Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
6075259-83.2019.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado LEILA PAIVA MORRISON
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
04/06/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 05/06/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Possibilidade de juntada de documentos após a sentença, desde que respeitados os princípios
do contraditório e da ampla defesa, como sucedeu no caso em tela. Precedentes.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.
- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observado o disposto no
art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil,que manteve a sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser a
parte autora beneficiária da justiça gratuita.
- Remessa oficial não conhecida.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Apelação do INSS provida. Sentença reformada para julgar improcedente o pedido.
Acórdao
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº6075259-83.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCOS SEIDE KITANISHI
Advogado do(a) APELADO: RAPHAEL APARECIDO DE OLIVEIRA - SP267737-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº6075259-83.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCOS SEIDE KITANISHI
Advogado do(a) APELADO: RAPHAEL APARECIDO DE OLIVEIRA - SP267737-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação, interposto pelo INSS, em face da r. sentença, submetida ao
reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a Autarquia
Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício assistencial a pessoa deficiente, a partir da
citação, em 21/06/2016, discriminados os consectários e arbitrada verba honorária em 10% sobre
o total das prestações vencidas até a sentença.
Postula, o INSS, preambularmente, a recepção do apelo no duplo efeito. No mérito, pretende que
seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a ausência de comprovação de
miserabilidade. Junta, aos autos, cópia de petições iniciais de duas ações de despejo, movidas
pelo demandante, relativamente a imóvel de sua propriedade, nas quais fora qualificado como
empresário e autônomo. Debate, ainda, que a perícia social fora realizada na casa de um primo
do proponente, o qual não integra de seu núcleo familiar.
Em sede de contrarrazões, alega, a parte autora, que se encontra em estado de vulnerabilidade
social. Informa que, ante as suas condições de saúde, mudou-se da cidade de Barretos, para
residir com um primo, no município de Guaíra/SP. À época, locou o imóvel de sua propriedade,
para auxiliar no custeio das despesas mensais. Com o agravamento do seu estado de saúde,
voltou a residir no município de Barretos, com um irmão, conforme comprova a complementação
do laudo social produzido nos autos. Suscita, por fim, o prequestionamento legal para efeito de
interposição de recursos.
Ascendendo os autos a esta c. Corte, foi aberta vista ao Ministério Público Federal, ex vi do art.
31 da Lei nº 8.742/93 c/c o art. 199, § 1º, do RI/TRF 3ª Região, tendo sido restituídos sem
manifestação do Órgão Ministerial.
É o relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº6075259-83.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCOS SEIDE KITANISHI
Advogado do(a) APELADO: RAPHAEL APARECIDO DE OLIVEIRA - SP267737-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Afigura-se incorreta a submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I do Código de Processo Civil atual, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, dispõe que a sentença não será submetida ao reexame necessário quando a
condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000
(mil) salários mínimos, em desfavor da União ou das respectivas autarquias e fundações de
direito público.
No caso dos autos, considero as datas do termo inicial do benefício e da prolação da sentença,
em 06/09/2019 (doc. 97764682). Atenho-me ao valor da benesse, de um salário mínimo. Verifico
que a hipótese em exame não excede os mil salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Pois bem. Admito, primeiramente, a juntada das cópias das petições iniciais das ações de
despejo movidas pelo requerente, acostadas pelo INSS aos docs. 97764697, 97764699,
97764701 e 97764703, uma vez que a jurisprudência pátria vem tolerando sejam colacionados
documentos após a sentença, desde que respeitados os princípios do contraditório e da ampla
defesa.
Confira-se:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO. RECURSO ESPECIAL.
SUPOSTA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO NO
ACÓRDÃORECORRIDO. JUNTADA DE DOCUMENTOS EM SEDE DE APELAÇÃO.
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO NÃO OCORRÊNCIA.
1. Não havendo no acórdão recorrido omissão, obscuridade ou contradição, não fica
caracterizada ofensa ao art. 535 do CPC.
2. 'A juntada de documento s com a apelação é possível, desde que respeitado o contraditório e
inocorrente a má-fé, com fulcro no art. 397 do CPC' (REsp 980.191/MS, 3ª Turma, Rel. Min.
