Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5066734-66.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
12/04/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 12/04/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA SOCIAL - BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA - ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXTINÇÃO DO
PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. COISA JULGADA - INEXISTÊNCIA. NOVA
PERÍCIA MÉDICA - DESNECESSÁRIA. REQUISITOS COMPROVADOS. APELAÇÃO
IMPROVIDA. TUTELA ANTECIPADA MANTIDA.
I - O exame dos autos demonstra que a autora já ajuizou ação perante o Juizado Especial de São
Paulo, sob nº 0009962-77.2014.4.03.6324, em 28.10.2014, por meio da qual postulou a
concessão de benefício idêntico ao ora pleiteado. No entanto, o pedido foi julgado procedente no
período de 26.03.2014 a 27.01.2016, com o consequente trânsito em julgado em 12.09.2017 (ID -
7760901).
II - Considerando haver decorrido mais de 02 (cinco) anos entre a feitura do laudo médico pericial
em cada um dos feitos, perfeitamente crível a alteração das condições fáticas no tocante à
apuração do estado de saúde da autora. Portanto, há que se afastar a tese de coisa julgada entre
as ações, por não serem idênticas as causas de pedir.
III - Desnecessária a produção de nova perícia porque o laudo médico foi feito por profissional
habilitado, bem como sua conclusão baseou-se em exames físicos. O laudo pericial conclusivo e
fundamentado, não havendo qualquer contrariedade ou dúvida. Não houve prejuízo às partes
capaz de ensejar a nulidade do feito, não havendo cerceamento de defesa.
IV - O Supremo Tribunal Federal, no RE n. 567.985, reconheceu a inconstitucionalidade parcial,
sem pronúncia de nulidade, do art.20, §3º, da Lei nº 8.742/93, e do art. 34, par. único, da Lei nº
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
10.741/2003.
V - O que define a deficiência é a presença de "impedimentos de longo prazo, de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas" (art. 20, § 2º, da LOAS).
VI - O laudo pericial feito em 19.09.2017 (ID-7760894) atesta que a autora é portadora de
deficiência mental com transtorno psiquiátrico e conclui que está “inapta total permanente desde
há quatros anos quando começou a tratamento psiquiátrico”. Em exame físico, o perito relata:
“Confunde-se com datas. Leve restrição de movimento de ombro direito com dificuldade para
colocar a mão direita na nuca e na cintura posterior”.
VII - A situação apontada pelo perito se ajusta ao conceito de pessoa com deficiência previsto no
art. 20, § 2º, I e II.
VIII - No estudo social feito em 26.02.2008 (ID-7760896), a autora “afirma que mora com um
“namorado”, Sr. José Eduardo Sobrinho, 47 anos, desempregado, dependente químico, usuário
de bebidas alcoólicas, está internado na Clínica do Padre Osvaldo em Catanduva – SP. A
residência composta de quarto, banheiro, cozinha, encontra-se em estado precário, os móveis
são velhos, gastos pelo tempo. O imóvel não possui forração, o piso é cimentado, de alvenaria e
telhas do tipo francesas. Reside em imóvel alugado, por R$ 380,00 mensais, o aluguel está
atrasado há “onze meses” (sic). O imóvel muito simples e humilde pertence à Sra. Luzia
Marquezine. Afirma que mora no imóvel há cerca de dezenove anos”. A autora vive “da ajuda do
“povo”, água não paga há muitos anos, luz elétrica foi “cortada há mais de oito meses”, costuma
“catar reciclagem mas o que consegue ganhar é muito pouco”. A autora é beneficiária do
Programa Bolsa Família, no valor de R$ 85,00 (oitenta e cinco reais) mensais.
IX - A consulta ao CINS não aponta vínculo de trabalho em nome da autora e, quanto ao
companheiro, indica que o último vínculo de trabalho cessou em 14.03.2007, sendo beneficiário
de auxílio-doença previdenciário de 03.12.2006 a 31.12.2006.
X - A renda familiar per capita é inferior à metade do salário mínimo.
XI - Levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais condições
apresentadas, entendo que não justifica o indeferimento do benefício.
XII - A situação é precária e de miserabilidade, dependendo a autora do benefício assistencial
que recebe para suprir as necessidades básicas, sem condições de prover o seu sustento com a
dignidade exigida pela Constituição Federal.
