Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5787468-60.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
03/09/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 04/09/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Constatada, pelo laudo pericial, a deficiência, e incontroversa a hipossuficiência econômica, é
devido o Benefício de Prestação Continuada.
- Descabe o desconto, do período abrangido pela condenação, dos interregnos em que o genitor
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
do proponente esteve empregado ou em gozo de benefício por incapacidade, visto que os ganhos
por ele auferidos perfazem renda per capita, ao núcleo familiar de quatro pessoas, composto pelo
vindicante, seus genitores e um irmão, inferior à metade do salário mínimo.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
-Acolhido em parte o o parecer ministerial.
-Apelação do INSS parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5787468-60.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GIAN GUIMARAES DA SILVA
REPRESENTANTE: MARIA APARECIDA GONCALVES GUIMARAES
Advogado do(a) APELADO: VANIA ROBERTA CODASQUIEVES PEREIRA - SP281217-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5787468-60.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GIAN GUIMARAES DA SILVA
REPRESENTANTE: MARIA APARECIDA GONCALVES GUIMARAES
Advogado do(a) APELADO: VANIA ROBERTA CODASQUIEVES PEREIRA - SP281217-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, não submetida ao
reexame necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a Autarquia
Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício assistencial a pessoa deficiente, a partir da
citação, em 24/02/2017. O decisum condenou, ainda, o ente autárquico, ao pagamento dos
atrasados, acrescidos de correção monetária e juros de mora, observando-se o decidido pelo
Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 870.947/SE, em sede de
repercussão geral, e de verba honorária arbitrada em 10% das parcelas vencidas até a sentença,
nos termos da Súmula nº 111 do c. Superior Tribunal de Justiça.
Postula, o INSS, preambularmente, a recepção do apelo no duplo efeito. No mérito, pretende que
seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a ausência de comprovação de impedimento
de longo prazo. Subsidiariamente, pugna pela anulação da sentença, para reabertura da
instrução probatória, procedendo-se à análise técnica por equipe multiprofissional, com base na
Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde - CIF. Insurge-se,
outrossim, quanto à correção monetária, juros de mora e honorários advocatícios.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo parcial provimento do recurso de
apelação interposto pelo INSS, para ressalvar a percepção do benefício no período de
29/01/2018 a 04/08/2019, em que o genitor do proponente esteve empregado, abstraída a análise
dos juros de mora, correção monetária e honorários advocatícios.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5787468-60.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GIAN GUIMARAES DA SILVA
REPRESENTANTE: MARIA APARECIDA GONCALVES GUIMARAES
Advogado do(a) APELADO: VANIA ROBERTA CODASQUIEVES PEREIRA - SP281217-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I do Código de Processo Civil atual, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, dispõe que a sentença não será submetida ao reexame necessário quando a
condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000
(mil) salários mínimos, em desfavor da União ou das respectivas autarquias e fundações de
direito público.
No caso dos autos, considero as datas do termo inicial do benefício e da prolação da sentença,
em 30/08/2018 (doc. 73280582). Atenho-me ao valor da benesse, de um salário mínimo. Verifico
que a hipótese em exame não excede os mil salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do
Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência
social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral, na
esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de que padece o
demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o acompanha, impõem-lhe
significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr, participar de brincadeiras,
acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário perquirir quanto à existência ou
não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º, doDecretonº 6.214/2007. (...) V - Embargos
Infringentes do INSS a que se nega provimento.” (EI 994950, Relator Desembargador Federal
Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3 14/09/2011)
Ainda, o posicionamento da Nona Turma deste E. Tribunal no mesmo sentido, nos seguintes
julgados: AC 0008758-60.2016.4.03.9999, D.E. 24/11/2016; AC 0002545-37.2013.4.03.6121,
D.E. 04/11/2016; AC 0007387-51.2012.4.03.6103, D.E. 24/11/2016.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 73280565, realizado em 17/04/2018,
considerou o autor, então, com 15 anos de idade, estudante da primeira série do ensino
fundamental, portador de Síndrome do Cromossomo X Frágil e de deficiência mental moderada
(deficiência intelectual).
O perito salientou, com base na Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e
Saúde – CIF, que a deficiência é considerada de grau moderado (25-49%) para funções, e ligeira
(5-24%), para estruturas do corpo.
Consignou que há indicações de alterações no desenvolvimento escolar do proponente, já, em
04/2009, com diagnóstico das patologias, em 09/2013.
Veja-se, a esse respeito, que o prontuário do menor, no Centro de Saúde II de Junqueirópolis, da
prefeitura do mesmo município, acusou, no ano de 2009, atraso em seu desenvolvimento
neurológico/idade mental, não acompanhando a idade cronológica.
O autor manteve-se com dificuldades de aprendizagem na escola e, em 2013, foi diagnosticada
deficiência intelectual e Síndrome do Cromossomo X Frágil, caracterizada, predominantemente,
por quadro de deficiência intelectual.