Nancy Andrighi, DJe de 10.3.2008; AgRg no REsp 1.120.022/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Hamilton
Carvalhido, DJe de 2.6.2010).
3. 'O prazo prescricional previsto no art. 174 do CTN só se inicia com a apreciação, em definitivo,
do recurso administrativo (art. 151, inciso III, do CTN)', conforme 'precedentes do Superior
Tribunal de Justiça' (REsp 1.197.885/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 22.9.2010).
4. Agravo regimental não provido. (Destaquei)
(STJ - AgRg no AREsp: 167845 RJ 2012/0071582-6, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, Data de Julgamento: 26/06/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe
03/08/2012)
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO
AGRAVO LEGAL (ART. 557, § 1º, DO CPC). JUNTADA DE DOCUMENTO AOS AUTOS NA
FASE RECURSAL. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. POSSIBILIDADE. APOSENTADORIA
POR TEMPO DE SERVIÇO PROPORCIONAL. MULHER. CUMPRIU A REGRA DE
TRANSIÇÃO. DECISÃO AGRAVADA PARCIALMENTE PROVIDA PARA REFORMA DA
DECISÃO.
1. Pretendendo a embargante o efeito modificativo da decisão, os embargos de declaração
deverão ser submetidos ao pronunciamento do Colegiado, convertidos em agravo, em face dos
princípios da fungibilidade e celeridade processual.
2. É possível a juntada de documento na fase recursal , para que seja preservada a função
instrumental do processo, desde que plenamente respeitados os princípios do contraditório e da
ampla defesa, e não se verificando má-fé por parte da autora, nos termo do art. 397 do CPC.
3. A parte autora faz jus à concessão do benefício de aposentadoria proporcional por tempo de
serviço, eis que cumpriu a regra de transição prevista no art. 9º da referida Emenda
Constitucional e atingiu a idade de 48 (quarenta e oito) anos, devendo ser observado o disposto
nos artigos 53, inciso I, 28, 29 e 142, da Lei nº 8.213/91
4. Embargos de declaração recebidos como agravo legal e parcialmente provido. (Destaquei)
(TRF/3ª Região, AC 00019479420114036140, DESEMBARGADORA FEDERAL LUCIA URSAIA,
DÉCIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 de 05/12/2012.)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
JUNTADA DE DOCUMENTO S NOVOS NA FASE RECURSAL . POSSIBILIDADE. EMBARGOS
ACOLHIDOS.
1. A apresentação de prova documental é admissível inclusive na fase recursal , desde que não
caracterizada a má-fé e observado o contraditório (REsp 888.467/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Luis
Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01/09/2011). Ademais, em prol da verdade real e em
atenção à dificuldade de os segurados especiais acessarem documento s que amparam de sua
pretensão, o formalismo exacerbado deve ser afastado, evitando-se, assim, injustiça com os mais
desvalidos.
2. Caso concreto: documentos trazidos com os embargos de declaração: certidão de nascimento
do autor constando a profissão do pai como lavrador (fls. 69) e certificado de reservista do autor
informando a profissão de agricultor (fls. 70); Prova testemunhal (fl. 41): o autor sempre
desenvolveu atividades rurais, cessando-as em virtude da doença; Laudo pericial (fls. 15/39):
concluiu pela incapacidade total e permanente do autor.
3. São requisitos para a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e de auxílio-
doença a comprovação da qualidade de segurado da Previdência Social e o preenchimento do
período de carência de 12 (doze) contribuições mensais, com exceção das hipóteses
enumeradas no art. 26, II, da Lei 8.213/91, e a comprovação de incapacidade para o exercício de
atividade laborativa.
4. No caso de trabalhador rural, não se exige cumprimento de carência para fins de
aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença (arts. 26, II, e 39, I, da Lei 8.213/91).
5. Atendidos os requisitos indispensáveis à concessão do benefício de aposentadoria rural por
invalidez em testilha - início de prova material da atividade rural alegada, devidamente
corroborado por prova testemunhal sólida, e ainda a incapacidade para o exercício de atividade
laboral - mostrou-se incorreto o acórdão que reformou a sentença de procedência.