XIII - Apelação não conhecida em parte e, na parte conhecida, improvida. Tutela antecipada
mantida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5066734-66.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALNIDI MADUREIRA SILVA
Advogados do(a) APELADO: SILMARA GUERRA SUZUKI - SP194451-N, JULIANA ANTONIA
MENEZES PEREIRA - SP280011-N
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5066734-66.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALNIDI MADUREIRA SILVA
Advogados do(a) APELADO: SILMARA GUERRA SUZUKI - SP194451-N, JULIANA ANTONIA
MENEZES PEREIRA - SP280011-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Ação ajuizada contra o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS, para a obtenção do benefício assistencial previsto no art. 203,
V, da CF.
Segundo a inicial, a autora é pessoa com deficiência, não tendo condições de prover seu sustento
ou de tê-lo provido por sua família, fazendo jus ao benefício.
Concedidos os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo de 1º grau julgou procedente o pedido e condenou o INSS ao pagamento do benefício de
prestação continuada, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data da citação, em
06/09/2017 (ID – 7760884), com correção monetária e juros de mora nos termos do art. 1º-F da
Lei 9.494/97, e honorários advocatícios fixados em 10% das prestações vencidas até a data da
sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ. Deferiu, ainda, a antecipação da tutela.
Sentença proferida em 25.05.2018, não submetida ao reexame necessário.
Em apelação, o INSS pede a anulação da sentença e a extinção do feito, tendo em vista a
existência de coisa julgada. Pede, ainda, a nulidade da sentença para a feitura de nova perícia
médica para a apuração de novas provas. Requer seja atribuído efeito suspensivo para a
suspensão dos efeitos da tutela concedida na sentença. Caso o entendimento seja outro,
sustenta a fixação da correção monetária nos termos do art. 1º-F da Lei 9.494/97.
Com contrarrazões, subiram os autos.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo improvimento da apelação, mantendo a
antecipação da tutela.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5066734-66.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALNIDI MADUREIRA SILVA
Advogados do(a) APELADO: SILMARA GUERRA SUZUKI - SP194451-N, JULIANA ANTONIA
MENEZES PEREIRA - SP280011-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Ação ajuizada contra o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS, para a obtenção do benefício assistencial previsto no art. 203,
V, da CF.
Conheço parcialmente da apelação do INSS, deixando de analisar o pedido relativo à correção
monetária, uma vez que a sentença foi proferida exatamente nos termos do inconformismo.
Com efeito, o exame dos autos demonstra que a autora já ajuizou ação perante o Juizado
Especial de São Paulo, sob nº 0009962-77.2014.4.03.6324, em 28.10.2014, por meio da qual
postulou a concessão de benefício idêntico ao ora pleiteado. No entanto, o pedido foi julgado
procedente no período de 26.03.2014 a 27.01.2016, com o consequente trânsito em julgado em
12.09.2017 (ID - 7760901).
Contudo, considerando haver decorrido mais de 02 (cinco) anos entre a feitura do laudo médico
pericial em cada um dos feitos, perfeitamente crível a alteração das condições fáticas no tocante
à apuração do estado de saúde da autora.
Portanto, há que se afastar a tese de coisa julgada entre as ações, por não serem idênticas as
causas de pedir.
Nesse sentido:
"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 471 DO CPC. REVISÃO DE
BENEFICIOS. POSSIBILIDADE.
- No caso sub examine, pretende-se a revisão do critério de reajuste das prestações do beneficio
acidentário fixado na sentença de liquidação, ou seja, da relação jurídica continuativa. Postulação
possível, sem ofensa a coisa julgada.
- Nas relações de trato continuo, as sentenças produzem coisa julgada rebus sic stantibus .
- Agravo Regimental conhecido e provido."
(AgRg REsp 50436/SP, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 03.03.1997).
Em igual sentido é o entendimento desta Corte:
"CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PRELIMINAR. COISA
JULGADA . INOCORRÊNCIA. REQUISITOS LEGAIS.
I - Em se tratando de benefício assistencial de prestação continuada, a causa de pedir resulta
diversa se comprovada a alteração da situação sócio-econômica, não se operando, assim, a
ocorrência de coisa julgada material.
II - Os artigos 20, §3º, da Lei 8.742/93 e 4º, IV, do Decreto 6.214/07 não são os únicos critérios
para aferição da hipossuficiência econômica, razão pela qual é de se reconhecer que muitas
vezes o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o
benefício.
III - A parte autora tem mais de 65 anos e não tem condições de prover seu próprio sustento, ou
tê-lo provido por sua família, motivo pelo qual impõe-se a concessão do benefício assistencial
previsto no artigo 203, V, da Constituição da República.
IV - Preliminar rejeitada. Apelação do réu improvida."
