
| D.E. Publicado em 27/11/2017 |
EMENTA
| CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL E FINAL DO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0026135-10.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Trata-se de apelação de sentença pela qual foi julgado improcedente o pedido da parte autora em ação objetivando a concessão do benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição da República, sob o fundamento de que não restou comprovado o requisito relativo à deficiência. A parte autora foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00 (hum mil reais), bem como custas e despesas processuais, exigíveis nos termos da Lei nº 1.060/50.
Em sua apelação, o autor pugna pela concessão do benefício de prestação continuada.
Sem apresentação de contrarrazões.
Em parecer de fl. 134/135º, o i. representante do Ministério Público Federal, opinou pelo provimento da apelação da parte autora.
É o relatório.
SERGIO NASCIMENTO
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0026135-10.2017.4.03.9999/SP
VOTO
Nos termos do art. 1011 do CPC/2015, recebo a apelação da parte autora.
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da República, que dispõe:
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência, limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de "pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação atualizada:
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a seguinte redação:
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e 'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada, seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho, ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, o laudo médico pericial realizado em 24.02.2015 (fls. 49/54), atesta que o autor (última atividade: rurícola, ensino fundamental incompleto) é portador de pancreatite e alcoolismo crônicos, hipertensão arterial e diabetes mellitus secundária à pancreatite. O perito concluiu pela ausência de incapacidade laborativa.
Em que pese o perito concluir pela ausência de incapacidade laborativa, entendo que os elementos probatórios existentes nos autos conduzem à conclusão diversa.
Com efeito, os documentos médicos juntados à fl. 26/33 e fl. 60/72, emitidos por profissionais da rede pública de saúde, dão conta de que o autor, desde o ano de 2003, apresenta pancreatite crônica de origem alcoólica, sofrendo de desnutrição e diabetes. Nesse diapasão, o atestado médico datado de 27.08.2015, revelava que o autor, na ocasião, era portador de neoplasia maligna de orofaringe, grau III, em tratamento oncológico de radioterapia (fl. 61).
Resta, patente, portanto, o requisito concernente à deficiência física, posto que as enfermidades sofridas pelo autor impedem que concorra em condições de igualdade no mercado de trabalho.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão que recebeu a seguinte ementa:
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 14.10.2015 (fl. 76/78), atestou que o núcleo familiar do autor é formado por ele (58 anos de idade, escolaridade: 3º ano do ensino fundamental, última atividade: carregador de caminhão, desempregado no momento da visita) e dois netos, menores, estudantes, criados pelos avós desde bebês, obedientes, não causando problemas no relacionamento familiar. Restou relatado que o autor não consegue trabalhar, sofrendo de câncer na garganta e suspeita no pâncreas. A família recebe cesta básica, em atraso de fornecimento há dois meses, dependendo da ajuda de vizinhos para alimentação, sendo que o autor recebe suplemento alimentar (Nutren) da Associação dos Voluntários contra o Câncer, pois apresenta dificuldades para se alimentar. Residem em casa de alvenaria, coberta com telha do tipo Brasilit, sem reboque nas paredes e chão de cimento, guarnecida por móveis bem simples em bom estado de conservação. A temperatura no interior do imóvel era bastante alta, trazendo desconforto, notadamente para pessoa em tratamento quimio e radioterápico. Restou anotado, ainda, que a esposa do autor colaborava na limpeza da escola Mineo Rossi em troca de sobra de merenda escolar.
Resta patente, assim, que o conjunto probatório existente nos autos demonstra que a parte autora preenche o requisito da deficiência física, comprovando sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à concessão do benefício assistencial.
Em consulta aos dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais, anexos, verifica-se que a autarquia concedeu o benefício de prestação continuada ao autor, com DIB em 13.10.2016, ativo atualmente, reconhecendo, assim, a presença dos requisitos para seu deferimento.
O termo inicial do benefício de prestação continuada deve ser fixado a partir da data do requerimento administrativo (11.06.2014 - fl. 23), devido até o dia anterior ao seu deferimento, na via administrativa, em 13.10.2016 (dados anexos).
Os juros de mora de mora e a correção monetária deverão ser calculados pela lei de regência.
Honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor das prestações que seriam devidas até a presente data, uma vez que o pedido foi julgado improcedente no Juízo "a quo", nos termos da Súmula 111 do STJ e de acordo com entendimento firmado por esta 10ª Turma.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora para julgar parcialmente procedente o pedido e condenar o réu a conceder-lhe o benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo, a partir da data do requerimento administrativo (11.06.2014 - fl. 22), devido até o dia anterior ao seu deferimento, na via administrativa, em 13.10.2016 (dados anexos). Honorários advocatícios arbitrados em 15% sobre o valor das prestações vencidas até a presente data.
É como voto.
SERGIO NASCIMENTO
Desembargador Federal Relator
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