6. Embargos de declaração acolhidos com efeitos modificativos. Sentença de procedência
mantida quanto o mérito, modificados apenas consectários, conforme voto do Relator.
(Destaquei)
(TRF/1ª Região, EDAC 007494759201040191990074947-59.2010.4.01.9199,
DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO NEVES DA CUNHA, SEGUNDA TURMA, e-DJF1
de 12/04/2016)
Conforme certidão aposta no doc. 97764708, foi ensejada, ao autor, oportunidade para
manifestação quanto aos referidos documentos, o que fez em sede de contrarrazões ao recurso
de apelação. De consequência, factível, juridicamente, levá-los em linha de conta no presente
julgamento.
Passo, assim, à análise do mérito.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
Na espécie, o requisito da deficiência restou incontroverso no átrio judicial.
Apenas, por elucidativo, o laudo médico colacionado ao doc. 97764592, realizado em 17/07/2017,
considerou que o autor, então, com 50 anos de idade e que reporta nunca ter trabalhado, é
portador de epilepsia e rebaixamento mental leve, apresentando capacidade laborativa pequena e
de difícil aproveitamento no mercado de trabalho, visto poder realizar, apenas, atividades de
baixa complexidade e sob a supervisão de terceiros.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar os estudos sociais
produzidos em 10/07/2017 e 28/10/2018, coligidos aos docs. 97764597 e 97764649, págs. 25/37.
O primeiro deles, realizado na casa do primo do autor, Paulo Okino, em Guaíra/SP, e o
derradeiro, na casa do irmão, Maurício Issamo Kitanishi, em Barretos/SP.
Destaque-se que, durante as visitas domiciliares, o autor “não conseguiu manter o diálogo e
responder os questionamentos realizados”, portanto, as entrevistas sociais foram realizadas com
o irmão deste, Maurício Issamo Kitanishi.
Do histórico colhido dos autos, haure-se que o autor residia no município de Barretos/SP, com a
genitora, até o falecimento desta, em 2014, ano em que agilizado o requerimento administrativo
visando à concessão do benefício de prestação continuada (doc. 97764554).
Quando do ajuizamento da demanda, no ano de 2016, morava com o primo, Paulo Okino, em
Guaíra/SP, conforme endereço declinado na procuração, declaração de pobreza, contrato de
honorários advocatícios e comprovante de endereço (docs. 97764551 a 97764553).
Devido ao agravamento do seu estado de saúde, retornara à cidade de Barretos/SP, no início de
junho de 2017, para morar com o irmão, “conviver com a família e realizar exames e
acompanhamento de saúde através do SUS – Sistema único de saúde”.
A família do irmão é constituída por este, a cunhada, e quatro sobrinhos, de 21, 19 e dois de 18
anos, idades correspondentes à data do derradeiro estudo socioeconômico.
Segundo informou o irmão, o “autor fica parte da semana em sua companhia e se deus filhos,
mas retorna para sua casa a cada quatro dias ou aos finais de semana”.
O irmão reside na Rua Braulino Maria Barbosa, nº 1.406, Bairro Paulo Prata, e o autor, na
Avenida Dez de Março, nº 644, Bairro Derby Club.
Trata-se, a casa do autor, de imóvel herdado dos genitores, tendo sido cedido ao promovente,
pelos demais irmãos, sete, ao todo.
Conquanto não tenha sido possívelà assistente social verificar a moradia do vindicante, foi
relatado que “é composta por 3 quartos, 1 sala, 1 cozinha, 1 banheiro. Área de serviço e quintal
cimentado com uma pequena área de terra onde seus pais faziam plantio de hortaliças. Conforme
descreveram, o forro é de madeira, piso frio e pintura bem conservada, pois pintaram a casa toda
recentemente”. O bairro é residencial, urbanizado e com pouco risco social. Há disponibilidade de
equipamentos públicos, pequenos comércios e Unidade Básica de Saúde.
A cunhada, “aos finais de semana, faz a limpeza e organização da casa”.