(AC 2007.61.17.001929-5/SP, Rel. Des. Fed. Sergio Nascimento, 10ª Turma, j. 12.05.2009, DJF3
CJ1 27/05/2009, p. 540);
"PROCESSUAL CIVIL E ASSISTENCIAL. PRESTAÇÃO CONTINUADA. EXTINÇÃO DO
PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. COISA JULGADA . INEXISTÊNCIA.
ANULAÇÃO.
1. A causa de pedir, na primitiva ação (proc. nº 96.03.007799-2), distingue-se da causa de pedir
da presente demanda, porquanto aquela fora julgada com base na Lei 8.213/91, que exigia a
prova de efetivo trabalho além das contribuições para o INSS, requisitos que a lei atual não exige.
Sabe-se que as ações serão idênticas quando possuírem os mesmos elementos, ou seja, partes,
pedido e causa de pedir . In casu, não havendo identidade de causa de pedir entre as ações, não
há falar-se em coisa julgada.
2. A sentença que julga o pedido de benefício assistencial traz implicitamente, a cláusula rebus
sic stantibus, garantindo à parte direito ingressar com nova ação, com base em fatos novos ou
direito novo. Nestas ações os requisitos referentes à deficiência incapacitante e à miserabilidade
podem ser revistos a qualquer tempo, se houver modificação na situação física ou financeira da
parte.
3. Sentença anulada. Apelação parcialmente provida."
(AC 2002.03.99.025111-7/SP, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, 7ª Turma, DJU 06.04.2006, p.
638).
Acrescente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação
continuada deve ser revisto a cada dois anos, para avaliação da continuidade das condições que
lhe deram origem.
Desnecessária a produção de nova perícia porque o laudo médico foi feito por profissional
habilitado, bem como sua conclusão baseou-se em exames físicos.
Ademais, o laudo pericial conclusivo e fundamentado, não havendo qualquer contrariedade ou
dúvida.
Não houve prejuízo às partes capaz de ensejar a nulidade do feito, não havendo cerceamento de
defesa.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. APRESENTAÇÃO DE
LAUDO PERICIAL. INSTRUÇÃO PROCESSUAL ENCERRADA. REALIZAÇÃO DE NOVA
PERÍCIA . DESNECESSIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
I - O destinatário da prova é o juiz que verificará a necessidade de sua realização a fim de formar
sua convicção a respeito da lide, nos termos do art. 130, do CPC.
II - Verificada a desnecessidade de realização da prova, é lícito ao magistrado indeferi-la, quando
o fato controvertido não depender desta para seu deslinde. Só ao juiz cabe avaliar a necessidade
de novas provas.
III - Produção de prova pericial deferida. Apresentado o laudo, o perito respondeu às questões
formuladas pelos requerentes.
IV - Considerando que o laudo pericial apresentado contém elementos suficientes para a
formação do convencimento do Magistrado a quo, e que atendeu plenamente as indagações
apresentadas, não restando qualquer omissão ou imprecisão a sanar, desnecessária a realização
de uma nova perícia médica.
V - Inocorrência de cerceamento de defesa, vez que, a agravante teve oportunidade de se
manifestar sobre o laudo.
VI - Agravo não provido.
(TRF 3ª Região, AG 193962, Proc. 200303000735242/SP, 8ª Turma, unânime, Des. Fed.
Marianina Galante, DJU 29/03/2006, p. 537).
Passo à análise do mérito.
O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus princípios
norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento da pobreza
no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e III, da CF,
garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente necessitam.
A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no mencionado art.
203, V, da CF. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para a concessão do benefício: ser
pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos ou mais - idade posteriormente
reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos, sem condições de prover seu
próprio sustento ou tê-lo provido pela família.
O Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65
anos - art. 34.
O art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de
06.7.2011 (DOU 07.7.2011), que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a idade de 65
(sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso.
Também o conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela nova lei. O § 2º do art. 20 passou
a dispor:
§ 2º. Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼
do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS foi arguida na ADIN nº
1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos pelo Plenário do STF.
A questão não restou pacificada na jurisprudência do STJ e do próprio STF, que passaram a
adotar o entendimento de que a ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da
necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, mas, sim, que o § 3º
do art. 20 estabeleceu uma presunção objetiva e absoluta de miserabilidade. Assim sendo, a
família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se em estado de
penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício, dispensando
outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de prova
poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na
situação de absoluta carência de recursos para a subsistência.
Nesse sentido o entendimento do STJ - REsp 222778/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, j.
