Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0000496-10.2015.4.03.6135
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
24/08/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 26/08/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
restabelecimento do Benefício de Prestação Continuada recebido pelo autor, bem assim a
inexigibilidade do débito previdenciário oriundo da aludida benesse.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000496-10.2015.4.03.6135
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANDRE PARDINHO DUARTE
REPRESENTANTE: GESSE PARDINHO DUARTE
Advogado do(a) APELADO: JULIO CESAR ADAO - SP317142-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000496-10.2015.4.03.6135
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANDRE PARDINHO DUARTE
REPRESENTANTE: GESSE PARDINHO DUARTE
Advogado do(a) APELADO: JULIO CESAR ADAO - SP317142-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, não submetida ao
reexame necessário, que julgou procedentes os pedidos deduzidos na inicial, de
restabelecimento do benefício assistencial da parte autora, a partir da cessação, em 01/07/2014,
bem assim de inexigibilidade do débito previdenciário oriundo da aludida benesse, mantidos os
efeitos da tutela antecipados initio litis.
O decisum condenou, ainda, o ente autárquico, ao pagamento dos atrasados, acrescidos de
correção monetária e juros de mora de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos
para os Cálculos na Justiça Federal, observada a prescrição quinquenal parcelar, e arbitrada
verba honorária em 10% do valor da condenação.
Pretende, o apelante, que seja reformada a sentença, sustentando, em síntese, a ausência dos
requisitos à manutenção da benesse, razão pela qual os valores indevidos devem ser restituídos.
Insurge-se, outrossim, quanto à correção monetária, juros de mora e honorários advocatícios.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000496-10.2015.4.03.6135
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANDRE PARDINHO DUARTE
REPRESENTANTE: GESSE PARDINHO DUARTE
Advogado do(a) APELADO: JULIO CESAR ADAO - SP317142-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I do Código de Processo Civil atual, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, dispõe que a sentença não será submetida ao reexame necessário quando a
condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000
(mil) salários mínimos, em desfavor da União ou das respectivas autarquias e fundações de
direito público.
No caso dos autos, considero as datas do termo inicial do benefício e da prolação da sentença,
quando houve a antecipação dos efeitos da tutela, em 12/12/2018 (doc. 86064012). Atenho-me
ao valor da benesse, de um salário mínimo. Verifico que a hipótese em exame não excede os mil
salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso vertente, o postulante, nascido em 08/11/1981, titularizou o Benefício de Prestação
Continuada NB 135.964.097-2, desde 25/08/2005, quando foi cientificado pelo INSS, por ofício
datado de 05/06/2014, acerca de indício de irregularidade consistente no recebimento indevido da
aludida benesse, a partir de 01/03/2007, visto que sua genitora e, então, curadora, veio a
aposentar-se por invalidez, nessa data, com renda mensal inicial de R$ 1.037,06, o que elevou a
renda familiar, superando ¼ do salário mínimo per capita à época vigente. O benefício
assistencial do demandante foi cessado em 01/07/2014 e a Autarquia Previdenciária requereu a
devolução dos valores recebido a esse título, entre março de 2007 e maio de 2014, montando,
em julho/2014, a R$ 56.033,05. Reporto-me aos docs. 86063832 e 86063834.
Pois bem. No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 86063991, produzido em
12/06/2018, considerou o autor, então, com 37 anos de idade e que nunca frequentou a escola,
tampouco, exerceu atividade laboral, portador de microcefalia e, em decorrência disso, de
deficiência mental grave, de forma total e permanente.
Nesse cenário, a constatação da perícia médica autoriza concluir pela existência de
comprometimento ou restrições sociais decorrentes da enfermidade verificada, por mais de 2
(dois) anos, configurando-se, por conseguinte, quadro de deficiência necessário à concessão do
benefício de prestação continuada, nos termos estabelecidos no art. 20, § 10, da Lei nº
8.742/1993.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 86063881, produzido em 09/10/2017.
Segundo o laudo adrede confeccionado, o autor reside no município de Caraguatatuba/SP, com a
família de seu irmão e curador, Gessé Pardinho Duarte, de 37 anos, constituída por este, a
cunhada, Gersi Aparecida dos Reis Duarte, de 42 anos, e dois filhos do casal, de onze e treze
anos, idades correspondentes à data do estudo socioeconômico.
De acordo com a sentença proferida em 21/02/2017, em ação de interdição (processo nº
1006403-56.2015.8.26.0126, tramitado junto à 1ª Vara Cível de Caraguatatuba/SP), a genitora do
requerente foi sua curadora entre os anos de 2006 e 2015, quando substituída, em razão de
doença grave desta, pelo irmão Gessé Pardinho Duarte (doc. 86063875, págs. 3/5).
