Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5288498-90.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/07/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 03/07/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- O laudo é concludente e bem descreve a situação vivenciada pela parte autora, notadamente,
no que concerne às suas condições de saúde e moradia, composição familiar, renda familiar
mensal e despesas, nos termos exigidos pelo art. 20, § 6º, da Lei nº 8.742/93, c/c o art. 16, § 2º,
do Decreto nº 6.214/2007, constituindo, assim, prova objetiva, segura e satisfatória quanto ao
requisito da hipossuficiência.
- Cabe, ao magistrado, no uso de seu poder instrutório, analisar a suficiência da prova para
formular seu convencimento.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada, a partir da citação.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Verba honorária de sucumbência recursal majorada na forma do § 11 do art. 85 do Código de
Processo Civil.
- Apelo do INSS parcialmente provido.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5288498-90.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: HELENA BARBOSA DE SOUZA
Advogados do(a) APELADO: CAETANO ANTONIO FAVA - SP226498-N, GUILHERME
FINISTAU FAVA - SP277213-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5288498-90.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: HELENA BARBOSA DE SOUZA
Advogados do(a) APELADO: CAETANO ANTONIO FAVA - SP226498-N, GUILHERME
FINISTAU FAVA - SP277213-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, não submetida ao
reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a Autarquia
Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício assistencial a pessoa deficiente, desde a
data de distribuição da ação, em 31/05/2017, antecipados os efeitos da tutela de mérito. O
decisum condenou, ainda, o ente autárquico, ao pagamento dos atrasados, acrescidos de
correção monetária e juros de mora, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos
para os Cálculos na Justiça Federal, arbitrando verba honorária em 10% das parcelas vencidas
até a sentença, nos termos da Súmula nº 111 do c. Superior Tribunal de Justiça.
Aduz, o apelante, preambularmente, que o requerimento administrativo formulado pela vindicante
remonta ao ano de 2005, equivalendo, a seu sentir, à ausência de prévio requerimento
administrativo ao ajuizamento da demanda. Pugna, outrossim, pela reforma da sentença,
sustentando, em síntese,a ausência dos requisitos exigidos à outorga do benefício. Acrescenta
que não há, nos autos, qualquer documentação comprobatória da alegada separação do
consorte, inferindo, daí, que a demandante escondeu a verdade dos fatos e omitiu dados
fundamentais ao julgamento da lide, razão pela qual pleiteia sua condenação nas penas de
litigância de má-fé. Requer, ainda, a restituição de valores eventualmente recebidos a título de
antecipação de tutela. Insurge-se, por fim, quanto à correção monetária e aos juros de mora.
Suscita o prequestionamento legal para efeito de interposição de recursos.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5288498-90.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: HELENA BARBOSA DE SOUZA
Advogados do(a) APELADO: CAETANO ANTONIO FAVA - SP226498-N, GUILHERME
FINISTAU FAVA - SP277213-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I do Código de Processo Civil atual, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, dispõe que a sentença não será submetida ao reexame necessário quando a
condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000
(mil) salários mínimos, em desfavor da União ou das respectivas autarquias e fundações de
direito público.
No caso dos autos, considero as datas do termo inicial do benefício e da prolação da sentença,
em 28/11/2018, quando houve a antecipação dos efeitos da tutela (doc. 35584569). Atenho-me
ao valor da benesse, de um salário mínimo. Verifico que a hipótese em exame não excede os mil
salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Pois bem. Discute-se o direito da parte autora à concessão de benefício assistencial a pessoa
deficiente.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 35584555, realizado em 25/04/2018,
considerou a autora, então, com 54 anos de idade, ensino primário até 3ª série e que trabalhou
como rurícola até idos de 1998, portadora de hipertensão arterial, artrite reumatoide, osteoartrose
e transtorno misto ansioso depressivo, que a incapacitam ao exercício de todas as atividades
laborais, de forma total e permanente.
O perito fixou a data de início da incapacidade, em setembro de 1996.
Do estudo social, coligido ao doc. 35584538, produzido em 17/04/2018, ressai, mais, que "a
requerente se encontra incapaz de realizar suas tarefas diárias, pois suas mãos estão com os
dedos atrofiados, faz o uso de bengala para ajudar a se locomover, encontra-se com muita
dificuldade para caminhar e possui prótese nos joelhos, necessitando de alguém que a
acompanhe aos lugares, como ir ao médico".
Nesse cenário, a constatação das perícias judiciais autorizam concluir pela existência de
comprometimento ou restrições sociais decorrentes da enfermidade verificada, por mais de 2
(dois) anos, configurando-se, por conseguinte, quadro de deficiência necessário à concessão do
benefício de prestação continuada, nos termos estabelecidos no art. 20, § 10, da Lei nº
8.742/1993.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o mencionado estudo social.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a autora reside sozinha, no município de Valparaíso/SP.
