Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000364-71.2019.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
26/07/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 30/07/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Incontroversa a deficiência e constatada, pelo laudo pericial, a hipossuficiência econômica, é
devido o Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento
administrativo. Precedentes.
- Dedução, do período abrangido pela condenação, do interregno de 02/05/2016 a 01/06/2017,
em que o cônjuge da autora esteve empregado, assegurando renda familiar per capita superior à
metade do salário mínimo.
- Correção monetária, honorários advocatícios e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Tutela antecipada de mérito concedida.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000364-71.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: LUCIA DUARTE DE LIMA
Advogado do(a) APELADO: ELTON LOPES NOVAES - MS13404-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000364-71.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: LUCIA DUARTE DE LIMA
Advogado do(a) APELADO: ELTON LOPES NOVAES - MS13404-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação, apresentado peloINSS, em face da r. sentença, não submetida
ao reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a
Autarquia Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício assistencial a pessoa deficiente,
desde a data de entrada do requerimento administrativo, em 18/08/2014. Determinou-se
acréscimo, ao valor do benefício, decorreção monetária consoante Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e obediência à Súmula nº 148 do Colendo
Superior Tribunal de Justiça, juros moratórios à ordem de 12% (doze por cento) ao ano, a contar
da citação, custas processuais e verba honorária arbitrada em 10% do valor da condenação,
incidente sobre as parcelas vencidas até a sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior
Tribunal de Justiça. Vide doc. 26887974, págs. 15, 136/141 e 149/179.
Postula, o INSS, preambularmente, a recepção do apelo no duplo efeito. No mérito, pretende seja
reformado o julgado, sustentando a ausência de comprovação de miserabilidade. Insurge-se,
outrossim, quanto ao termo inicial do benefício, correção monetária, custas processuais e
honorários advocatícios. Suscita, por fim, o prequestionamento legal para efeito de interposição
de recursos.
Com as contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta Corte, sobrevindo manifestação
desta, no doc. 45272366, a conclamar a antecipação dos efeitos da tutela de mérito.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo provimento da apelação do INSS,
bem assim pelo indeferimento da antecipação de tutela requerida pela apelada.
Em síntese, o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000364-71.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: LUCIA DUARTE DE LIMA
Advogado do(a) APELADO: ELTON LOPES NOVAES - MS13404-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I do Código de Processo Civil atual, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, dispõe que a sentença não será submetida ao reexame necessário quando a
condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000
(mil) salários mínimos, em desfavor da União ou das respectivas autarquias e fundações de
direito público.
No caso dos autos, considero as datas do termo inicial do benefício e da prolação da sentença,
em 04/06/2018 (doc. 26887974, págs. 136/141). Atenho-me ao valor da benesse, de um salário
mínimo. Verifico que a hipótese em exame não excede os mil salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez cumpridos os requisitos de admissibilidade
previstos no Código de Processo Civil atual.
Previsto no art. 203, caput, da CR/88 e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de natureza
assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua concessão
desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado, atrelando-
se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência, nos termos
do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da ausência de
meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo suprido pela
família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼ (um quarto)
do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
Na espécie, o requisito da deficiência restou incontroverso no átrio judicial.
Apenas, por elucidativo, o laudo médico colacionado ao doc. 26887974, págs. 69/79, realizado
em 28/06/2016, considerou a autora, então, com 59 anos de idade, trabalhadora rural, sem
alfabetização, portadora de insuficiência cardíaca congestiva e cardiomiopatia dilatada, inapta ao
trabalho, pelas restrições às atividades que exijam sobrecarga ou esforços físicos, consorciadas à
sua idade.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 26887974, págs. 106/109, produzido em 19/09/2017.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a parte autora reside no município de Anastácio/MS,
com o cônjuge, de 66 anos, um irmão, de 62 anos, uma filha, de 24 anos, o genro, de 27 anos, e
uma neta, de três anos, idades correspondentes à data do estudo socioeconômico.
Moram em casa própria, em regular estado de conservação, provida com móveis e
eletrodomésticos suficientes para atendimento aos moradores, contudo, deteriorados e sem valor
economicamente apreciável.
O imóvel localiza-se em rua asfaltada, no entanto, não há rede de esgoto, tampouco proximidade
a hospital. O município em que residem não conta com transporte público.
