Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5359360-52.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
15/05/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 19/05/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. INDEFERIMENTO ADMINISTRATIVO. NÃO CUMPRIMENTO DE
EXIGÊNCIAS. ANÁLISE DO DIREITO. ART. 576 DA INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES N.
45/2010. PRETENSÃO RESISTIDA CARACTERIZADA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993.
REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- O indeferimento do pedido de benefício, por desatendimento de exigência, adentra na análise do
direito, em exame de mérito, consoante se extrai do art. 576 da Instrução Normativa INSS/PRES
n. 45/2010, que disciplina o processo administrativo previdenciário no âmbito do Instituto Nacional
do Seguro Social - INSS, notadamente, nos §§ 2º e 4º, restando caracterizada a pretensão
resistida na via administrativa, nos termos da orientação firmada pelo c. Supremo Tribunal
Federal, no julgamento do RE 631240/MG, em sede de repercussão geral.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento
de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação
da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-
la suprida pela família.
- Implementado o requisito etário e constatada pelo laudo socioeconômico a hipossuficiência, é
devido o Benefício de Prestação Continuada, a partir de 05/01/2017, por adstrição ao pedido
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
formulado na peça exordial.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação, considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício
(Súmula n. 111 do c. Superior Tribunal de Justiça).
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das
custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar parcialmente procedente o
pedido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5359360-52.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: CELIA DE OLIVEIRA ROCHA
Advogado do(a) APELANTE: PAULO SERGIO RAMOS - SP394515-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5359360-52.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: CELIA DE OLIVEIRA ROCHA
Advogado do(a) APELANTE: PAULO SERGIO RAMOS - SP394515-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora em face da r. sentença que julgou
improcedente o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício de prestação continuada.
Pretende que seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a presença dos requisitos à
outorga da benesse.
Decorrido, “in albis”, o prazo para as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo provimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5359360-52.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: CELIA DE OLIVEIRA ROCHA
Advogado do(a) APELANTE: PAULO SERGIO RAMOS - SP394515-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação,
uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade.
Pondere-se, de início, que a benesse postulada na via administrativa foi indeferida, em virtude
de não ter a suplicante cumprido as exigências da Autarquia, no processo de concessão,
consubstanciadas na apresentação de comprovante de endereço e de baixa da empresa
constituída em nome do cônjuge, José Rocha Filho. Vide doc. 147222332, pág. 2.
No entanto, o indeferimento do pedido de benefício, por desatendimento de exigência, adentra
na análise do direito, em exame de mérito, consoante se extrai do art. 576 da Instrução
Normativa INSS/PRES n. 45/2010, que disciplina o processo administrativo previdenciário no
âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, notadamente, nos §§ 2º e 4º, in verbis:
"Art. 576. Conforme preceitua o art. 176 do RPS, a apresentação de documentação incompleta
não constitui motivo para recusa do requerimento de benefício, ainda que, de plano, se possa
constatar que o segurado não faz jus ao benefício ou serviço que pretende requerer, sendo
obrigatória a protocolização de todos os pedidos administrativos, cabendo, se for o caso, a
emissão de carta de exigência ao requerente, na forma do art. 586.
§ 1º Caso o segurado ou representante legal solicite o protocolo somente com apresentação do
documento de identificação, como CTPS ou Carteira de Identidade, deverá ser protocolizado o
requerimento e emitida exigência imediatamente e de uma só vez ao interessado, solicitando os
documentos necessários, dando-lhe prazo sempre de no mínimo trinta dias para apresentação,
justificando-se exigência posterior apenas em caso de dúvida superveniente.
§ 2º Esgotado o prazo estabelecido no § 1º deste artigo, não sendo apresentados os
documentos e não preenchidos os requisitos, o processo será decidido, observado o disposto
neste Capítulo, devendo ser analisados todos os dados constantes dos sistemas informatizados
do INSS, para somente depois haver análise de mérito quanto ao pedido de benefício.
§ 3º O pedido de beneficio não poderá ter indeferimento de plano, sem emissão de carta de
exigência, mesmo que assim requeira o interessado.
§ 4º Para o caso em que o requerente não atenda a exigência, deverá a APS registrar tal fato
no processo, devidamente assinado pelo servidor, procedendo a análise do direito e o
indeferimento pelos motivos cabíveis e existentes, oportunizando ao requerente a interposição
de recurso, na forma do que dispõe o art. 305 do RPS."
