Processo
ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO / MS
5000566-82.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal ANA LUCIA JORDAO PEZARINI
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
08/11/2018
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 14/11/2018
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 475,
§ 2º, CPC/1973. LITISPENDÊNCIA. TRÍPLICE IDENTIDADE. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88, E LEI Nº 8.742/1993.
REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- O fenômeno da litispendência, óbice à reprodução de ação anteriormente ajuizada (art. 337, VI,
NCPC), exige a chamada "tríplice identidade" (partes, pedido e causa de pedir).
- No caso desta ação, conquanto haja identidade de partes e do pedido formulado nos autos
precedentes, difere a situação fática posta na causa de pedir, a afastar a caracterização de
litispendência.
- Considerando as datas do termo inicial do benefício concedido e da prolação da sentença, bem
como o valor da benesse, verifica-se que a hipótese em exame não excede os 60 salários
mínimos, sendo incabível a remessa oficial, nos termos do art. 475, § 2º, do CPC/1973.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatada, pelo laudo pericial, a deficiência, o benefício é devido a partir da data de entrada do
segundo requerimento administrativo, quando assentada a hipossuficiência econômica.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Incidência de juros e correção monetária em conformidade com o decidido pelo STF no RE
870.947, observada a prescrição quinquenal.
- Honorários advocatícios mantidos em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da
prolação da decisão concessiva do benefício, consoante art. 20, § 3º, CPC/1973, Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiçae jurisprudência desta 9ª Turma, sendo incabível a aplicação da
regra prevista no art. 85, §§ 1º e 11, do NCPC.
- As custas processuais deverão ser pagas pelo INSS ao final do processo, nos termos da Lei
Estadual n. 3.779/09, que revogou a isenção concedida na legislação pretérita, e artigo 91 do
NCPC, não se eximindo, contudo, a Autarquia Previdenciária, do pagamento das custas e
despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de
pagamento prévio.
- Preliminar rejeitada.
- Remessa oficial não conhecida.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5000566-82.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LIVRADA SOUZA DE MOURA
Advogado do(a) APELADO: MARCOS SOLONS GARCIA MACENA - MS1145300S
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5000566-82.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LIVRADA SOUZA DE MOURA
Advogado do(a) APELADO: MARCOS SOLONS GARCIA MACENA - MS1145300S
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação do INSS interposta em face da r. sentença, submetida ao reexame
necessário, que julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando a Autarquia
Previdenciária a conceder, à parte autora, o benefício assistencial a pessoa deficiente, desde a
data de entrada do primeiro requerimento agilizado na via administrativa (30/5/2012, doc.
1648408, pág. 49), com correção monetária incidente sobre as prestações em atraso, na forma
da legislação de regência, aplicando-se o INPC como índice de atualização, a partir de 11/8/2006
(art. 31 da Lei n. 10.741/2003 c/c o art. 41-A da Lei n. 8.213/91), afastadas as disposições da Lei
n. 11.960/09 (AgRg no REsp 1285274/CE e REsp 1270439/PE); juros de mora de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal; custas processuais
e honorários advocatícios fixados em 10% sobre as prestações vencidas até a sentença (Súmula
nº 111 do STJ e art. 20, § 3º, do CPC/1973), antecipada a tutela jurídica provisória (doc. 1638408,
págs. 129/137).
Pretende, o apelante, que seja reformada a sentença, sustentando a ausência dos requisitos à
outorga da benesse. Insurge-se, outrossim, quanto ao termo inicial do benefício, correção
monetária, juros de mora, custas processuais e honorários advocatícios. Prequestiona a matéria
para fins recursais (doc. 1638408, págs. 143/169).
Apresentadas as contrarrazões (doc. 1638408, págs. 175/181), suscitou, o INSS, a litispendência
desta ação em relação à de n. 0801000-92.2014.8.12.0004), ajuizada, pela parte autora,
precedentemente, também, perante o Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Amambaí/MS
(doc. 1638408, págs. 182/185).
Seguiu-se manifestação autoral (doc. 1638408, págs. 266/268), ascendendo, então, os autos, a
este Tribunal.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pela rejeição da preliminar e, no mérito,
pelo parcial provimento do recurso, apenas, para que o termo inicial do benefício seja fixado em
01/8/2013, data do requerimento administrativo aviado ulteriormente ao ajuizamento do processo
n. 0801582-63.2012.8.12.0004, bem assim quanto à correção monetária e aos juros de mora
(doc. 2212808).
