Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5636739-22.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
26/03/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 27/03/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA.
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI
8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E.
STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL E FINAL DO BENEFÍCIO.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, "in casu" tratando-se de autora
incapacitada de forma total e temporária para o trabalho.
II - Em que pese o perito concluir pela incapacidade temporária da autora, há que se reconhecer
que as limitações por ela apresentadas, autorizavam aconcessão do benefício assistencial, caso
preenchidoo requisito socioeconômico, haja vista que possuía'impedimentos de longo prazo', com
potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de
condições com outras pessoas.
III- Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
IV- Não obstante a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
V - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção.
VI -O termo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data do requerimento efetuado em
20.09.2016, devido até a data do óbito da autora, ocorrido em 23.04.2019.
VII - Honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor das parcelas
vencidas até a data até a data do presente julgamento, eis que de acordo com o entendimento da
10ª Turma desta E. Corte.
VIII - Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5636739-22.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: ARNALDO VEIGA
SUCEDIDO: ISABEL DOS SANTOS VEIGA
Advogado do(a) APELANTE: CELSO APARECIDO DOMINGUES - SP227439-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5636739-22.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: ARNALDO VEIGA
SUCEDIDO: ISABEL DOS SANTOS VEIGA
Advogado do(a) APELANTE: CELSO APARECIDO DOMINGUES - SP227439-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo Sr Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Trata-se de apelação de
sentença pela qual foi julgado improcedente o pedido formulado pela parte autora em ação
objetivando a concessão do benefício de prestação continuada. A parte autora foi condenada ao
pagamento de custas, custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em
R$1.000,00, nos termos do artigo 85, §8º do NCPC, observados os benefícios da justiça gratuita
que lhe foram concedidos.
A parte autora recorre, pugnando pela concessão do benefício de prestação continuada, a partir
da data do requerimento administrativo, pleiteando, ainda, a majoração da verba honorária para
20% sobre o valor da condenação.
Contrarrazões do réu.
Foi noticiado o falecimento da parte autora no curso da lide, ocorrido em 23.04.2019, procedida a
habilitação de seus herdeiros.
O i. representante do Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação da parte
autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5636739-22.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: ARNALDO VEIGA
SUCEDIDO: ISABEL DOS SANTOS VEIGA
Advogado do(a) APELANTE: CELSO APARECIDO DOMINGUES - SP227439-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Nos termos do art. 1011 do CPC, recebo a apelação da parte autora.
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da
Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo
e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o
beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia médica,
datada de 16.10.2017, atestou, à época, que a autora foi diagnosticada com depressão e
diabetes mellitus há três anos, com início de tratamento médico há um ano, com perda
progressiva da memória, desatenção e perda de noção do espaço e localização. Compareceu ao
exame acompanhada de sua filha, que referiu que, juntamente com o pai, preparava sua
alimentação e que realizava movimentação intradomiciliar apoiada em paredes e móveis. Restou
relatado, ainda, que não ajudava nas tarefas caseiras, possuindo sono noturno regular com
medicamentos, não saindo de casa sozinha. Informado pelo expert que a autora compareceu à
perícia em bom estado geral, atendendo ao chamado pelo seu nome na sala de espera com leve
hesitação, deambulando sem claudicação, porém com lentidão e em pequenos passos, sem
esbarrar nos objetos decorativos e móveis da sala, apoiando-se em mesa, cadeira ou paredes,
sentou sozinha em cadeira com dificuldade, permaneceu sentada sem desequilíbrios nem
atitudes viciosas. Apresentava lentidão psicomotora, desatenção, fluência verbal e compreensão
reduzidas, calma e com bom controle emocional, desorientada em tempo e espaço, memória
reduzida, não se lembrando de nenhum objeto em três citados após 1 e 5, juízo crítico e funções
executivas básicas comprometidas, pouco respondeu as questões básicas de anamnese ,
necessitando de muita ajuda da filha. Concluiu pela incapacidade laborativa total temporária,
devendo permanecer afastada do trabalho por seis meses, a partir da data da perícia, para
tratamentos neurológicos específicos, necessitando de supervisão constante de outra pessoa ,
sadia e responsável , devido suas doenças, apresentando, como diagnóstico, depressão
recorrente, síndrome demencial e diabetes mellitus.
Em que pese o perito concluir pela incapacidade temporária da autora, há que se reconhecer que
as limitações por ela apresentadas, autorizavam aconcessão do benefício assistencial, caso
preenchidoo requisito socioeconômico, haja vista que possuía'impedimentos de longo prazo', com
potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de
condições com outras pessoas.