No que diz com a elucidação da renda familiar, verifica-se, pelos extratos do CNIS acostados ao
doc. 26887974, págs. 118/131, que o cônjuge da vindicante titulariza o benefício de
aposentadoria por idade, com renda de um salário mínimo, e o genro, empregado do Frigorífico
JBS, aufere salário de R$ 1.081,69.
Aponta, ainda, a entidade securitária, que o cônjuge da promovente, conquanto aposentado,
manteve-se no mercado de trabalho entre 02/05/2016 e1º/06/2017, recebendo salário de R$
963,00, nos meses de maio de 2016 a fevereiro de 2017, e de R$ 1.036,00, de março a maio de
2017, com implicações diretas no cômputo da renda da unidade familiar e, pois, na demonstração
do contexto de precariedade financeira.
Ressai, por fim, do estudo social, que o irmão da requerente “presta pequenos serviços
esporadicamente, limpando terrenos, sendo que durante a entrevista, a família não soube
especificar uma renda média”.
Quanto a este, presume, o INSS, no documento referenciado, que obtém, quando menos, renda
mensal de um salário mínimo. Certamente, não ultrapassa aludido patamar, considerada a
natureza braçal do labor por ele desempenhado.
Averbe-se, por oportuno, que a filha da promovente e os seus não integram o conceito de família,
na acepção da Lei nº 12.435/2011, para efeito de concessão do Benefício de Prestação
Continuada.
Cabe, também, lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a exclusão
do benefício percebido pelo consorte da demandante, em aplicação analógica ao art. 34 do
Estatuto do Idoso, nos moldes do citado precedente do Excelso Pretório.
Destarte, os elementos de convicção coligidos aos autos autorizam concluir que, apenas nos
meses em que este manteve-se em atividade, a renda familiar per capita da autora e de seu
irmão suplantou metade do salário mínimo, quantum que, segundo a jurisprudência, assegura o
mínimo à sobrevivência.
Veja-se a opinião da perita social no sentido de que, do ponto de vista sociológico, justifica-se a
concessão do benefício assistencial requerido, exarada em setembro/2015, quando o cônjuge da
requerente já havia ultimado o vínculo empregatício:
“Sra. Lúcia, 61 anos de idade, depende de seu esposo, Sr. Antonio, para prover seu sustento. Os
demais componentes da familia auxiliam dentro de suas possibilidades, vez que o genro dela é
responsável pelas despesas da esposa e da filha do casal, de três anos, além de pensão
alimentícia para o filho de relacionamento anterior e o irmão, Sr. Crisântemo, labora realizando
serviços de natureza braçal, sem renda fixa.
Segundo os familiares, a idosa necessita de acompanhamento médico continuo e alimentação
balanceada para que os medicamentos consigam controlar adequadamente os sintomas da
doença cardíaca. No entanto, a renda familiar seria insuficiente para atender o seu quadro de
saúde.
Diante do exposto, inferiu-se que, no momento, a autora, Sra. Lúcia, necessita do benefício
assistencial.”
De se esclarecer que à época do estudo social o salário mínimo era de R$ R$ 937,00.
Nesse cenário, resta configurada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no
sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar
o implante da benesse desde a data de entrada do requerimento administrativo, nos moldes do
comando sentencial.
Contudo, descabe o recebimento concomitante da prestação assistencial entre 02/05/2016 e
1º/06/2017, período em que a renda familiar per capita da proponente excedeu meio salário
mínimo.
Nesse sentido, a jurisprudência deste E. Tribunal, tirada de situações parelhas:
“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART.
496, § 3º, I, NCPC. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. art. 203, CAPUT, DA CR/88, E
LEI Nº 8.742/1993. TERMO INICIAL. - A hipótese em exame não excede os 1.000 salários
mínimos, sendo incabível a remessa oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do NCPC. -
Presentes os requisitos legais, é devido o benefício de prestação continuada, a partir da data de
entrada do requerimento administrativo. Precedentes. - Dedução, do período abrangido pela
condenação, do interregno de julho/2014 a agosto/2015, em que o padrasto do autor esteve
empregado, assegurando renda familiar per capita superior à metade do salário mínimo. -
Remessa oficial não conhecida. - Apelo do INSS desprovido. - Parecer do Órgão Ministerial
acolhido em parte.”
(ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2310207 0019414-08.2018.4.03.9999,
DESEMBARGADORA FEDERAL ANA PEZARINI, TRF3 - NONA TURMA, e-DJF3 Judicial 1
DATA:04/02/2019)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. art. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E
LEI Nº 8.742/93. PESSOA DEFICIENTE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. BENEFÍCIO
DEVIDO. 1. Preenchido o requisito da deficiência, bem como comprovada a ausência de meios
de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, é devida a concessão do
benefício assistencial de que tratam o art. 203, inciso V, da Constituição Federal e a Lei nº
8.742/93. 2. Termo inicial fixado na data do requerimento administrativo, descontado o período
em que filho da apelante esteve empregado, uma vez que somente nos demais períodos restou
demonstrada a implementação dos requisitos legais. 3. Os juros de mora e a correção monetária
deverão observar o disposto na Lei nº 11.960/09 (STF, Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário 870.947, 16/04/2015, Rel. Min. Luiz Fux). 4. Honorários advocatícios arbitrados em
15% (quinze por cento) sobre o valor das prestações vencidas entre o termo inicial do benefício e
a data do acórdão, conforme entendimento sufragado pela 10ª Turma desta Corte Regional. 5.
Sem custas ou despesas processuais, por ser a autora beneficiária da assistência judiciária
gratuita. 6. Apelação da parte autora parcialmente provida.”
(AC 00049172320174039999, Décima Turma, Relatora Desembargadora Federal Lúcia Ursaia, e-
DJF3 Judicial 1 DATA:29/06/2017)
Fixada a procedência da postulação, passo à análise dos consectários.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do
benefício deve ser mantido a partir do requerimento administrativo. Nesse sentido: APELREEX
00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j.
30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona Turma, Relator Juiz
Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.
Averbe-se que o laudo pericial apenas retratou situação ensejadora da outorga da benesse,
preexistente à sua confecção.
No mais, deve ser deduzido, do período abrangido pela condenação, o interregno de 02/05/2016
a 1º/06/2017, em que o cônjuge da parte autora, conquanto aposentado, manteve-se empregado.
Cumpre, outrossim, esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do
RE 870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere à correção
monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão exarada
pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirá correção monetária em conformidade com os
critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na
Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de relatoria do
Ministro Luiz Fux.
Quanto à modulação dos efeitos da decisão do citado RE, destaca-se a pendência de apreciação,
pelo STF, de Embargos de Declaração, ficando remarcada, desta forma, a sujeição da questão
da incidência da correção monetária ao desfecho do referido leading case.
Conquanto imperiosa a mantença da condenação da autarquia em honorários advocatícios, esta
deve ser fixada em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, nos termos do inciso II
do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil, observando-se o disposto nos §§ 3º, 5º e 11
desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão
concessiva do benefício, nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Está o instituto previdenciário isento do pagamento de custas processuais, consoante o art. 4º,
inciso I, da Lei Federal n. 9.289/96, art. 6º, da Lei do Estado de São Paulo n. 11.608/2003 e das
Leis do Mato Grosso do Sul, de n. 1.135/91 e 1.936/98, alteradas pelos arts. 1º e 2º, da Lei n.
2.185/2000. Excluem-se da isenção as respectivas despesas processuais, além daquelas devidas
à parte contrária.
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Por fim, tendo em vista o teor da presente decisão, resta prejudicado o pleito de efeito suspensivo
formulado pelo INSS em suas razões recursais.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para determinar a
dedução, do período abrangido pela condenação, do interregno de 02/05/2016 a 1º/06/2017, nos
termos da fundamentação, e fixar os critérios de incidência da correção monetária, bem assim de
cálculo da verba honorária, isentando, ainda, a entidade securitária de custas processuais, na
forma explicitada.
Em atenção a expresso requerimento da parte autora, e considerando tratar-se de verba de
caráter alimentar, consorciada à sua idade e ao estado de saúde, antecipo os efeitos da tutela de
mérito, nos termos dos arts. 300, caput, e 536 do Código de Processo Civil.
Oficie-se ao INSS com cópia dos documentos necessários, para que sejam adotadas medidas
para a imediata implantação do benefício, independentemente de trânsito em julgado.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Incontroversa a deficiência e constatada, pelo laudo pericial, a hipossuficiência econômica, é
devido o Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento
administrativo. Precedentes.
- Dedução, do período abrangido pela condenação, do interregno de 02/05/2016 a 01/06/2017,
em que o cônjuge da autora esteve empregado, assegurando renda familiar per capita superior à
metade do salário mínimo.
- Correção monetária, honorários advocatícios e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Tutela antecipada de mérito concedida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS e antecipar os efeitos da tutela
de mérito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