Em síntese, o relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5000566-82.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA PEZARINI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LIVRADA SOUZA DE MOURA
Advogado do(a) APELADO: MARCOS SOLONS GARCIA MACENA - MS1145300S
V O T O
Inicialmente, afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o artigo 475, § 2º, do CPC/1973, com redação dada pelo art. 1º da Lei nº 10.352/2001,
que entrou em vigor em 27 de março de 2002, dispõe que não está sujeita ao reexame
necessário a sentença em ações cujo direito controvertido não exceda a 60 (sessenta) salários
mínimos.
Nesse sentido, segue o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça:
"AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REEXAME
NECESSÁRIO. SENTENÇA ILÍQUIDA. PERDA DA AUDIÇÃO. AUXÍLIO-ACIDENTE.
PRESSUPOSTOS. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A sentença ilíquida
proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e
fundações de direito público está sujeita ao duplo grau de jurisdição, exceto quando se tratar de
valor certo não excedente de 60 (sessenta) salários mínimos. 2. Afastado, na origem, o direito ao
auxílio-acidente, em razão de inexistirem os pressupostos à sua concessão, impede o reexame
da matéria, em âmbito especial, o enunciado 7 da Súmula desta Corte. 3. Agravo interno ao qual
se nega provimento." (STJ, AgRg no Ag 1274996/SP, Rel. Min. Celso Limongi, 6ª Turma, DJe
22.06.2010)
No caso dos autos, considerando as datas do termo inicial do benefício (30/5/2012, doc. 1648408,
pág. 49) e da prolação da sentença (17/3/2016), bem como o valor da benesse, de um salário
mínimo, verifico que a hipótese em exame não excede os 60 salários mínimos, não sendo, pois, o
caso de submeter odecisumde primeiro grau à remessa oficial.
Quanto ao suscitado fenômeno da litispendência, óbice à reprodução de ação anteriormente
ajuizada (artigo 337, VI, NCPC), impõe a extinção do processo sem o julgamento do mérito, nos
termos do art. 485, V e §3º, do diploma legal supramencionado.
A repetição de demandas exige a chamada "tríplice identidade". E há litispendência quando se
repete ação com decisão ainda não transitada em julgado, considerando-se idênticas as ações
que possuem as mesmas partes, pedido e causa de pedir, conforme dicção dos §§ 1º, 2º e 3º do
artigo 337 do NCPC.
Compulsando os autos, verifica-se que a parte autora propôs outra ação visando à concessão de
benefício de prestação continuada, anteriormente à presente (processo n. 0801582-
63.2012.8.12.0004), também, perante o Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Amambaí/MS,
em 23/8/2012 (doc. 1638408, págs. 186/253).
Conforme consulta ao sistema e-SAJ, do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul,
realizada em 30/10/2018, o feito ainda tramita em primeiro grau, em fase instrutória.
Àquela altura, a promovente havia agilizado, somente, o primeiro requerimento administrativo do
benefício (NB 5516490843), com data de entrada em 30/5/2012 (doc. 1648408, pág. 49).
Vê-se, mais, da perícia social produzida naqueles autos, realizada em 13/12/2012, que o núcleo
familiar da vindicante era composto por ela, o cônjuge e três filhos, de 21, 16 e 11 anos. O
consorte trabalhava como motorista de caminhão e a filha mais velha auferia renda (doc.
1638408, págs. 197/198).
No caso desta ação, distribuída em 07/4/2014 (processo originário n. 0801000-
92.2014.8.12.0004), conquanto haja identidade de partes e do pedido formulado nos autos
precedentes, difere a situação fática posta na causa de pedir, a afastar a caracterização de
litispendência.
Deveras, o relatório social aqui elaborado mostra que, em 2014, a autora residia somente com o
cônjuge e o filho menor, e os ganhos da família advinham, unicamente, do trabalho daquele, que
agora cortava árvores, por diária, com renda variável e instável. Houve, ainda, novo requerimento
administrativo do benefício, aviado em 01/8/2013 (NB 7004645550).
Desse modo, arredado o óbice avivado, passo ao exame do mérito.
Previsto no artigo 203,caput, da CR/88 e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de natureza
assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua concessão
desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado, atrelando-
se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário (recordando-se, a este passo, da
sucessiva redução da idade mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº
9.720/98 e, ao depois, para 65 anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003) ou à detecção de
deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à
verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-lo suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensalper
capitanão superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito
de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei
n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com
deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei n.
