Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0007052-13.2014.4.03.6119
Relator(a)
Juiz Federal Convocado VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
26/07/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 31/07/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos. Não se mostra possível aremessa
oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Atuando a Defensoria Pública da União, na representação da parte autora, contra pessoa
jurídica que integra a mesma Fazenda Pública, descabe a condenação do INSS ao pagamento de
verba honorária. Súmula nº 421 do c. Superior Tribunal de Justiça.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007052-13.2014.4.03.6119
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: HELENA MARIA DE SOUZA
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007052-13.2014.4.03.6119
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: HELENA MARIA DE SOUZA
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação do INSS interposta em face da r. sentença, não submetida ao reexame
necessário, que, em ação visando ao restabelecimento do benefício de auxílio-doença ou à
concessão de aposentadoria por invalidez e, subsidiarimente, de benefício de prestação
continuada a pessoa deficiente, julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a
Autarquia Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício assistencial, desde a data do
requerimento administrativo formulado em 14/05/2013, acrescido de correção monetária, de
acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, até a
edição da Lei nº 11.960/09, e, após, pelo IPCA-E; juros de mora na forma do art. 1º F da Lei nº
9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/2009; despesas processuais em reembolso e
honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo estabelecido no § 3º do art. 85 do
Código de Processo Civil, observados os §§ 5º e 11 do mesmo dispositivo, bem como a Súmula
nº 111 do c. Superior Tribunal de Justiça, ratificados os efeitos da tutela de mérito antecipada
initio litis. Vide doc. 31018290, págs. 254/266 e 294/297.
Em seu recurso, aduz o INSS, preambularmente, necessidade da submissão da sentença ao
reexame necessário. Postula, outrossim, a suspensão do cumprimento dos efeitos da sentença.
No mérito, pretende que seja reformado o julgado, sustentando a ausência dos requisitos à
outorga da benesse. Insurge-se, ainda, quanto à correção monetária, juros de mora e honorários
advocatícios. Suscita, por fim, o prequestionamento legal para efeito de interposição de recursos.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer. Opinou pelo desprovimento da apelação.
Em síntese, o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007052-13.2014.4.03.6119
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA VANESSA MELLO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: HELENA MARIA DE SOUZA
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I do Código de Processo Civil atual, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, dispõe que a sentença não será submetida ao reexame necessário quando a
condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000
(mil) salários mínimos, em desfavor da União ou das respectivas autarquias e fundações de
direito público.
No caso dos autos, considero as datas do termo inicial do benefício e da prolação da sentença,
em 23/05/2018 (doc. 31018290, págs. 254/266). Atenho-me ao valor da benesse, de um salário
mínimo. Verifico que a hipótese em exame não excede os mil salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez cumpridos os requisitos de admissibilidade
previstos no Código de Processo Civil atual.
Previsto no art. 203, caput, da CR/88 e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de natureza
assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua concessão
desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado, atrelando-
se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência, nos termos
do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da ausência de
meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo suprido pela
família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼ (um quarto)
do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do
Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência
social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral, na
esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de que padece o
demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o acompanha, impõem-lhe
significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr, participar de brincadeiras,
acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário perquirir quanto à existência ou
não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º, doDecretonº 6.214/2007. (...) V - Embargos
Infringentes do INSS a que se nega provimento.” (EI 994950, Relator Desembargador Federal
Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3 14/09/2011)
Ainda, o posicionamento da Nona Turma deste E. Tribunal no mesmo sentido, nos seguintes
julgados: AC 0008758-60.2016.4.03.9999, D.E. 24/11/2016; AC 0002545-37.2013.4.03.6121,
D.E. 04/11/2016; AC 0007387-51.2012.4.03.6103, D.E. 24/11/2016.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 31018290, págs. 88/95, realizado em
26/11/2014, considerou a autora, então, com 53 anos de idade, empregada doméstica, com
ensino fundamental completo, portadora de sequela neurológica grave decorrente de acidente
vascular cerebral ocorrido no ano de 2005.
A autora evoluiu com quadro motor caracterizado por hemiparesia à esquerda e déficit cognitivo
severo. A hemiparesia foi totalmente revertida, mediante tratamento fisioterápico, no entanto, o
déficit cognitivo cronificou-se, sem sinais de melhora ao longo dos anos, com comprometimento
da memória, pensamento, crítica e juízo.
Em função do comprometimento cognitivo, a pericianda passou a apresentar limitações funcionais
severas, com perda de controle esfincteriano e necessidade de uso de fraldas geriátricas,
tornando-se dependente de terceiros para os atos da vida cotidiana.
Além disso, apresenta hipertensão arterial sistêmica e diabete mellitus, controladas por
medicação específica e sem sinais de complicação para órgãos-alvo.
Concluiu, o expert, que, em decorrência do quadro neurológico grave, a vindicante encontra-se
incapacitada ao labor, de forma total e permanente, dependendo de terceiros para a realização
das atividades diárias, desde quando ocorreu o acidente vascular cerebral.