Conforme constatação realizada por oficial de justiça, o interditado residia, no ano de 2015, com o
irmão Gessé Pardinho Duarte, que lhe prestava todos os cuidados necessários.
A família deste reside em casa própria, composta por quarto, sala, cozinha e banheiro.
A residência "não acomoda a todos de maneira adequada". O irmão dorme com a esposa em
colchão no chão da cozinha/sala.
Ganhou, "dos irmãos da igreja", alguns materiais de construção para fazer o quarto do autor.
"Levantou um cômodo e banheiro (em fase de acabamento) com frente para a porta do quarto do
mesmo. Enquanto não termina esta construção, o autor dorme em um quarto na casa da mãe."
Transcrevo, por oportuno, excerto do laudo, sobre as condições de moradia da genitora do
proponente:
"Construção de alvenaria, sem pintura, apresenta umidade, situada em rua asfaltada, muro,
portão grande e pequeno de madeira com cobertura de telha de barro.
O imóvel e mobília encontram-se em bom estado de conservação e boas condições de higiene. O
imóvel possui rede de esgoto, possui luz elétrica, água tratada, coleta de lixo, escola, creches,
posto de saúde e transporte coletivo nas proximidades da moradia.
A mãe do autor reside em dois quartos, cozinha e dois banheiros, sendo um em construção (fase
de acabamento)."
A corroborar a situação habitacional, há relatório fotográfico, que confirma a descrição elaborada
no laudo.
As despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água (R$ 272,36) e energia elétrica (R$
114,69), gás (R$ 25,00, a cada dois meses), IPTU (R$ 400,00), NET (R$ 100,00), alimentação
(R$ 400,00) e medicamentos (R$ 200,00), não fornecidos pela rede pública de saúde.
O IPTU foi pago em parcela única, pelo curador, pelos genitores e por um outro irmão do autor,
Celso Pardinho Duarte, e as contas de água e luz, pelos dois irmãos e pelo pai.
A genitora auxilia, também, com alimentos.
Uma irmã do requerente, Selma Pardinho Duarte, casada, "vem todo o dia no horário das 09h00
às 12h00 limpar a casa da mãe, cuidar da roupa, banho, alimentação, etc.".
O autor não aufere renda.
Gessé Pardinho Duarte trabalhou até 26/10/2015, "pois tem que tomar conta do irmão e ajudar a
mãe que reside no mesmo quintal".
O sustento do pretendente é provido pelos ganhos obtidos pela cunhada e pelo auxílio dos pais e
do irmão Celso Pardinho Duarte.
A cunhada labora como empregada doméstica. Recebe salário de R$ 1.050,00.
Os genitores viveram juntos por quarenta anos. Estão separados "de corpos há dez anos". O
genitor, Gerson Gomes Duarte, de 65 anos, auxilia nos cuidados do autor, quando o irmão Gessé
Pardinho Duarte "precisa sair, às vezes leva o autor para cortar o cabelo, fazer barba, comprar
roupa calçados, etc." Recebe aposentadoria por tempo de contribuição, de valor mínimo. A
genitora, de 60 anos, recebe aposentadoria por invalidez no valor de R$ 1.405,50.
De se lembrar que os ganhos obtidos pelo irmão do autor e pela cunhada não se incluem na
contabilização da renda familiar, visto que estes não integram o conceito de família, na acepção
da Lei nº 12.435/2011, para efeito de concessão do Benefício de Prestação Continuada.
Muito embora a aposentadoria da genitora, com DIB em 01/03/2007, tenha sido acrescida à renda
familiar do autor, ao menos, durante o período em que com ela residiu, não há evidências de que
o valor recebido a esse título tenha sido suficiente para suprir as necessidades básicas de ambos,
mesmo porque, à evidência, ela vivenciava suas próprias contingências de saúde, tanto que a
sua aposentação decorre de invalidez.
Dessa forma, divisa-sea persistência da conjuntura de miserabilidade.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o
restabelecimento do benefício assistencial recebido pelo autor, bem assim a inexigibilidade do
débito previdenciário oriundo da aludida benesse, nos moldes do comando sentencial.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Conquanto imperiosa a mantença da condenação da autarquia em honorários advocatícios, esta
deve ser fixada em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, nos termos do inciso II
do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil, observando-se o disposto nos §§ 3º, 5º e 11
desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão
concessiva do benefício, nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para fixar a verba
honorária nos termos da fundamentação supra. Explicito os critérios de incidência dos juros de
mora e da correção monetária, conforme delineado.