De se notar, além disso, que a ausência dos aludidos documentos - que vieram a ser,
efetivamente, apresentados nos autos, conforme doc. 147222333, não justificaria, de per si, o
indeferimento da benesse, mormente porque, quanto ao comprovante de endereço, a própria
Instrução Normativa atribui, ao ente securitário, a busca de todos os dados constantes dos seus
sistemas informatizados, em caso de descumprimento de exigência, ex vi do mencionado § 2º,
supratranscrito.
Assim, em simples consulta aos dados do cônjuge, no Sistema CNIS, cujos dados pessoais
constam do Cadastro Único (doc. 147222333, pág. 2), é possível confirmar o endereço
declinado pela promovente, na senda administrativa, qual seja, Rua Manoel Araújo, nº 505,
Guarujá/SP.
Ademais, a certidão de baixa requerida é facilmente obtida em consulta aberta de inscrição e
situação cadastral da pessoa jurídica, na Receita Federal do Brasil (disponível em:
http://servicos.receita.fazenda.gov.br/Servicos/cnpjreva/Cnpjreva_Comprovante.asp), que, de
plano, mostra que a empresa em nome do cônjuge (Panificadora Santa Clara do Guaruja Ltda.,
CNPJ nº 56.649.221/0001-40) foi encerrada por liquidação voluntária, com baixa em
14/02/2013.
Destarte, resta caracterizada a pretensão resistida na via administrativa, nos termos da
orientação firmada pelo c. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 631240/MG, em
sede de repercussão geral.
Passo ao exame do mérito, no qual se discute o direito da parte autora à concessão do
benefício de prestação continuada.
Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de
natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua
concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado,
atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência,
nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da
ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo
suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a
¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade
mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65
anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.
No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na
redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente
evolução na sua conceituação.
Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para
efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o
conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20
(...)
§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a
Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas
com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de
pessoa com deficiência:
"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de
longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos
Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou
defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando,
assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da
República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº
8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de
terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros
benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas".
À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda
familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas
de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a
diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a
condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério
objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do
idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de
denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp
nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185;
EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u.,
DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.
19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.
Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n.
1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao
amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar
per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do
beneficiado.
Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para
eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de
situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles
o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos
pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.
Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:
“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV,
verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria
inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo,
mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde
a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada,
quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI
00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j.
22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO
INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício
indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5-
Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado
Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)
Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na
precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou
deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio
STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à
sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa
plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como
dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios
previdenciários no valor de até um salário mínimo.".
Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do
RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia,
assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto
do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por
deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, §
3º, da Lei n. 8.742/93.
De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara
no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de
65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito
esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação
continuada percebido pelos referidos idosos.
Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido
por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim,
pelos idosos com idade superior a 65 anos.
Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP
8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel.
Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão
do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.
Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº
8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o
art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo
teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720,
em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a
compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que
conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o
núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes,
pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.
SITUAÇÃO DOS AUTOS
No caso vertente, verifica-se, pelos documentos 147222332, pág. 1, e 147222333, que a parte
autora, nascida em 23/02/1951, completou 65 anos de idade em 23/02/2016, restando, pois,
implementado o requisito etário, quando da expedição da carta de exigências concernente ao
requerimento administrativo do benefício de prestação continuada NB 702.693.256-0, datada de
05/01/2017, marco inicial de concessão do beneplácito postulado na petição inicial.
Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao
doc. 147222366 e complementado no doc. 147222378, produzido em 18/07/2019.
Segundo o laudo adrede confeccionado, a autora reside com o cônjuge, de 71 anos, idade
correspondente à data do estudo socioeconômico.
Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:
"A requerente reside em companhia do marido, em casa de alvenaria, composta por 02 quartos,
sala, cozinha e banheiro, em cômodos pequenos.
A casa faz parte de um conjunto de três imóveis de alvenaria, construídos no mesmo terreno.
Uma casa grande, na parte da frente e duas pequenas, nos fundos. Na casa da frente, reside a
filha e nas dos fundos, residem, em cada uma, a requerente e o outro filho. A casa da
requerente é anexa à casa grande, onde reside a filha.
Informa a requerente que os imóveis são produtos de herança deixada pelo seu sogro.
Situa-se em bairro popular da cidade, dotado de redes de água, luz e esgoto, ruas asfaltadas,
órgãos de saúde e comércio próximos.
