Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
5822659-69.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
03/09/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 08/09/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
restabelecimento do Benefício de Prestação Continuada recebido pelo autor, desde a sua
cessação, na via administrativa, bem assim a inexigibilidade do débito previdenciário oriundo da
aludida benesse.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Remessa oficial não conhecida.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5822659-69.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: F. C. D. O.
REPRESENTANTE: CINTIA APARECIDA RIBEIRO DA CRUZ
Advogados do(a) APELADO: DIOGO SIMIONATO ALVES - SP195990-N, GERONIMO
RODRIGUES DOS SANTOS - SP409103-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5822659-69.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: F. C. D. O.
REPRESENTANTE: CINTIA APARECIDA RIBEIRO DA CRUZ
Advogados do(a) APELADO: DIOGO SIMIONATO ALVES - SP195990-N, GERONIMO
RODRIGUES DOS SANTOS - SP409103-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face da r. sentença, submetida ao
reexame necessário, que julgou procedentes os pedidos deduzidos na inicial, de
restabelecimento do benefício assistencial da parte autora, a partir da cessação, em 22/05/2018,
bem assim de inexigibilidade do débito previdenciário oriundo da aludida benesse, mantidos os
efeitos da tutela antecipados initio litis.
O decisum condenou, ainda, o ente autárquico, ao pagamento dos atrasados, acrescidos de
correção monetária pela TR, até 25/03/2015, e, após, pelo IPCA-E, juros de mora na forma da Lei
nº Lei 11.960/06 e verba honorária arbitrada no percentual mínimo previsto nos incisos do art. 85,
§ 3º, do Código de Processo Civil, a ser apurado quando da liquidação do julgado, observada a
Súmula nº 111 do c. Superior Tribunal de Justiça.
Pretende, o apelante, que seja reformada a sentença, sustentando, em síntese, a ausência de
comprovação de miserabilidade, razão pela qual os valores indevidos devem ser restituídos
nestes autos. Insurge-se, outrossim, quanto ao termo inicial do benefício e à correção monetária.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5822659-69.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: F. C. D. O.
REPRESENTANTE: CINTIA APARECIDA RIBEIRO DA CRUZ
Advogados do(a) APELADO: DIOGO SIMIONATO ALVES - SP195990-N, GERONIMO
RODRIGUES DOS SANTOS - SP409103-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Afigura-se incorreta a submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I do Código de Processo Civil atual, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, dispõe que a sentença não será submetida ao reexame necessário quando a
condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000
(mil) salários mínimos, em desfavor da União ou das respectivas autarquias e fundações de
direito público.
No caso dos autos, considero as datas do termo inicial do benefício e da prolação da sentença,
em 16/04/2019 (doc. 76384686). Atenho-me ao valor da benesse, de um salário mínimo. Verifico
que a hipótese em exame não excede os mil salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à
análise do recurso em seus exatos limites, uma vez que cumpridos os requisitos de
admissibilidade previstos no Código de Processo Civil atual.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼
(um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima,
primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos,
conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com
deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do
Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência
social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral, na
esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de que padece o
demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o acompanha, impõem-lhe
significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr, participar de brincadeiras,
acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário perquirir quanto à existência ou
não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º, doDecretonº 6.214/2007. (...) V - Embargos
Infringentes do INSS a que se nega provimento.” (EI 994950, Relator Desembargador Federal
Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3 14/09/2011)
Ainda, o posicionamento da Nona Turma deste E. Tribunal no mesmo sentido, nos seguintes
julgados: AC 0008758-60.2016.4.03.9999, D.E. 24/11/2016; AC 0002545-37.2013.4.03.6121,
D.E. 04/11/2016; AC 0007387-51.2012.4.03.6103, D.E. 24/11/2016.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido
"editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios
assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa
Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios
que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº
314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ
04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002,
v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per
capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas
Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos
idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso vertente, o postulante, nascido em 14/05/2007, titularizou o Benefício de Prestação
Continuada NB 87/529.491.564-9, desde 19/03/2008, quando foi cientificado pelo INSS, por ofício
datado de 05/09/2018, acerca de indício de irregularidade consistente no recebimento indevido da
aludida benesse, nos períodos de 13/10/2008 a 15/12/2008, 13/04/2009 a 11/05/2009,
06/07/2009 a 24/02/2010, 01/04/2010 a 06/09/2010, 01/10/2010 a 25/10/2010, 13/06/2011 a
03/06/2013 e 03/07/2017 a 31/05/2018, visto que a renda familiar per capita suplantou 1/4 do
salário mínimo, conforme detectado em cruzamento de dados das bases governamentais,
restringindo-se, no entanto, a cobrança, ao interregno de 24/08/2012 a 03/06/2013 e 03/07/2017
a 31/05/2018, em razão da prescrição quinquenal.