As despesas da família do irmão, à época do laudo, giravam em torno de R$ 2.085,00,
consistindo em tarifas de água (R$ 30,00) e energia elétrica (R$ 300,00), IPTU (R$ 350,00, anual,
quitado à vista, no início do ano), gás (R$ 55,00), alimentação (R$ 1.000,00) e faculdade dos
sobrinhos (R$ 700,00).
O irmão mantém o demandante financeiramente, fornece-lhe plano de saúde, alimentação,
medicamentos e óculos. Especificamente, em relação à parte autora, foram reportados os
seguintes dispêndios: alimentação e produtos de higiene (R$ 250,00), refeição do almoço (R$
20,00 por semana), medicação (R$ 300,00) e consulta com médico neurologista, a cada seis
meses (R$ 250,00). Recebe vestuário por doação.
O irmão possui automóvel, uma saveiro, ano 2000.
Trabalha como horticultor em seu domicílio, obtendo renda média de R$ 2.500,00. Um dos
sobrinhos labora como atendente/temporário, recebendo R$ 30,00 por dia, e outro, caixa, aufere
um salário mínimo.
Vê-se, mais, das petições iniciais das ações de despejo movidas pelo requerente, que o mesmo é
proprietário de um imóvel residencial, também, no município de Barretos, localizado na Avenida
Antônio Frederico Ozanam (Contorno), nº 2.251, Bairro Jardim Allah (docs. 97764697, 97764699,
97764701 e 97764703). O imóvel fora locado entre 04/03/2013 a 03/09/2015, pelo valor mensal
de R$ 439,36, além de IPTU, no importe de R$ 64,48, e renovado, para os mesmos locatários,
com prazo de vigência de 04/12/2015 a 03/06/2018, pelo valor mensal de R$ 480,00 e IPTU de
R$ 71,62.
Cabe pontuar, por fim, que o irmão do promovente e os seus não integram o conceito de família,
na acepção da Lei nº 12.435/2011, para efeito de concessão do Benefício de Prestação
Continuada.
Não obstante, tão-somente a renda advinda da locação do imóvel de propriedade do autor já lhe
assegura renda per capita superior à metade do salário mínimo. De se esclarecer que, no ano de
2015, o salário mínimo era de R$ R$ 788,00 e, no ano de 2018, de R$ 954,00.
Destarte, os elementos de convicção coligidos aos autos propiciam intuir estar o requerente
alijado do rol de beneficiários da verba reclamada
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, o autor “tem boa convivência e interação com os familiares, que o respeitam muito”.
“Tem total apoio do seu irmão Maurício e sua família”, que lhe “ofertam os cuidados necessários
para sua sobrevivência”.
E, como se sabe, dentre os escopos do benefício de prestação continuada, não está o de
suplementar renda ou propiciar maior conforto ao interessado. A propósito: AC
00394229420044039999, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, TRF3, Nona Turma,
DJU 24/11/2005.
Assim, não restou comprovada situação de hipossuficiência, ainda que por outros meios
probantes, como indicado no sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em
repercussão geral.
Não se descarte a possibilidade de alteração desse cenário, no decorrer do tempo, a ponto de,
eventualmente, justificar-se a concessão do benefício, hipótese em que resta, de todo modo,
franqueado à parte autora deduzir nova postulação quanto à outorga da benesse pleiteada.
Acerca do prequestionamento suscitado pela autoria, assinalo não haver qualquer infringência à
legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO DA REMESSA OFICIAL E DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO
DO INSS, PARA REFORMAR A SENTENÇA E JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO.
Condeno a parte autora em honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da
causa, observado o disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil, que manteve a
sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Possibilidade de juntada de documentos após a sentença, desde que respeitados os princípios
do contraditório e da ampla defesa, como sucedeu no caso em tela. Precedentes.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.
- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observado o disposto no
art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil,que manteve a sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser a
parte autora beneficiária da justiça gratuita.
- Remessa oficial não conhecida.
- Apelação do INSS provida. Sentença reformada para julgar improcedente o pedido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial e dar provimento à apelação do INSS,
para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
