,
outrossim, quanto à correção monetária, juros de mora e honorários advocatícios. Suscita, por
fim, o prequestionamento legal para efeito de interposição de recursos.
Decorrido, “in albis”, o prazo para as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5115712-06.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: F. G. D.
REPRESENTANTE: TACILA FERNANDA DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: JOSE BRUN JUNIOR - SP128366-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I do Código de Processo Civil atual, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, dispõe que a sentença não será submetida ao reexame necessário quando a
condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000
(mil) salários mínimos, em desfavor da União ou das respectivas autarquias e fundações de
direito público.
No caso dos autos, considero as datas do termo inicial do benefício e da prolação da sentença,
em 12/07/2018 (doc. 120500934). Atenho-me ao valor da benesse, de um salário mínimo. Verifico
que a hipótese em exame não excede os mil salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do
Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência
social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral, na
esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de que padece o
demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o acompanha, impõem-lhe
significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr, participar de brincadeiras,
acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário perquirir quanto à existência ou
não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º, doDecretonº 6.214/2007. (...) V - Embargos
Infringentes do INSS a que se nega provimento.” (EI 994950, Relator Desembargador Federal
Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3 14/09/2011)
Ainda, o posicionamento da Nona Turma deste E. Tribunal no mesmo sentido, nos seguintes
julgados: AC 0008758-60.2016.4.03.9999, D.E. 24/11/2016; AC 0002545-37.2013.4.03.6121,
D.E. 04/11/2016; AC 0007387-51.2012.4.03.6103, D.E. 24/11/2016.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
Na espécie, o requisito da deficiência restou incontroverso no átrio judicial.
Apenas, por elucidativo, o laudo médico colacionado ao doc. 120500893, realizado em
25/07/2016, considerou o autor, então, com dez anos de idade, portador de conjuntivite, evoluindo
para úlcera de córnea e comprometimento visual grave. A doença apresenta difícil controle e
tratamento, acarretando-lhe incapacidade total e temporária.
O perito estimou, em dois anos, o prazo para reavaliação do requerente, face ao prognóstico ruim
da patologia.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 120500878, produzido em 12/06/2016.
Segundo o laudo adrede confeccionado, o autor reside no município de Canitar/SP, com os
genitores, o pai, com 36 anos, e a mãe, com 29, idades correspondentes à data do estudo
socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia, cedida pelo progenitor materno:
"Características da residência (há figuras em anexo): Casa de alvenaria, alguns cômodos forrado,
piso tipo cerâmica, telha tipo eternit, algumas paredes rebocadas outras não, umas pintadas
outras não, algumas com marcas de umidade e rachadura, com aproximadamente 40 mt², com
cinco cômodos e área de serviço: sala com jogo de sofá, estante com TV e parabólica; quarto do
periciado com cama e guarda roupa (deixado pela avó quando saiu da casa para eles morarem);
banheiro completo com piso e meia parede tipo cerâmica; cozinha com piso e parede tipo
cerâmica com armários, micro ondas, geladeira, fogão, pia com armário, mesa com o material
ampliado do periciado; quarto dos pais do periciado com cama de casal, guarda roupa (deixado
pela avó), ventilador, prateleira e porta boné; área de serviço na frente da casa com bicicleta,
tanque, tanquinho, maquina de lavar roupa, baldes, fogão, sofá, piso tipo vermelhão; corredor
coberto ao lado da área de serviço com cachorro, armário, bicicletas, prateleiras. Na frente da
casa varal e cobertura de garagem com o carro do tio do periciado Cleiton Lucas da Silva que
viajou e deixou o carro guardado na garagem. Casa limpa e organizada, com pouco mobiliário e
eletrodoméstico, mas em boas condições de manutenção. Rua asfaltada com meio fio e calçada.
As condições físicas de moradia atendem as necessidades da família."
A corroborar a situação habitacional, há relatório fotográfico, que confirma a descrição elaborada
no laudo.
As despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água e esgoto (R$ 22,66) e energia
elétrica (R$ 104,95), gás (R$ 50,00), alimentação (R$ 500,00) e medicamentos (R$ 75,00), não
fornecidos pela rede pública de saúde.
Há relato de débito de IPTU.
O vindicante faz uso de óculos, "que custou R$ 630,00, doado pela ex patroa da mãe".
Quando necessário, a assistência social fornece cesta básica, gás e medicação. A Secretaria da
Saúde disponibiliza transporte para tratamento médico do requerente, realizado na cidade de
Marília, e a Secretaria de Educação fornece o material ampliado e o lápis B6, levando-o para
reforço na Associação Jacarezinhense de Deficientes Auditivos e Deficientes Visuais – AJADAVI,
na cidade de Jacarezinho/PR, duas vezes por semana.
Os ganhos da família advinham dos ganhos obtidos pelo genitor, trabalhador rural sem registro,
auferindo em torno de R$ 500,00 mensais. A genitora estava incluída no Programa Municipal
Frente de Trabalho, recebendo, aproximadamente, R$ 250,00 mensais. Além disso, a família
recebia a transferência de R$ 184,00, pelo Programa Bolsa Família.
Dos registros do CNIS haure-se, mais, que os genitores principiaram vínculos laborais no ano de
2017, como empregados domésticos.