Separou-se do consorte, no início de 2014. Informou, a propósito, que "o seu marido foi embora
para o nordeste, deixando sem nada".
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia da promovente:
"A residência é de alvenaria precisando de reparos, pois as paredes se encontram com muitas
infiltrações, composta por 01 quarto, 01 sala, 01 cozinha, banheiro, sendo uma casa simples. Os
móveis que guarnecem o imóvel são: 01 fogão, 01 armário de cozinha, 01 geladeira, 01 rack, 01
televisor, 01 jogo de sofá, 01 cama de casal, 01 guarda-roupa. São móveis muito simples."
Foram reportadas despesas com tarifas de água (R$ 34,83) e energia elétrica (R$ 56,00) e gás
(R$ 70,00), suportadas por um irmão e pelo filho da proponente, casado, cujo "salário é baixo e
mal dá para sustentar a família".
A assistente social consignou que "a atual situação socioeconômica apresentada é extremamente
preocupante, visto que a requerente não apresenta qualquer rendimento financeiro que lhe
proporcione o mínimo de dignidade e autossustentabilidade, ficando sujeita a viver da caridade
alheia, já que a mesma apresenta vários problemas de saúde, impossibilitada para o trabalho,
necessitando da ajuda de amigos e vizinhos".
De se afastar, por fim, as cogitações do INSS, postas nas razões recursais, no sentido de que a
vindicante permaneceria casada, e o cônjuge auferiria renda considerável.
Assim porque a assistente social, perita especializada e de confiança do juízo, realizou visita
domiciliar, in loco, cujo laudo é concludente e bem descreve a situação vivenciada pela parte
autora, notadamente, no que concerne às suas condições de saúde e moradia, composição
familiar, renda familiar mensal e despesas, nos termos exigidos pelo art. 20, § 6º, da Lei nº
8.742/93, c/c o art. 16, § 2º, do Decreto nº 6.214/2007, constituindo, assim, prova objetiva, segura
e satisfatória quanto ao requisito da hipossuficiência.
Ademais, cabe, ao magistrado, no uso de seu poder instrutório, analisar a suficiência da prova
para formular seu convencimento. Cite-se, a respeito, art. 130 do Código de Processo Civil de
1973 e art. 370, da atual lei processual.
Restou, portanto, demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no
sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar
o implante da benesse.
Importante ponderar que, na linha da jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, inclusive
em sede de repercussão geral (Recurso Especial nº 1.369.165/SP), os benefícios por
incapacidade devem ser concedidos, em regra, a partir do requerimento administrativo ou, na sua
ausência, da citação.
Na hipótese vertente, houve requerimento administrativo do beneplácito, datado de 23/02/2005.
Além disso, os registros do CNIS revelam que, por força de decisão judicial, a vindicante
titularizou o benefício de amparo social à pessoa portadora de deficiência, entre 09/09/1996 e
31/10/2010. Reporto-me aos docs. 35584585, pág. 1, e 35584585.
A distribuição da ação deu-se em 31/05/2017.
De se pontuar, a esse respeito, que, em relação ao benefício assistencial, vige a cláusula rebus
sic stantibus, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93.
Assim, diante do significativo lapso temporal transcorrido entre os marcos acima, o termo inicial
do benefício, consoante julgados proferidos no âmbito desta Corte Regional, deve ser fixado na
data da citação da autarquia securitária.
Nesse sentido, os seguintes arestos:
“AGRAVO LEGAL. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. TERMO INICIAL DO
BENEFÍCIO. AUSENCIA DE COMPROVAÇÃO DO REQUISITO DE MISERABILIDADE AO
TEMPO DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPROVIMENTO. 1 - O benefício de
prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93,
com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais
(artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria
manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº
8.742/93. 2 - Diante da jurisprudência dos E. Tribunais Superiores, para a constatação da
hipossuficiência social familiar, há que se levar em consideração as peculiaridades de cada caso
concreto. 3 - Quanto ao termo inicial do benefício, verifico que o beneficio assistencial foi cessado
em 23/01/2006 uma vez que a requerente declarou que o núcleo familiar era composto tão
somente por ela e seu marido, e que perfaziam um rendimento mensal no importe de um salário
mínimo, gerando uma renda per capita maior que ¼ do salário mínimo. Instada a apresentar sua
defesa, a autora informou que a família era composta por oito pessoas. Ante a divergência
apresentada, e ainda considerando a falta de documentos comprobatórios, a autarquia cessou o
benefício em janeiro de 2006. Por outro lado, a presente demanda foi ajuizada somente em
13/07/2011, e decorrido mais de cinco anos da cessação, não se pode aferir que a condição
socioeconômica da família àquele tempo fosse a mesma da atual, ou mesmo que estivesse a
autora em situação de miserabilidade. Na realidade, ante o grande lapso temporal ocorrido entre
a cessação do benefício e o ajuizamento desta ação, a situaçãoequipara-seaausência de