O benefício assistencial do demandante foi cessado em 01/06/2018 e a Autarquia Previdenciária
requereu a devolução dos valores recebidos a esse título, montando, em setembro/2018, a R$
19.067,70. Reporto-me aos docs. 76384562, 76384564, pág. 19, 76384604 e 76384647, págs. 1
e 8.
Pois bem. No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 76384612, realizado em
12/09/2018, considerou o autor, então, com onze anos de idade, portador de epilepsia associada
a quadro de retardo mental moderado, desde o nascimento, que o incapacita para o exercício de
atividades próprias para a idade e com alta probabilidade, na idade adulta, de inaptidão para o
desempenho toda e qualquer função laborativa e/ou dos atos da vida civil.
Segundo atesta o perito, o quadro é grave, orgânico e irreversível.
A constatação da perícia médica autoriza concluir, portanto, pela existência de comprometimento
e restrições sociais para as atividades próprias da idade da parte autora, pelo interregno referido
pela lei, de modo que o quadro apresentado ajusta-se ao conceito de pessoa com deficiência, nos
termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, c/c o art. 4º, inciso II e § 1º, do Decreto nº 6.214/2007.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 76384632, produzido em 10/12/2018.
Segundo o laudo adrede confeccionado, o autor reside no município de Fernão/SP, com a
genitora, de 30 anos, o padrasto, de 26 anos, e dois irmãos, um, de cinco anos, e o outro, de
onze meses, idades correspondentes à data do estudo socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"Em relação ao domicilio é casa cedida pela Prefeitura Municipal de Fernão, o tipo de construção
contendo: 01 quarto, 01 sala junto com a cozinha e 01 banheiro, bem pequena para acomodar a
família, todos dormem no mesmo quarto dividindo uma cama de casal e uma de solteiro para 05
pessoas. Observamos que a moradia se apresentava organizada e higienizada, também têm
móveis e utensílios domésticos."
O autor necessita de acompanhamento contínuo com psicóloga, fisioterapeuta, alfabetização
especializada e outros profissionais, realizado pela APAE.
O transporte escolar é fornecido pela Prefeitura Municipal.
Faz uso de medicação contínua e de fraldas geriátricas.
Utilizou cadeiras de rodas até os cinco anos de idade. Hoje, locomove-se com dificuldade, não
fala, contudo, ouve bem e entende as conversas.
A assistente social observou que o proponente "recebe os cuidados da mãe com carinho, bons
vínculos familiares, o genitor reside no município de Gália/SP, não está ajudando
financeiramente, pelo motivo de estar desempregado, ajuda nos cuidados com o filho aos finais
de semana.
As crianças mantém vínculos afetivos em casa com os irmãos e padrasto e também na residência
do pai e outros irmãos. Demonstra ser uma criança carinhosa, apesar de não falar, e expressa
muita alegria."
Quanto aos ganhos da família, o compulsar dos autos revela que houve alteração do grupo
familiar do demandante, desde a data de início do benefício.
Àquela altura, o vindicante residia com os genitores, Márcio Alves de Oliveira e Cíntia Aparecida
Ribeiro da Cruz, até o divórcio destes, em 27/05/2013, quando passou a morar, somente, com a
genitora.