A mobília compõe-se de:
Quarto do casal: Cama e guarda-roupa de casal.
Quarto 02: cama e guarda-roupa de solteiro
Sala: jogo de sofá, estante, televisor 21 polegadas.
Cozinha: fogão, geladeira, armário de cozinha."
A corroborar a situação habitacional, há relatório fotográfico, que confirma a descrição
elaborada no laudo.
No que atine às condições de saúde, a vindicante informa ser portadora de diabetes e
hipertensão.
Foram reportadas despesas com alimentação (R$ 550,00) e medicamentos (R$ 270,00).
As tarifas de água e energia elétrica são pagas pelos filhos.
Os ganhos da família advém da aposentadoria de valor mínimo titularizada pelo consorte, à
época, de R$ 998,00.
A esta altura, cabe lembrar que, na contabilização da renda familiar, torna-se imperiosa a
exclusão do mencionado benefício, em aplicação analógica ao art. 34 do Estatuto do Idoso, nos
moldes do citado precedente do Excelso Pretório, de modo que não resta, como passível de
consideração jurídica, qualquer valor percebido pela proponente.
Averbe-se que os filhos da promovente não integram o conceito de família, na acepção da Lei
nº 12.435/2011, para efeito de concessão do Benefício de Prestação Continuada.
Dessa forma, divisa-se caracterizada conjuntura de miserabilidade.
Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no
sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a
autorizar o implante da benesse.
O termo inicial do benefício deve ser fixado em 05/01/2017, por adstrição ao pedido formulado
na peça exordial. Cite-se, a respeito, art. 492 do Código de Processo Civil.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é
inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem
ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito
tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às
condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo
o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido,
nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº
11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na
parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública
segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor
restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se
qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea
a promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora
e à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da
decisão exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em
conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento
final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
Deve o INSS arcar com os honorários advocatícios em percentual mínimo a ser definido na fase
de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil,
observando-se o disposto nos §§ 3º e 5º desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as
parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício, nos termos da Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiça.
Está o instituto previdenciário isento do pagamento de custas processuais, consoante o art. 4º,
inciso I, da Lei Federal n. 9.289/96, art. 6º, da Lei do Estado de São Paulo n. 11.608/2003 e das
Leis do Mato Grosso do Sul, de n. 1.135/91 e 1.936/98, alteradas pelos arts. 1º e 2º, da Lei n.
2.185/2000. Excluem-se da isenção as respectivas despesas processuais, além daquelas
devidas à parte contrária.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de
quaisquer benefícios previdenciários ouassistenciaisnão cumuláveis, deverão ser integralmente
abatidos do débito.
Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação
continuada deve ser revistoa cada dois anos, para avaliação da continuidade das condições
que lhe deram origem.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, PARA REFORMAR
A SENTENÇA E JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, concedendo-lhe o
benefício de prestação continuada, a partir de 05/01/2017, nos termos da fundamentação supra.
Fixo consectários na forma explicitada, abatidos eventuais valores já recebidos.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. INDEFERIMENTO ADMINISTRATIVO. NÃO CUMPRIMENTO DE
EXIGÊNCIAS. ANÁLISE DO DIREITO. ART. 576 DA INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES N.
45/2010. PRETENSÃO RESISTIDA CARACTERIZADA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993.
REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- O indeferimento do pedido de benefício, por desatendimento de exigência, adentra na análise
do direito, em exame de mérito, consoante se extrai do art. 576 da Instrução Normativa
INSS/PRES n. 45/2010, que disciplina o processo administrativo previdenciário no âmbito do
Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, notadamente, nos §§ 2º e 4º, restando caracterizada
a pretensão resistida na via administrativa, nos termos da orientação firmada pelo c. Supremo
Tribunal Federal, no julgamento do RE 631240/MG, em sede de repercussão geral.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o
implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e
a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da
benesse, ou de tê-la suprida pela família.
- Implementado o requisito etário e constatada pelo laudo socioeconômico a hipossuficiência, é
devido o Benefício de Prestação Continuada, a partir de 05/01/2017, por adstrição ao pedido
formulado na peça exordial.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de
liquidação, considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do
benefício (Súmula n. 111 do c. Superior Tribunal de Justiça).
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das
custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da
continuidade das condições que lhe deram origem.
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar parcialmente procedente o
pedido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA