
| D.E. Publicado em 29/01/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento à apelação, nos termos do voto da Desembargadora Federal Marisa Santos, que foi acompanhado pelo Desembargador Federal Gilberto Jordan e pelo Desembargador Federal Sergio Nascimento (que votou nos termos do art. 942 "caput" e §1º do CPC). Vencido o Relator que lhe dava provimento, que foi acompanhado, pela conclusão, pela Desembargadora Federal Ana Pezarini (4º voto). Julgamento nos termos do disposto no artigo 942 "caput" e § 1º do CPC.
Relatora para o acórdão
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0014043-97.2017.4.03.9999/SP
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS: Cuida-se de declarar o voto proferido no julgamento que deu provimento à apelação para julgar improcedente o pedido.
Na sessão de julgamento de 28 de agosto de 2017 a Nona Turma, por maioria de votos, deu provimento à apelação, sendo divergente o voto desta magistrada, que lhe negava provimento.
Passo a declarar o voto vencido.
O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus princípios norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento da pobreza no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e III, da CF, garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente necessitam.
A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no mencionado art. 203, V, da CF. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para a concessão do benefício: ser pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos ou mais - idade posteriormente reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos, sem condições de prover seu próprio sustento ou tê-lo provido pela família.
O Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65 anos - art. 34.
O art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de 06.7.2011 (DOU 07.7.2011), que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a idade de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso.
Também o conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela nova lei. O § 2º do art. 20 passou a dispor:
§ 2º. Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼ do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS foi arguida na ADIN nº 1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos pelo Plenário do STF.
A questão não restou pacificada na jurisprudência do STJ e do próprio STF, que passaram a adotar o entendimento de que a ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, mas, sim, que o § 3º do art. 20 estabeleceu uma presunção objetiva e absoluta de miserabilidade. Assim sendo, a família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se em estado de penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício, dispensando outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência.
Nesse sentido o entendimento do STJ - REsp 222778/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 04.11.1999, DJU 29.11.1999, p. 190:
"A Lei 8742/93, Art. 20, § 3º, quis apenas definir que a renda familiar inferior a ¼ do salário-mínimo é, objetivamente considerada, insuficiente para a subsistência do idoso ou portador de deficiência; tal regra não afasta, no caso em concreto, outros meios de prova da condição de miserabilidade da família do necessitado".
A questão foi novamente levada a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário 567985/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013, publicado em 03.10.2013:
"... O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento" (destaquei).
A fixação da renda per capita familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e justiça sociais que o art. 193 da Constituição Federal elegeu como objetivos da Ordem Social.
A fixação do salário mínimo como garantia do trabalhador e do inativo para fins de garantir sua manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade, representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser garantido, inclusive aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição.
Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de concessão do BPC, não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para dentro do sistema de Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com deficiência. Seria dar a todos, dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de dignidade e de bem-estar, reduzindo desigualdades sociais.
A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social, na prática, resulta na inexistência de nenhum critério, abrindo a possibilidade de o intérprete utilizar todos os meios de provas disponíveis para a verificação da situação de miséria que a lei quer remediar.
Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art. 194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de beneficiários e o orçamento de que dispõe.
A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da isonomia.
A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal.
A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que substitua o previsto no § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior à metade do salario mínimo vigente, para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real necessidade de concessão do benefício.
No caso dos autos, o autor contava com 76 (sessenta e seis) anos, quando ajuizou a presente ação, tendo por isso a condição de idoso.
O estudo social feito em junho de 2016, às fls. 81/85, informa que o autor reside com a mulher, Leonice Rodrigues Theodoro, de 68 anos, e as filhas Mariza Rodrigues Theodoro, de 42, e Cristina Rodrigues Theodoro, de 31, em casa que a família "pagava aluguel do imóvel, atualmente a casa está em processo no fórum do mesmo Município devido aos impostos não terem sido pagos, o proprietário do imóvel veio a falecer há 17 anos e não deixou nenhum sucessor, a família poderá ser despejada a qualquer momento". A residência tem dosi quartos, sala, cozinha e banheiro. As despesas são: telefone R$ 20,00; energia elétrica R$ 220,00; água R$ 50,00; gás R$ 50,00; alimentos R$ 700,00; remédios R$ 250,00; roupas R$ 150,00; empréstimo consignado R$ 200,00. O autor tem várias doenças, necessita de ajuda de terceiros devido à amputação da perna esquerda e a visão totalmente comprometida. A única renda da família advém da aposentadoria da mulher do autor, no valor de R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais) mensais.
A consulta ao CNIS (fls. 124 e 183) indica que a mulher do autor, idosa, nascida em 25.05.1948, é beneficiária de aposentadoria por idade, desde 26.08.2008, no valor de um salário mínimo ao mês, benefício que deve ser excluído no cômputo da renda familiar, por analogia, nos termos do art. 34, par. único, da Lei nº 10.741/2003; e, quanto às filhas, Mariza tem vínculo de trabalho com KAE SERVIÇOS E COMERCIO LTDA - ME, no período de 17.08.2007 a 01.06.2015, percebendo o valor, em média, de pouco mais que um salário mínimo ao mês, e Cristina tem vínculo de trabalho nos períodos de 03.10.2011 a 19.03.2015, de 08.10.2015 a 25.03.2016, de 14.03.2016 a 28.03.2016, de 09.06.2016 a 02.09.2016 e de 03.11.2016 a 31.01.2017, percebendo o valor, em média, de pouco mais que um salário mínimo e meio ao mês.