13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa
com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim,
o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e
em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A
motivação empregada pela Excelsa Corte reside no fato de terem sido "editadas leis que
estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais
como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa
Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que
autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas
de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas" (RE nº 580963).
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso,
não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a
condição de precariedade financeira da parte autora (v., a exemplo, STJ: REsp nº 314264/SP,
Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185; EDcl no AgRg
no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ 04/04/2005, p.
342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002, v.u., DJ
10/03/2003, p. 323).
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiarper
capitanão pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiarper capitainferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o
bolsa família (Lei nº 10.836/04), o Programa Nacional de Acesso à Alimentação (Lei nº 10.689/03)
e o bolsa escola (Lei nº 10.219/01), contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior
a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo
incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco
mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum
satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015,
e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM
AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva
Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, submetido à sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade
por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de
justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos,
bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de
benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo." (RE nº 580.963/PR, DJe
14.11.2013).
Quanto à questão da composição da renda familiarper capita, o C. STJ, no julgamento do RESP
n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou,
no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com
vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um
salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no
sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65
anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse
que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada
percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por
qualquer idoso (assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos), mas, sim, pelos
idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do
recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela
madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados,
todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
O laudo médico realizado em 20/8/2015 (doc. 1638408, págs. 90/105) considerou a autora, então
com 48 anos de idade (nascida em 22/7/1967, doc. 1638408, pág. 13), “do lar” e com ensino até
3ª série do antigo primeiro grau, portadora de lombalgia persistente, após ter sido submetida à
artrodese de coluna lombar, em decorrência de espondilodiscite entre L-4 e L-5, com
abaulamento discal difuso em L3-L4, incapacitada, de forma parcial e permanente, ao exercício
de suas atividades diárias.
A requerente apresenta limitação importante aos movimentos ativo e passivo e sintomas álgicos,
estes últimos, podendo ser melhorados por tratamento medicamentoso e fisioterápico, com
abstenção de atividades físicas forçadas, no entanto, a lesão está consolidada e não pode mais
ser recuperada.
O perito consignou, ainda, a baixa probabilidade de reabilitação profissional da vindicante, face à
sua escolaridade e ausência de experiência profissional, mormente porque a patologia limita
esforços físicos e impede a permanência por períodos prolongados, na mesma postura corporal.
Concluiu, por fim, que a patologia apresentada implica em impedimento de longo prazo (por mais
de dois anos), o qual, em interação com diversas barreiras, obstruem a participação plena e
efetiva da promovente, na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
Nesse cenário, a constatação da perícia médica autoriza concluir pelo quadro de deficiência
necessário à concessão do benefício de prestação continuada, nos termos estabelecidos no art.
20, § 10, da Lei nº 8.742/1993.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido aos
autos, produzido em 20/01/2014 (doc. 1638408, págs. 84/87).
Segundo o laudo adrede confeccionado, a parte autora reside no município de Amambaí/MS, com
o cônjuge, de 52 anos, e um filho, de 13 anos, idades correspondentes à data do estudo
socioeconômico.
Moram em casa própria, localizada em bairro provido por rede de água, pavimentação asfáltica e
próximo a posto de saúde e transporte público, guarnecida com eletrodomésticos básicos.
A renda familiar advém do trabalho do consorte, que trabalha como diarista, cortando árvores,
com renda instável e variável, auferindo R$ 85,00 por serviço executado. Recebem auxílio
financeiro do sogro, aposentado e já em idade avançada.
Conquanto não tenham sido relatadas as despesas, a perita concluiu que, do ponto de vista
sociológico, justifica-se a concessão do benefício assistencial requerido.
Sopesados, então, todos os elementos probantes amealhados, temos que a autora comprova não
possuir meios de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família, a amparar a
outorga do benefício pleiteado.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito
paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante
da benesse.
No que tange ao termo inicial do benefício, cabe considerar que, segundo a jurisprudência,
inclusive assentada pelo C. Superior Tribunal de Justiça, em sede de repercussão geral (Recurso
Especial nº 1.369.165/SP), os benefícios por incapacidade devem ser concedidos, em regra, a
partir do requerimento administrativo ou, na sua ausência, da citação.