Nesse cenário, a constatação da perícia médica autoriza concluir pela existência de
comprometimento ou restrições sociais decorrentes da enfermidade verificada, por mais de 2
(dois) anos, configurando-se, por conseguinte, quadro de deficiência necessário à concessão do
benefício de prestação continuada, nos termos estabelecidos no art. 20, § 10, da Lei nº
8.742/1993.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 31018290, págs. 193/206, produzido em 11/07/2017.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a parte autora reside no município de Guarulhos/SP,
com a genitora, de 76 anos, e o padrasto, de 78 anos, idades correspondentes à data do estudo
socioeconômico.
Moram em casa de propriedade do padrasto, edificada em alvenaria, composta por dois quartos,
cozinha, banheiro e uma pequena área de serviço, guarnecidos por móveis e utensílios em
perfeito estado de conservação, higienizados adequadamente e em condições de atender a
família.
O imóvel localiza-se em bairro dotado de infraestrutura urbana, com acesso a redes de água,
esgoto e energia elétrica, pavimentação asfáltica e proximidade a serviços públicos. Trata-se de
construção simples, mas em boas condições, rebocada, pintada, com laje, piso de cerâmica e
azulejada.
A genitora apresenta hipertensão arterial, reumatismo, problema na tireóide e artrose nos joelhos.
O padrasto tem hérnia no intestino, gastrite e câncer de próstata. Realiza tratamento médico no
Hospital das Clínicas. Todos fazem uso de medicação contínua.
As despesas, à época do laudo, giravam em torno de R$ 1.200,00, consistindo em tarifa de
energia elétrica (R$ 240,00), gás (R$ 60,00), alimentação (R$ 400,00) e medicamentos (R$
500,00), não fornecidos pela rede pública de saúde.
A água vem de “poço no terreno” e a família recebe, mensalmente, uma cesta básica do igreja.
Os ganhos da família advém do benefício de pensão por morte titularizado pela genitora, no valor
de um salário mínimo, à época, de R$ 937,00.
A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão do mencionado benefício, em aplicação analógica ao art. 34 do Estatuto do Idoso, nos
moldes do citado precedente do Excelso Pretório, de modo que não resta, como passível de
consideração jurídica, qualquer valor percebido pela proponente.
Dois dos cinco filhos da proponente auxiliam-na com R$ 100,00, mas, apenas, no aniversário e
no dia das mães. Os demais filhos, sequer, a visitam.
Sopesados, então, todos os elementos probantes amealhados, temos que a autora comprova não
mais possuir meios de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família, a
amparar a outorga do benefício pleiteado.
Reforça mais essa conclusão, a opinião da perita no sentido de que, do ponto de vista
sociológico, a autora e sua família passam por situação de vulnerabilidade social.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante
da benesse nos moldes do comando sentencial.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Quanto à modulação dos efeitos da decisão do citado RE, destaca-se a pendência de apreciação,
pelo STF, de Embargos de Declaração, ficando remarcada, desta forma, a sujeição da questão
da incidência da correção monetária ao desfecho do referido leading case.
Por sua vez, atuando a Defensoria Pública da União, na representação da parte autora, contra
pessoa jurídica que integra a mesma Fazenda Pública, descabe a condenação do INSS ao
pagamento de verba honorária, conforme Súmula nº 421 do STJ.
Nessa toada, precedente do c. STJ:
"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. PARTE
AUTORA ASSISTIDA POR DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
NÃO CABIMENTO. CONFUSÃO CARACTERIZADA. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 421/STJ. 1.
Discute-se nos autos a aplicação ou não da Súmula 421/STJ quando a Defensoria Pública da
União demanda contra o INSS. 2. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no
julgamento do REsp 1.199.715/RJ, representativo de controvérsia, de Relatoria do Ministro
Arnaldo Esteves Lima, julgado em 16/2/2011 pela Corte Especial, publicação no DJe de
12/4/2011, firmou o entendimento de que não são devidos honorários advocatícios à Defensoria
Pública quando ela atua contra pessoa jurídica de direito público que integra a mesma Fazenda
Pública. 3. Hipótese em que a Fazenda Pública abarca tanto a autarquia previdenciária quanto a
Defensoria Pública da União. Incidência da Súmula 421/STJ. 4. Recurso Especial provido". (STJ,
RESP 201702275472, RESP - RECURSO ESPECIAL - 1699966, Relator Min. HERMAN
BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJE 18/12/2017).
Em idêntico sentido, os paradigmas desta E. Nona Turma:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. DECISÃO MONOCRÁTICA.
CPC/1973. art. 557. PEDIDO RECURSAL DO INSS. LIMITE. REABILITAÇÃO PROFISSIONAL.
ULTRA PETITA. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO.
ILEGITIMIDADE ATIVA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. - Considerando que a decisão
atacada foi proferida na vigência do CPC/1973, aplicam-se ao presente recurso as regras do art.
557 e §§ daquele código. - Conquanto a concessão de ofício de reabilitação profissional é medida
ínsita à concessão do benefício por incapacidade temporário, quando se apura a incapacidade
parcial, melhor analisando a questão conclui-se que o julgador realmente não poderia ter
concedido o serviço ex officio. Contudo, não há falar-se em julgamento extra petita, mas sim ultra
petita porquanto concedido ao autor mais do que o pleiteado. Assim, preserva-se o julgado
mediante a simplória redução do dispositivo aos limites do pedido recursal do INSS. - Noutro
passo, a parte autora não possuía legitimidade extraordinária para requerer honorários para
entidades públicas (no caso, a Defensoria Pública da União), de modo que o recurso não deve
ser conhecido por ilegitimidade ativa, na forma do art. 3º do CPC/1973. - De todo modo, os
honorários advocatícios são indevidos, porque a Defensoria Pública não é instituição destinada a
arrecadar honorários de advogado, à medida que os defensores públicos possuem remuneração
que independe das condenações obtidas em processos judiciais. Dito isso, aplica-se ao caso o
disposto na súmula 421 do STJ, mutatis mutandis, pois o INSS é autarquia federal que integra a
Administração Indireta, tendo sido publicada no DJe em 11/3/2010, em período posterior à Lei
Complementar nº 132, publicada em 08/9/2009, que alterou o inciso XXI do art. 4º da LC 80/94.
Até que seja eventualmente revogada pelo Superior Tribunal de Justiça, opta-se pela aplicação
da súmula. - Agravo legal parcialmente conhecido e, na parte conhecida, parcialmente provido."
(AC 00096429420134036119, Relator Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, e-DJF3 Judicial 1
DATA:26/09/2016)
"AÇÃO ORDINÁRIA - PREVIDENCIÁRIO - INDEVIDO O DESCONTO REALIZADO SOBRE O
QUINHÃO DE PENSÃO DA MÃE, EM RAZÃO DE POSTERIOR DESDOBRAMENTO DA
VERBA, EM FAVOR DE FILHO INVÁLIDO, ESTE ÚLTIMO A TER USUFRUÍDO DOS VALORES
RECEBIDOS PELA GENITORA, ANTERIORMENTE À FORMAL DIVISÃO - ATUALIZAÇÃO E
JUROS NA FORMA DO MANUAL DE CÁLCULOS, OBSERVADO O DISPOSTO NA LEI N.
11.960/2009 - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS INDEVIDOS - ATUAÇÃO DA DEFENSORIA
PÚBLICA DA UNIÃO AOS AUTOS - SÚMULA 421, STJ, E RECURSO REPETITIVO 1199715 -
PROCEDÊNCIA AO PEDIDO - PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL - PROVIMENTO
À APELAÇÃO, REFORMADA A R. SENTENÇA PARA BALIZAR A FORMA DE
CORREÇÃO/JUROS DA RUBRICA E SUPRIMIR OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS
1.Os descontos realizados pelo INSS, em razão do posterior desdobramento da pensão, em prol
do filho do de cujus, ressentem-se de lógica. 2.Como bem apurado pela r. sentença, a autora é
curadora do filho que gerou com o extinto, significando dizer que o recebimento de 100% da
pensão não impediu a reversão do dinheiro, também, em favor da prole. 3.Técnica e
efetivamente, correto o desdobramento para que cada beneficiário tenha discriminado o seu
quinhão; contudo, na prática, para o caso concreto, evidente que o filho foi agraciado com os
proveitos decorrentes da verba previdenciária, levando-se em consideração, ainda, sua condição
de inválido. 4.Indevidos os descontos realizados pelo INSS e, por este motivo, lídima a restituição
do que decotado em desfavor da parte demandante. 5.Quanto aos critérios de aplicação da
correção monetária, reformulando entendimento anterior, esta deve ser aplicada nos termos da
Lei n. 6.899/81 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de
Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, observado o disposto na Lei n. 11.960/2009,
consoante Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 16/4/2015, Rel. Min. Luiz Fux. 6.Aos autos a
defesa do polo particular foi efetivada pela Defensoria Pública da União, assim indevida a fixação
de verba honorária, matéria pacificada pelo C. STJ, tanto por meio da Súmula 421, como pelo
Recurso Repetitivo 1199715, in verbis. Precedente. 7.Parcial provimento à remessa oficial.
Provimento à apelação, reformada a r. sentença para balizar a forma de correção/juros da rubrica
e suprimir os honorários advocatícios fixados." (APELREEX 00371222020124036301, Relator
Juiz Convocado Silva Neto, e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/08/2016)
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Por fim, tendo em vista o teor da presente decisão, resta prejudicado o pleito de efeito suspensivo
formulado pelo INSS em suas razões recursais.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para excluir a
condenação em verba honorária, bem como fixar os juros de mora nos termos da fundamentação
supra, explicitando os critérios de incidência da correção monetária.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos. Não se mostra possível aremessa
oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Atuando a Defensoria Pública da União, na representação da parte autora, contra pessoa
jurídica que integra a mesma Fazenda Pública, descabe a condenação do INSS ao pagamento de
verba honorária. Súmula nº 421 do c. Superior Tribunal de Justiça.
- Apelação do INSS parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