É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Exma. Sra. Juíza Federal Convocada Vanessa Mello: O Desembargador Federal Batista
Gonçalves, em seu fundamentado voto, deuparcial provimento à apelação do INSS, para fixar a
verba honorária e explicitar os critérios de incidência dos juros de mora e da correção monetária.
Ouso, porém, apresentar divergência, pelas seguintes razões.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, regulamentado, atualmente,
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
Com a devida vênia, entendo não estar patenteada a miserabilidade para fins assistenciais.
Segundo o relatório socioeconômico (Id 86063881):
(i)- o autor reside com seu irmão e curador, Gessé Pardinho Duarte, a cunhada e dois sobrinhos
menores, em casa própria;
- consta do estudo social que possuem 04 celulares e, observo que as fotos da propriedade,
embora simples, é bem estruturada
(ii)RECEITA: a única renda declarada é da cunhada no valor de R$1050,00
Contudo: a genitora, que mora no mesmo terreno, recebe Aposentadoria no valor de R 1405,50 -
o genitor separado “de corpos” faz 10 anos auxilia nos cuidados do autor.
(iii)DESPESAS: (à época do laudo): consistiam em tarifas de água (R$ 272,36) e energia elétrica
(R$ 114,69), gás (R$ 25,00, a cada dois meses), IPTU (R$ 400,00), NET (R$ 100,00),
alimentação (R$ 400,00) e medicamentos (R$ 200,00), {o IPTU foi pago em cota única}.
Nessas circunstâncias, embora evidentemente a parte autora seja pobre, certo é que não se
encontra em situação de miserabilidade, uma vez que possui condições razoáveis de moradia e é
também assistido pelo genitor.
Ressalte-se que o já mencionado artigo 203, V, da Constituição Federal é claro ao estabelecer
que, para fins de concessão desse benefício, a responsabilidade do Estado é subsidiária.
Vale dizer: o benefício somente deve ser concedido àqueles que comprovem não possuir meios
de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Não se destina à
complementação de renda familiar.
Nesse sentido, reporto-me ao seguinte julgado (g. n.):
“CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ART. 203, INCISO V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. IMPROCEDÊNCIA
MANTIDA.
I - O Supremo Tribunal Federal, no RE n. 567.985, reconheceu a inconstitucionalidade parcial,
sem pronúncia de nulidade, do art.20, §3º, da Lei nº 8.742/93, e do art. 34, par. único, da Lei nº
10.741/2003.
II - a autora contava com 68 (sessenta e oito) anos, na data do requerimento administrativo, tendo
por isso a condição de idosa.
III - Os elementos de prova existentes nos autos apontam em sentido contrário à alegada
miserabilidade da autora.
V - Na época do estudo social, as despesas giravam em torno de R$ 1.300,00, consistindo em
alimentação, água, energia elétrica, farmácia e gás; ou seja, as despesas eram inferiores às
receitas.
VI - A autora não vive em situação de risco social ou vulnerabilidade social, não podendo o
benefício assistencial ser utilizado para fins de complementação de renda.
VII - O benefício assistencial não tem por fim a complementação da renda familiar ou
proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas sim, destina-se ao idoso ou deficiente em estado
de penúria, que comprove os requisitos legais, sob pena de ser concedido indiscriminadamente
em prejuízo daqueles que realmente necessitam, na forma da lei.
VIII - Apelação improvida.”
(TRF 3ª Região - AC n. 5562391-33.2019.4.03.9999 - 9ª Turma - Rel. Des. Fed. Marisa Santos -
05/11/2019, e-DJF3 Judicial 1, Data: 07/11/2019)
Assim, embora o pretendido benefício pudesse melhorar o padrão de vida do postulante e de sua
família, o sistema de assistência social foi concebido para auxiliar pessoas em situação de
penúria (incapazes de sobrevivência sem a ação do Estado), e não para incremento de padrão de
vida.
Diante do exposto, dou provimento à apelação do INSS, para julgar improcedente o pedido.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados
em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC,
ficando, porém, suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma legal,
por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
VANESSA MELLO
Juíza Federal Convocada
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
restabelecimento do Benefício de Prestação Continuada recebido pelo autor, bem assim a
inexigibilidade do débito previdenciário oriundo da aludida benesse.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
- Apelação do INSS parcialmente provida. ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são
partes as acima indicadas, a Nona Turma, por maioria, decidiu dar parcial provimento à apelação
do INSS, nos termos do voto do Relator, que foi acompanhado pela Juíza Federal Convocada
Leila Paiva e pelo Desembargador Federal Gilberto Jordan (4º voto). Vencida a Juíza Federal
Convocada Vanessa Mello, que dava provimento à apelação. Julgamento nos termos do disposto
no art. 942, caput e § 1º, do CPC, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