Preenchido, portanto, o requisito concernente à deficiência física.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão
que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 14.09.2017, deu conta de que o núcleo familiar
da autora, 58 anos de idade, ensino fundamental incompleto, era formado por ela, seu
companheiro, Arnaldo Veiga, 71 anos de idade, ensino fundamental incompleto. O casal estava
junto há quarenta anos, contando com cinco filhos que constituíram novas famílias, sem
condições de ajudá-los (Amélia, Marisa e Maria José: todas do lar, Adalto e Arnaldo Filho: ambos
serviços gerais como rural). O rendimento familiar era proveniente do auxílio-acidente recebido
pelo Sr Arnaldo, no valor de R$ 467,00, e da comissão da revenda de pães adquiridos em
panificadora, realizada com seu carrinho de madeira, oferecendo pães na rua, com lucro de R$
0,10 centavos por unidade e em uma média de venda de 30 unidade de pãezinhos por dia, ou
seja, recebendo apenas R$3,00. Foi informado, ainda, que em 1989, o Sr Arnaldo sofreu acidente
de trabalho na Usina Guarani, perdendo parte do movimento da mão direita e, após cirurgia da
catarata, perdeu visão do olho direito. A filha, Amélia, informou que ia à casa dos genitores todos
os dias para cuidar dos afazeres domésticos, alimentação e da saúde dos pais, porque sua mãe
não tem condições físicas e psicológicas de cuidar da casa. Arnaldo e Amélia também relataram
que Isabel tinha perda de memória frequente decorrente da depressão e do diabetes, não
podendo ficar sozinha e mesmo fazendo o controle com a medicação e alimentação muitas vezes
ficava inconsciente por vários dias, necessitando de internação para controlar a doença. Arnaldo
relatou que só trabalhava na revenda dos pães porque ele e sua esposa passarem por várias
necessidades como alimentação, medicação e não tinhacondições de pagar as contas de energia
em atraso. No momento da visita, possuíam três contas de energia em atraso sendo do mês de
junho no valor R$ 69,21, mês de julho no valor R$ 67,52 e referente ao mês de agosto no valor de
R$ 66,46, sujeitos a ficar sem o fornecimento de energia. A residência da família era própria, em
bom estado de conservação, com infraestrutura necessária (água, energia, rede de esgoto e
asfalto), guarnecida por móveis em bom estado de conservação, não possuindo automóvel.
Os dados do CNIS demonstram que o companheiro da autora recebe auxílio-acidente no valor de
R$ 499,00.
Entendo, assim, que o conjunto probatório existente nos autos demonstra que a falecida autora
preenchia o requisito da deficiência física, comprovando sua hipossuficiência econômica, fazendo
jus à concessão do benefício assistencial, tendo em vista a precariedade da situação econômica
da família, ante os problemas de saúde por ela enfrentados.
O termo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data do requerimento efetuado em
20.09.2016, devido até a data do óbito da autora, ocorrido em 23.04.2019.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência.
Honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor das parcelas vencidas
até a data até a data da sentença (23.04.2018), eis que de acordo com o entendimento da 10ª
Turma desta E. Corte.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora para julgar parcialmente
procedente seu pedido e condenar o réu a conceder-lhe o benefício de prestação continuada a
contar da data do requerimento efetuado em 20.09.2016, devido até a data do óbito da autora,
ocorrido em 23.04.2019, bem como para majorar a verba honorária para 15% (quinze por cento)
sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA.
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI
8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E.
STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL E FINAL DO BENEFÍCIO.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal
e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações
trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na
forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, "in casu" tratando-se de autora
incapacitada de forma total e temporária para o trabalho.
II - Em que pese o perito concluir pela incapacidade temporária da autora, há que se reconhecer
que as limitações por ela apresentadas, autorizavam aconcessão do benefício assistencial, caso
preenchidoo requisito socioeconômico, haja vista que possuía'impedimentos de longo prazo', com
potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de
condições com outras pessoas.
III- Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
IV- Não obstante a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
V - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção.
VI -O termo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data do requerimento efetuado em
20.09.2016, devido até a data do óbito da autora, ocorrido em 23.04.2019.
VII - Honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor das parcelas
vencidas até a data até a data do presente julgamento, eis que de acordo com o entendimento da
10ª Turma desta E. Corte.
VIII - Apelação da parte autora parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egregia Decima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3 Regiao, por unanimidade, dar parcial provimento a
apelacao da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