requerimento administrativo,e desta forma o termo inicial do benefício deve ser fixado na data da
citação da autarquia (19/09/2011- fls. 25), momento em que o requerido teve ciência da pretensão
da autora. 4 - Agravo legal improvido.” (destaquei)
(APELREEX 00041089420114036102, Relator Desembargador Federal Paulo Domingues,
Sétima Turma, e-DJF3 Judicial 08/06/2016)
“AGRAVO LEGAL. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. TERMO INICIAL DO
BENEFÍCIO. AUSENCIA DE COMPROVAÇÃO DO REQUISITO DE MISERABILIDADE AO
TEMPO DOREQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.IMPROVIMENTO. 1 - O benefício de prestação
continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a
redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo
34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e
nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93. 2 -
Diante da jurisprudência dos E. Tribunais Superiores, para a constatação da hipossuficiência
social familiar, há que se levar em consideração as peculiaridades de cada caso concreto. 3 - Em
que pese a existência da enfermidade incapacitante desde que a autora era criança, não há prova
nos autos de que, à época do pedido administrativo estivesse preenchido o requisito de
miserabilidade necessário à concessão do benefício, especialmente em razão dotempo
decorridoentre a data do requerimento (12/09/2000 - fls. 108) e o ajuizamento desta ação
(19/12/2012). Portanto, equiparada a situação à ausência de pedido administrativo, o termo inicial
do benefício deveria ser fixado na data da citação, em 16/07/2013 - fls. 92, momento em que o
INSS teve ciência da pretensão da autora. 4 - Agravo legal improvido.” (destaquei)
(APELREEX 00042925620124036121, Relator Juiz Convocado Miguel Di Pierro, Sétima Turma,
e-DJF3 Judicial 16/07/2015)
No mesmo diapasão, a jurisprudência desta E. Nona Turma:
“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. CABIMENTO. ART. 475, § 2º,
CPC/1973. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203,CAPUT, DA CR/88, E
LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO. LAPSO
TEMPORAL DECORRIDO ENTRE O INDEFERIMENTO DO PEDIDO ADMINISTRATIVO E A
PROPOSITURA DA AÇÃO. ART. 21,CAPUT, DA LEI Nº 8.742/93. CLÁUSULAREBUS SIC
STANTIBUS. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. EQUIPARAÇÃO.
- Considerando as datas do termo inicial do benefício concedido e da prolação da sentença, bem
como o valor da benesse, verifica-se que a hipótese em exame excede os 60 salários mínimos,
sendo cabível a remessa oficial, nos termos do art. 475, § 2º, do CPC/1973.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Implementado o requisito etário e constatada, pelo laudo socioeconômico, a hipossuficiência, é
devido o Benefício de Prestação Continuada.
-In casu, houve requerimento administrativo visando à concessão de Benefício de Prestação
Continuada há quase doze anos do ajuizamento da demanda, e o conjunto probatório produzido
nos autos não permite aferir que, à época do pedido administrativo, estivesse preenchida a
condicionante da miserabilidade.
- Em relação ao benefício assistencial, vige a cláusularebus sic stantibus, nos termos do art. 21,
caput, da Lei n. 8.742/93.
- A hipótese vertente equipara-se à ausência de requerimento administrativo, como condição para
o ajuizamento da demanda, situação em que o termo inicial do benefício deve ser fixado na data
da citação da autarquia, momento em que teve ciência da pretensão autoral. Precedentes desta
Corte Regional.
(...)
- Remessa oficial e apelação do INSS parcialmente providas.”
(AC/REO PJe (1728) Nº 5000261-69.2016.4.03.9999, Relatora Des. Fed. Ana Pezarini, j.
10/7/2017)
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Diante da sucumbência recursal e da regra prevista no § 11 do art. 85 do Código de Processo
Civil, considerando a devida majoração da verba honorária, seu percentual passa a ser fixado em
20% sobre a base cálculo considerada pelo Juízo a quo.
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para fixar o termo inicial
do benefício, na data da citação. Explicito os critérios de incidência dos juros de mora e da
correção monetária e majoro a verba honorária de sucumbência recursal, na forma delineada.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- O laudo é concludente e bem descreve a situação vivenciada pela parte autora, notadamente,
no que concerne às suas condições de saúde e moradia, composição familiar, renda familiar
mensal e despesas, nos termos exigidos pelo art. 20, § 6º, da Lei nº 8.742/93, c/c o art. 16, § 2º,
do Decreto nº 6.214/2007, constituindo, assim, prova objetiva, segura e satisfatória quanto ao
requisito da hipossuficiência.
- Cabe, ao magistrado, no uso de seu poder instrutório, analisar a suficiência da prova para
formular seu convencimento.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
Benefício de Prestação Continuada, a partir da citação.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Verba honorária de sucumbência recursal majorada na forma do § 11 do art. 85 do Código de
Processo Civil.
- Apelo do INSS parcialmente provido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