Necessita de procedimentos de estimulação global nas especialidades de psicologia,
psicopedagogia, fonoaudióloga, fisioterapia, terapia ocupacional e neurologia.
Devido ao atraso cognitivo, está permanentemente incapacitado para as atividades da vida
independente, da vida civil e para atividades profissionais remuneradas
Idêntico parecer foi emitido, em 17/09/2013, pelo Centro de Genética Médica da Escola Paulista
de Medicina da Universidade Federal de São Paulo.
Em 2014, o vindicante foi encaminhado para acompanhamento por equipe multidisciplinar da
APAE.
A devolutiva da APAE, datada 10/10/2016, após atendimento do requerente com fonoaudióloga,
psicóloga e assistente social, mostra que houve boa evolução física, sociocultural e da
fala/linguagem, contudo, houve, apenas, regular evolução cognitiva/intelectual.
Declaração da mesma instituição, emitida em 02/03/2017 e reiterada em 13/04/2018, mostra
seguimento deste em psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, equoterapia e assistência
social, apresentando, ainda, dificuldades no aspecto cognitivo, de leitura, escrita e linguagem.
Reporto-me aos docs. 73280437 a 73280445, 73280448, 73280449, 73280452, 73280453 e
73280464.
Atualmente, o demandante apresenta limitações psicológicas para autodeterminação e necessita
de supervisão e cuidados de terceiros para realizar as atividades diárias.
Ao exame neurológico, apresentou-se agitado, disperso, com atraso de raciocínio, dificuldade
para expressar-se durante a perícia e mudando de assunto facilmente.
O perito atestou que há bom prognóstico, caso o autor seja tratado corretamente, com
acompanhamento por equipe multidisciplinar, sem interrupção do tratamento, e sugeriu a
reavaliação do quadro, por médico psiquiatra, apenas, quando o menor atingir a idade laborativa.
Averbe-se que o laudo técnico foi elaborado por perito de confiança do juízo, trazendo elementos
suficientes para esquadrinhamento do comprometimento social atual da parte autora, ao lume de
suas condições clínicas e sociais, inclusive, utilizando-se da Classificação Internacional de
Funcionalidades, Incapacidade e Saúde – CIF, não se identificando, assim, excepcionalidade a
demandar a reabertura da instrução probatória, como pretende o INSS.
A constatação da perícia médica, consorciada aos demais elementos dos autos, autoriza concluir,
portanto, pela existência de comprometimento e restrições sociais para as atividades próprias da
idade da parte autora, pelo interregno referido pela lei, de modo que o quadro apresentado ajusta-
se ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, c/c o
art. 4º, inciso II e § 1º, do Decreto nº 6.214/2007.
No mais, conquanto o requisito da miserabilidade tenha restado incontroverso no átrio judicial,
requer, o Ministério Público Federal, a dedução, do período abrangido pela condenação, do
interregno de 29/01/2018 a 04/08/2019, em que o genitor do autor esteve empregado, auferindo
renda variável entre R$ 1.381,88 e R$ 2.173,57, sendo que, de 20/11/2018 a 20/01/2019,
recebeu auxílio-doença, com renda mensal de R$ 1.443,01, consoante registros do CNIS
colacionados ao doc. 100146352.
Sobre os ganhos da família, haure-se, ainda, do estudo social coligido ao doc. 73280553,
produzido em 10/12/2017, que, nos meses em que o genitor esteve desempregado, vivia dos
"bicos no corte de cana, o que lhe rende aproximadamente R$ 500,00 (quinhentos reais)
mensais".
A genitora, que "cursou até a antiga primeira série, mas não aprendeu a ler e nem escrever, disse
que assina o primeiro nome, o sobrenome já tem mais dificuldade, faz faxina uma vez por ano,
próximo às festividades, para uma senhora de idade, que paga R$ 50,00 (cinquenta reais) pelos
seus serviços".
Afora isso, recebem a transferência de R$ 140,00, do Programa Bolsa Jovem, e de R$ 70,00, do
Programa Renda Cidadã.
A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão dos rendimentos percebidos pela genitora, dada sua eventualidade, bem assim dos
aludidos programas sociais, por força do disposto no art. 4º do Decreto nº 6.214/2007 c/c o art. 8º,
III, "e", da Portaria Conjunta nº 3, de 21/09/2018, do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome e do INSS, e no Decreto nº 6.135/2007, que dispõe sobre o Cadastro Único
para Programas Sociais do Governo Federal, c/c o item 16.7 da OI INSS/DIRBEN nº 81/2003.
Computados, assim, os valores recebidos pelo genitor do postulante, entre 29/01/2018 a
04/08/2019, tem-se a média mensal de R$ 1.198,27, perfazendo renda per capita, ao núcleo
familiar de quatro pessoas, composto pelo vindicante, seus genitores e um irmão, inferior à
metade do salário mínimo. De se esclarecer que, no ano de 2018, o salário mínimo era de R$
954,00, e, em 2019, de R$ 998,00.