Ainda que a renda familiar per capita seja pouco superior à metade do salário mínimo, levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais condições apresentadas, entendo que não justifica o indeferimento do benefício.
Diante do que consta nos autos, verifico que a situação é precária e de miserabilidade, dependendo do benefício assistencial para suprir as necessidades básicas, sem condições de prover o seu sustento com a dignidade exigida pela Constituição Federal.
Assim, preenche a autora os requisitos necessários ao deferimento do benefício.
Quanto ao termo inicial, o benefício é devido desde o seu cancelamento na via administrativa.
Com essas considerações, pedindo vênia ao senhor Relator, NEGO PROVIMENTO à apelação.
É o voto.
MARISA SANTOS
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0014043-97.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Cuida-se de apelação interposta em face de sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício de amparo social, discriminados os consectários, concedida a tutela de evidência.
O INSS alega que o benefício é indevido por ausência de miserabilidade e requer a reforma para a improcedência total do pleito.
Subiram os autos a esta egrégia Corte.
Manifestou-se a Procuradoria Regional da República pela regularização da procuração e pelo improvimento da apelação, diante da ausência de miserabilidade.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço do apelo em razão da satisfação de seus requisitos.
Indevida e desnecessária a regularização da procuração, ante a não situação de analfabetismo do autor. Não basta a constatação de que 67% da população brasileira seja semianalfabeta, pois no caso em espécie não se pode partir da premissa que o autor não compreenda os termos do mandato.
No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
O critério da miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova, conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Ressalte-se que o critério do meio salário mínimo foi estabelecido para outros benefícios diversos do amparo social. Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Vale dizer, não se pode tomar como "taxativo" o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS, mesmo porque toda regra jurídica deve pautar-se na realidade fática. Entendo pessoalmente que, em todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à noção de hipossuficiência, devendo ser apurado se vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.
Sendo assim, pode-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de cada caso, como por exemplo:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da Constituição Federal) não são miseráveis.
Vamos adiante.
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência, faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67 (sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n. 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Resta consignar que a Assistência Social, tal como regulada na Constituição Federal e na Lei nº 8.742/93, tem caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social, previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido "Estado de bem-estar social", forjado no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, lícito é inferir que só deve ser prestada em casos de real necessidade, dentro das estritas regras do direito material, sob pena de comprometer a mesma proteção social não apenas das futuras gerações, mas também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um) salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de propiciar igualdade, isonomia de condições a todos.
Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial geraria não apenas injustiça aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de contribuir, ou mesmo não se filiem ou não contribuam, o que constitui situação anômala e gravíssima do ponto de vista atuarial.
No mais, não deve o Estado substituir a sociedade em situações onde esta consegue, ela própria, mediante esforço, resolver suas pendências, sob pena de se construir uma sociedade de freeloaders, cada vez mais dependente das prestações do Estado e incapaz de construir um futuro social e economicamente viável para si própria.
Nesse diapasão, a proteção social baseada na solidariedade legal não tem como finalidade cobrir contingências encontradas somente na letra da lei (dever-ser) e não no mundo dos fatos (ser). Cabe, em casos que tais, à sociedade (solidariedade social) prestar na medida do possível assistência aos próximos.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade da 'Rerum Novarum', p. 545).
Ademais, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social (autora é inscrita como dependente do marido) está, em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in verbis: "A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social, frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o de assistência médica" (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
CASO CONCRETO
Primeiramente, analiso o requisito (subjetivo) da idade avançada qualificada.
Nos termos dos documentos constantes dos autos, a parte autora possui idade superior a 65 (sessenta e cinco) anos.
Além disso, o autor possui problemas de saúde decorrentes do diabetes.
Todavia, não está patenteada a miserabilidade jurídica para fins assistenciais.
O estudo social apontou que o autor vive com a esposa e duas filhas, sem pagar aluguel, em casa onde vivem há décadas.
A esposa recebe aposentadoria por idade, que deve ser "desconsiderada", na forma do artigo 34, § único, do Estatuto do Idoso.
As duas filhas se declararam desempregadas no momento da perícia, mas o CNIS informa que possuem vários vínculos, inclusive recentes.
Além disso, no total o autor possui 5 (cinco) filhos, sendo 2 (dois) solteiros.
Ora, o dever de sustento dos filhos não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser provido pela família.
Logo, os artigos 203, V e 229 do Texto Magno devem ser levadas em conta na apuração da miserabilidade, não podendo o artigo 20, § 3º, da LOAS ser interpretado de forma isolada, como se não houvesse normas constitucionais regulando a questão.
Recentemente, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a tese que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção". A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de 1988, deve ser no sentido de que "a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da subsidiariedade".
Neste feito, não há qualquer comprovação de que os filhos não podem prestar auxílio financeiro à parte autora, de modo que restam comprovados os fatos constitutivos de seu direito.
Assim, no caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: "Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade."
Vide, no mais, o capítulo anterior deste julgado, sob a rubrica "SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL".
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
Ante o exposto, conheço da apelação e lhe dou provimento, para julgar improcedente o pedido.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Comunique-se, via e-mail, para fins de revogação da tutela de evidência concedida.
É o voto.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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