No caso dos autos, houve requerimento administrativo tendente à benesse especificamente
ambicionada nesta demanda, em 30/5/2012 (doc. 1648408, pág. 49) e 01/8/2013 (doc. 1638408,
pág. 50).
Contudo, haure-se, do relatório social produzido em 13/12/2012, no processo n. 0801000-
92.2014.8.12.0004 (doc. 1638408, págs. 197/198), acima referido, que as condições no contexto
socioeconômico vivenciado pelo núcleo familiar alterou-se nesse ínterim, notadamente, no que
concerne à composição familiar e renda familiar mensal.
De se lembrar que, em relação ao benefício assistencial, vige a cláusularebus sic stantibus, nos
termos do art. 21,caput, da Lei n. 8.742/93, de modo que competiria, à parte autora, demonstrar,
ao menos, que não houve modificação no quadro fático no citado interregno, o que, como visto,
não ocorreu na espécie.
Não há prova, portanto, de que, quando do primeiro pedido administrativo, estivesse preenchido o
requisito de miserabilidade necessário à concessão do benefício assistencial.
Assim, lícito fixar o termoa quodo beneplácito na data do segundo requerimento administrativo,
agilizado em 01/8/2013.
Averbe-se, no mais, que o laudo pericial apenas retratou situação ensejadora da outorga da
benesse, preexistente à sua confecção.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/09: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o
índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta
extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que
disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a
remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição
desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica
como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a
promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e
à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade
com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de
relatoria do Ministro Luiz Fux.
Mantenho os honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da decisão concessiva do benefício, consoante § 3º do artigo 20
do Código de Processo Civil de 1973 (vigente no momento da publicação dodecisum), Súmula n.
111 do Superior Tribunal de Justiça e jurisprudência desta 9ª Turma. Cumpre destacar, nesse
ponto, que não se aplica ao caso em análise disposto no artigo 85 do NCPC, tendo em vista que
a sentença impugnada foi publicada antes do início de sua vigência.
As custas processuais serão pagas pelo INSS ao final do processo, nos termos da Lei Estadual n.
3.779/09, que revogou a isenção concedida na legislação pretérita e disposições contidas tanto
no artigo 27 do CPC/1973 quanto no artigo 91 do NCPC. Ademais, não se exime a Autarquia
Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora,
por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito.
Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO DA REMESSA OFICIAL, REJEITO A PRELIMINAR
SUSCITADA E, NO MÉRITO, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, para
estabelecer o termo inicial do benefício em 01/8/2013 e fixar os juros de mora nos termos da
fundamentação supra, explicitando os critérios de incidência da correção monetária.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 475,
§ 2º, CPC/1973. LITISPENDÊNCIA. TRÍPLICE IDENTIDADE. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88, E LEI Nº 8.742/1993.
REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- O fenômeno da litispendência, óbice à reprodução de ação anteriormente ajuizada (art. 337, VI,
NCPC), exige a chamada "tríplice identidade" (partes, pedido e causa de pedir).
- No caso desta ação, conquanto haja identidade de partes e do pedido formulado nos autos
precedentes, difere a situação fática posta na causa de pedir, a afastar a caracterização de
litispendência.
- Considerando as datas do termo inicial do benefício concedido e da prolação da sentença, bem
como o valor da benesse, verifica-se que a hipótese em exame não excede os 60 salários
mínimos, sendo incabível a remessa oficial, nos termos do art. 475, § 2º, do CPC/1973.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Constatada, pelo laudo pericial, a deficiência, o benefício é devido a partir da data de entrada do
segundo requerimento administrativo, quando assentada a hipossuficiência econômica.
- Incidência de juros e correção monetária em conformidade com o decidido pelo STF no RE
870.947, observada a prescrição quinquenal.
- Honorários advocatícios mantidos em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da
prolação da decisão concessiva do benefício, consoante art. 20, § 3º, CPC/1973, Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiçae jurisprudência desta 9ª Turma, sendo incabível a aplicação da
regra prevista no art. 85, §§ 1º e 11, do NCPC.
- As custas processuais deverão ser pagas pelo INSS ao final do processo, nos termos da Lei
Estadual n. 3.779/09, que revogou a isenção concedida na legislação pretérita, e artigo 91 do
NCPC, não se eximindo, contudo, a Autarquia Previdenciária, do pagamento das custas e
despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de
pagamento prévio.
- Preliminar rejeitada.
- Remessa oficial não conhecida.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial, rejeitar a preliminar suscitada e no mérito,
dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