Descabe, por conseguinte, a desconto do período em que o genitor do proponente esteve
empregado ou em gozo de benefício por incapacidade, na linha da jurisprudência deste E.
Tribunal, a contrario sensu:
“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART.
496, § 3º, I, NCPC. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA
CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. TERMO INICIAL. - A hipótese em exame não excede os 1.000
salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do
NCPC. - Presentes os requisitos legais, é devido o benefício de prestação continuada, a partir da
data de entrada do requerimento administrativo. Precedentes. - Dedução, do período abrangido
pela condenação, do interregno de julho/2014 a agosto/2015, em que o padrasto do autor esteve
empregado, assegurando renda familiar per capita superior à metade do salário mínimo. -
Remessa oficial não conhecida. - Apelo do INSS desprovido. - Parecer do Órgão Ministerial
acolhido em parte.” (ApelRemNec 0019414-08.2018.4.03.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL
ANA PEZARINI, TRF3 - NONA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/02/2019.)
"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTIGO 203, V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E LEI Nº 8.742/93. PESSOA DEFICIENTE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA.
BENEFÍCIO DEVIDO. 1. Preenchido o requisito da deficiência, bem como comprovada a
ausência de meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, é devida a
concessão do benefício assistencial de que tratam o art. 203, inciso V, da Constituição Federal e
a Lei nº 8.742/93. 2. Termo inicial fixado na data do requerimento administrativo, descontado o
período em que filho da apelante esteve empregado, uma vez que somente nos demais períodos
restou demonstrada a implementação dos requisitos legais. 3. Os juros de mora e a correção
monetária deverão observar o disposto na Lei nº 11.960/09 (STF, Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário 870.947, 16/04/2015, Rel. Min. Luiz Fux). 4. Honorários advocatícios arbitrados em
15% (quinze por cento) sobre o valor das prestações vencidas entre o termo inicial do benefício e
a data do acórdão, conforme entendimento sufragado pela 10ª Turma desta Corte Regional. 5.
Sem custas ou despesas processuais, por ser a autora beneficiária da assistência judiciária
gratuita. 6. Apelação da parte autora parcialmente provida."
(AC 00049172320174039999, Décima Turma, Relatora Desembargadora Federal Lúcia Ursaia, e-
DJF3 Judicial 1 DATA:29/06/2017)
Ademais, certo é que restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, desde o termo
inicial do benefício outorgado na sentença, como indicado no sobredito paradigma do C. Supremo
Tribunal Federal, exarado em repercussão geral.
Deveras, há, no caso, dispêndio com locação (R$ 250,00).
A casa em que a família reside "fica nos fundos, e está localizada distante do centro, na rua do
Pesqueiro do Berrocozo, tendo na frente pastos. A casa é de alvenaria, coberta com telhas
Eternit, sem forro, chão no contrapiso, os cômodos são pequenos e muito quentes. O quintal é
todo de terra.".
O proprietário "Sr. Mateus Roberto Marculino, ainda espera quando o Sr. Eduardo não tem todo o
valor para quitar o aluguel".
Afora as tarifas de água (R$ 20,00, está com a conta do mês de dezembro atrasada) e energia
elétrica (R$ 104,52), há gastos com farmácia R$ 100,00 e "sempre falta algum item da
alimentação, só não passaram fome, devido às doações e benefícios" que recebem.
Dessa forma, divisa-secaracterizada conjuntura de miserabilidade, a autorizar a manutenção da
benesse, nos moldes do comando sentencial.
Fixada a procedência da postulação, passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Conquanto imperiosa a mantença da condenação da autarquia em honorários advocatícios, esta
deve ser fixada em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, nos termos do inciso II
do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil, observando-se o disposto nos §§ 3º, 5º e 11
desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão
concessiva do benefício, nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Por fim, tendo em vista o teor da presente decisão, resta prejudicado o pleito de efeito suspensivo
formulado pelo INSS em suas razões recursais.
Ante o exposto, ACOLHO EM PARTE O PARECER DO ÓRGÃO MINISTERIAL, E DOU
PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para fixar os juros de mora e a correção
monetária, bem assim a verba honorária, nos termos da fundamentação supra.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Constatada, pelo laudo pericial, a deficiência, e incontroversa a hipossuficiência econômica, é
devido o Benefício de Prestação Continuada.
- Descabe o desconto, do período abrangido pela condenação, dos interregnos em que o genitor
do proponente esteve empregado ou em gozo de benefício por incapacidade, visto que os ganhos
por ele auferidos perfazem renda per capita, ao núcleo familiar de quatro pessoas, composto pelo
vindicante, seus genitores e um irmão, inferior à metade do salário mínimo.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação.
-Acolhido em parte o o parecer ministerial.
-Apelação do INSS parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS e acolher, em parte, o parecer
do Órgão Ministerial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