Nesse interregno, o genitor recebeu a média salarial, nos períodos em que constam vínculos
laborais nos registros do CNIS, de R$ 361,72, entre 13/10/2008 a 15/12/2008; de R$ 230,00,
entre 13/04/2009 a 11/05/2009; de R$ 797,74, entre 06/07/2009 a 24/02/2010; de R$ 796,87,
entre 05/07/2010 a 06/09/2010; de R$ 162,62, entre 01/10/2010 a 25/10/2010, e de R$ 1.293,97,
entre 13/06/2011 a 09/2011.
Em 12/10/2013, nasceu um dos irmãos do proponente, Antony Felipe da Cruz Silva.
Em 26/03/2016, a genitora contraiu novo matrimônio, com Luis Paulo Dourado, e, em 19/12/2017,
adveio José Pedro da Cruz Dourado.
Após o último registro laboral do padrasto, datado de 13/07/2015, vê-se novo vínculo de trabalho,
somente, em 03/07/2017, com salário variável. No ano de 2017, recebeu valores mensais entre
R$ 1.063,14 (agosto) e 1.223,21 (dezembro), e, no ano de 2018, entre R$ 1.088,73 (dezembro) e
1.632,73 (agosto).
Vide docs. 76384555 , 76384647 e 76384648, págs. 9, 12 e 44/93.
De se pontuar que a genitora "não tem condições de trabalhar, pois cuida integralmente dos filhos
que são dependentes dela".
Ainda que a renda familiar per capita possa ter suplantado a metade do salário mínimo – o que se
verifica, apenas, entre 06/07/2009 a 24/02/2010, 05/07/2010 a 06/09/2010 e 13/06/2011 a
09/2011 – certo é que os referidos períodos entremeiam-se, na maior parte, com a ausência de
renda.
De se esclarecer, no que importa à espécie, que o salário mínimo, no ano de 2008, era de R$
415,00; em 2009, de R$ 465,00; em 2010, de R$ 510,00; em 01/03/2011, de R$ 545,00; em
2017, de R$ 937,00, e, em 2018, de R$ 954,00.
Além disso, não se colhe, dos cruzamentos de dados promovidos pelo INSS ou de documentos
dos autos, que tenha havido variação patrimonial no período, ou mesmo, a aquisição de qualquer
bem de valor economicamente apreciável, seja pelos genitores do vindicante, seja por seu
padrasto.
Há que se ponderar, mais, o parecer da assistente social, no sentido de que "a família necessita
com urgência do Benefício de Prestação Continuada para custear os cuidados especiais tais
como: alimentação, medicação, fraldas geriátricas e suplementos alimentares, pois a renda é
insuficiente para sanar as necessidades da família, e principalmente da criança em tela".
Decerto são elementos que propiciam intuir a persistência da conjuntura de miserabilidade, não
se antevendo, por conseguinte, o desacerto da percepção da benesse assistencial pelo autor,
desde os idos de 2008.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o
restabelecimento do benefício de prestação continuada recebido pelo demandante, desde a
cessação indevida, na via administrativa, bem como a inexigibilidade do débito previdenciário
oriundo do aludido beneplácito, nos moldes do comando sentencial.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO DA REMESSA OFICIAL E DOU PARCIAL PROVIMENTO À
APELAÇÃO DO INSS, para fixar os juros de mora e a correção monetária, nos termos da
fundamentação supra.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 496,
§ 3º, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS
PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- Ahipótese em exame não excede os 1.000 salários mínimos, sendo incabível a remessa oficial,
nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada,
para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade
e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da
inaptidão laboral. Precedentes.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o
restabelecimento do Benefício de Prestação Continuada recebido pelo autor, desde a sua
cessação, na via administrativa, bem assim a inexigibilidade do débito previdenciário oriundo da
aludida benesse.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Remessa oficial não conhecida.
- Apelação do INSS parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial e dar parcial provimento à apelação do
INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