A genitora trabalhou entre 01/04/2017 a 11/03/2019. Recebeu salário inicial de R$ 1.300,00,
chegando a R$ 1.385,00 por ocasião da rescisão, que se deu sem justa causa, por iniciativa do
empregador. Averbe-se que recebeu salário maternidade entre 21/06/2018 a 18/10/2018.
O genitor labora desde 01/05/2017. Recebia, inicialmente, R$ 1.300,00. No ano de 2019, recebeu
R$ 1.385,00, até o mês de abril, e, após, R$ 1.500,00. No ano de 2020, obteve a média salarial
de R$ 1.641,66.
A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão dos rendimentos percebidos do Programa Bolsa Família, por força do Decreto nº
6.135/2007, que dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, c/c
o item 16.7 da OI INSS/DIRBEN nº 81/2003.
Assim, mesmo considerando o nascimento de um irmão do autor, no mês de junho/2018, verifica-
se que, nos meses em que ambos os genitores desempenharam atividades laborais,
concomitantemente, vale dizer, de maio/2017 a março/2019, a renda familiar per capita suplantou
a metade do salário mínimo.
De se esclarecer que o salário mínimo, no ano de 2016, era de R$ 880,00; em 2017, de R$
937,00; em 2018, de R$ 954,00; em 2019, de R$ 998,00, e, em 2020, de R$ 1.039,00.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante
da benesse, desde a data de entrada do requerimento administrativo. Nesse sentido: APELREEX
00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j.
30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona Turma, Relator Juiz
Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.
De se ponderar, contudo, que a perícia médica, devidamente fundamentada, concluiu pela
incapacidade temporária do pretendente, estabelecendo o prazo de 24 meses para a sua
reavaliação, a contar da realização da perícia, em 25/07/2016. Portanto, em 25/07/2018.
Não obstante, já, em maio/2017, a renda familiar per capita ultrapassou a metade do salário
mínimo, então, vigente, patamar que, segundo a jurisprudência, assegura o mínimo à
sobrevivência da parte autora, que, no mais, vem sendo assistida em suas necessidades
especiais, conforme relato da própria genitora, à assistente social:
"A mãe do periciado informou que ela e o marido trabalhavam registrados como caseiros na
cidade de Chavantes/SP, em casa a beira da represa, como a condução da prefeitura não ia
buscar o periciado para tratamento na cidade de Marília/SP e para reforço visual na cidade de
Jacarezinho/PR, o casal resolveu mudar para a cidade de Canitar que há mais recursos
municipais (educação, saúde e assistência social) e para atender e melhorar o desenvolvimento
do periciado; o periciado tem disponibilidade/acesso a instrumento adaptados ou especialmente
projetados capazes de melhorar a sua situação de saúde/funcionalidade/mobilidade, como os
materiais ampliados, lápis 6 B (cor preta mais forte), mas o periciado frequenta o 5° ano do
ensino regular e não há professora de apoio, o material ampliado não é o suficiente para a
dificuldade visual do periciado, necessitando de professor de apoio; periciado faz uso de óculos
que custou R$ 630,00 doado pela ex patroa da mãe, faz reforço/estimulação visual na AJADAVI
duas vezes por semana a condução da secretaria de educação faz o transporte; há dificuldade de
acesso do periciado a escola, por causa das calçadas, distancia e já foi atropelado havendo
sempre a necessidade de alguém acompanhá-lo; para o reforço e estimulo visual se desloca de
um estado ao outro para receber o atendimento também acompanhado pela mãe; a família é
beneficiada pelos programas de natureza publica municipal na área da educação com material
ampliado, condução para AJADAVI; na área da saúde com medicamentos, tratamento na cidade
de Marília e condução que os leva; na área da assistência social com cesta básica, gás, alguns
medicamentos."
De se fixar, assim, o termo final do benefício, em 01/05/2017, lembrando-se que o benefício de
prestação continuada é regido pela cláusula "rebus sic stantibus", de modo que, alterado esse
cenário, pode a parte autora postular administrativamente a concessão de novo benefício
assistencial, submetendo, inclusive, ao crivo da Administração, as alterações, a partir de então,
vivenciadas no contexto fático.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Conquanto imperiosa a mantença da condenação da autarquia em honorários advocatícios, esta
deve ser fixada em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, nos termos do inciso II
do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil, observando-se o disposto nos §§ 3º, 5º e 11
desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas entre os termos inicial e
final do benefício.
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para estabelecer o
termo final do benefício em 01/05/2017, conforme delineado. Fixo os juros de mora e a correção
monetária, bem assim a verba honorária, nos termos da fundamentação supra.
Independentemente do trânsito em julgado, comunique-se ao INSS para cancelamento do
benefício implantado por força da tutela antecipada concedida na sentença.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO. TERMO FINAL.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Incontroversa a deficiência e constatada, pelo laudo pericial, a hipossuficiência econômica, é
devido o Benefício de Prestação Continuada.
- Termo final do benefício estabelecido em 01/05/2017, data a partir da qual ambos os genitores
do autor passaram a desempenhar atividades laborais, concomitantemente, alçando a renda
familiar per capita a valor superior à metade do salário mínimo, patamar que, segundo a
jurisprudência, assegura-lhes o mínimo à sobrevivência.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Tutela antecipada revogada. ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as
acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do
INSS, revogando a tutela antecipada, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