04.11.1999, DJU 29.11.1999, p. 190:
"A Lei 8742/93, Art. 20, § 3º, quis apenas definir que a renda familiar inferior a ¼ do salário-
mínimo é, objetivamente considerada, insuficiente para a subsistência do idoso ou portador de
deficiência; tal regra não afasta, no caso em concreto, outros meios de prova da condição de
miserabilidade da família do necessitado".
A questão foi novamente levada a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que
reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário 567985/MT,
Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013, publicado em
03.10.2013:
"... O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar
a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a
constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios
objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei
8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia
quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios
mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004,
que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de
notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário
a que se nega provimento" (destaquei).
A fixação da renda per capita familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e
justiça sociais que o art. 193 da Constituição Federal elegeu como objetivos da Ordem Social.
A fixação do salário mínimo como garantia do trabalhador e do inativo para fins de garantir sua
manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade,
representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser garantido, inclusive
aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição.
Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de
concessão do BPC, não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para
dentro do sistema de Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com
deficiência. Seria dar a todos, dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de
dignidade e de bem-estar, reduzindo desigualdades sociais.
A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência
Social, na prática, resulta na inexistência de nenhum critério, abrindo a possibilidade de o
intérprete utilizar todos os meios de provas disponíveis para a verificação da situação de miséria
que a lei quer remediar.
Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do
benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art.
194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar
as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de
beneficiários e o orçamento de que dispõe.
A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao
princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da
isonomia.
A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante
do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal.
A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que
substitua o previsto no § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de
miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior a metade do salario mínimo vigente,
para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real
necessidade de concessão do benefício.
O art. 203, V, da Constituição Federal, protege a pessoa com deficiência, sem condições de
prover seu sustento ou de tê-lo provido por sua família, o que não se esgota na simples análise
da existência ou inexistência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho. O
legislador constituinte quis promover a integração da pessoa com deficiência na sociedade e no
mercado de trabalho, mas não transformou a deficiência em incapacidade e nem a incapacidade
em deficiência. Então, já na redação original da lei, a incapacidade para o trabalho e a vida
independente não eram definidores da deficiência.
Com a alteração legislativa, o conceito foi adequado, de modo que a incapacidade para o trabalho
e para a vida independente deixaram de ter relevância até mesmo para a lei.
O que define a deficiência é a presença de "impedimentos de longo prazo, de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas" (art. 20, § 2º, da LOAS).
No caso dos autos, o laudo pericial feito em 19.09.2017 (ID-7760894) atesta que a autora é
portadora de deficiência mental com transtorno psiquiátrico e conclui que está “inapta total
permanente desde há quatros anos quando começou a tratamento psiquiátrico”. Em exame físico,
o perito relata: “Confunde-se com datas. Leve restrição de movimento de ombro direito com
dificuldade para colocar a mão direita na nuca e na cintura posterior”.
Dessa forma, a situação apontada pelo perito se ajusta ao conceito de pessoa com deficiência
previsto no art. 20, § 2º, I e II.
No estudo social feito em 26.02.2008 (ID-7760896), a autora “afirma que mora com um
“namorado”, Sr. José Eduardo Sobrinho, 47 anos, desempregado, dependente químico, usuário
de bebidas alcoólicas, está internado na Clínica do Padre Osvaldo em Catanduva – SP. A
residência composta de quarto, banheiro, cozinha, encontra-se em estado precário, os móveis
são velhos, gastos pelo tempo. O imóvel não possui forração, o piso é cimentado, de alvenaria e
telhas do tipo francesas. Reside em imóvel alugado, por R$ 380,00 mensais, o aluguel está
atrasado há “onze meses” (sic). O imóvel muito simples e humilde pertence à Sra. Luzia
Marquezine. Afirma que mora no imóvel há cerca de dezenove anos”. A autora vive “da ajuda do
“povo”, agua não paga há muitos anos, luz elétrica foi “cortada há mais de oito meses”, costuma
“catar reciclagem mas o que consegue ganhar é muito pouco”. A autora é beneficiária do
Programa Bolsa Família, no valor de R$ 85,00 (oitenta e cinco reais) mensais.
A consulta ao CINS não aponta vínculo de trabalho em nome da autora e, quanto ao
companheiro, o último vínculo de trabalho cessou em 14.03.2007, sendo beneficiário de auxílio-
doença previdenciário de 03.12.2006 a 31.12.2006.
Dessa forma, a renda familiar per capita é inferior à metade do salário mínimo.
Levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais condições
apresentadas, entendo que não justifica o indeferimento do benefício.
A situação é precária e de miserabilidade, dependendo a autora do benefício assistencial que
recebe para suprir as necessidades básicas, sem condições de prover o seu sustento com a
dignidade exigida pela Constituição Federal.
Assim, preenche a autora todos os requisitos necessários ao deferimento do benefício.
NÃO CONHEÇO de parte da apelação, e, na parte conhecida, NEGO-LHE provimento, mantendo
a antecipação da tutela.
É o voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA SOCIAL - BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA - ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXTINÇÃO DO
PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. COISA JULGADA - INEXISTÊNCIA. NOVA
PERÍCIA MÉDICA - DESNECESSÁRIA. REQUISITOS COMPROVADOS. APELAÇÃO
IMPROVIDA. TUTELA ANTECIPADA MANTIDA.
I - O exame dos autos demonstra que a autora já ajuizou ação perante o Juizado Especial de São
Paulo, sob nº 0009962-77.2014.4.03.6324, em 28.10.2014, por meio da qual postulou a
concessão de benefício idêntico ao ora pleiteado. No entanto, o pedido foi julgado procedente no
período de 26.03.2014 a 27.01.2016, com o consequente trânsito em julgado em 12.09.2017 (ID -
7760901).
II - Considerando haver decorrido mais de 02 (cinco) anos entre a feitura do laudo médico pericial
em cada um dos feitos, perfeitamente crível a alteração das condições fáticas no tocante à
apuração do estado de saúde da autora. Portanto, há que se afastar a tese de coisa julgada entre
as ações, por não serem idênticas as causas de pedir.
III - Desnecessária a produção de nova perícia porque o laudo médico foi feito por profissional
habilitado, bem como sua conclusão baseou-se em exames físicos. O laudo pericial conclusivo e
fundamentado, não havendo qualquer contrariedade ou dúvida. Não houve prejuízo às partes
capaz de ensejar a nulidade do feito, não havendo cerceamento de defesa.
IV - O Supremo Tribunal Federal, no RE n. 567.985, reconheceu a inconstitucionalidade parcial,
sem pronúncia de nulidade, do art.20, §3º, da Lei nº 8.742/93, e do art. 34, par. único, da Lei nº
10.741/2003.
V - O que define a deficiência é a presença de "impedimentos de longo prazo, de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas" (art. 20, § 2º, da LOAS).
VI - O laudo pericial feito em 19.09.2017 (ID-7760894) atesta que a autora é portadora de
deficiência mental com transtorno psiquiátrico e conclui que está “inapta total permanente desde
há quatros anos quando começou a tratamento psiquiátrico”. Em exame físico, o perito relata:
“Confunde-se com datas. Leve restrição de movimento de ombro direito com dificuldade para
colocar a mão direita na nuca e na cintura posterior”.
VII - A situação apontada pelo perito se ajusta ao conceito de pessoa com deficiência previsto no
art. 20, § 2º, I e II.
VIII - No estudo social feito em 26.02.2008 (ID-7760896), a autora “afirma que mora com um
“namorado”, Sr. José Eduardo Sobrinho, 47 anos, desempregado, dependente químico, usuário
de bebidas alcoólicas, está internado na Clínica do Padre Osvaldo em Catanduva – SP. A
residência composta de quarto, banheiro, cozinha, encontra-se em estado precário, os móveis
são velhos, gastos pelo tempo. O imóvel não possui forração, o piso é cimentado, de alvenaria e
telhas do tipo francesas. Reside em imóvel alugado, por R$ 380,00 mensais, o aluguel está
atrasado há “onze meses” (sic). O imóvel muito simples e humilde pertence à Sra. Luzia
Marquezine. Afirma que mora no imóvel há cerca de dezenove anos”. A autora vive “da ajuda do
“povo”, água não paga há muitos anos, luz elétrica foi “cortada há mais de oito meses”, costuma
“catar reciclagem mas o que consegue ganhar é muito pouco”. A autora é beneficiária do
Programa Bolsa Família, no valor de R$ 85,00 (oitenta e cinco reais) mensais.
IX - A consulta ao CINS não aponta vínculo de trabalho em nome da autora e, quanto ao
companheiro, indica que o último vínculo de trabalho cessou em 14.03.2007, sendo beneficiário
de auxílio-doença previdenciário de 03.12.2006 a 31.12.2006.
X - A renda familiar per capita é inferior à metade do salário mínimo.
XI - Levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais condições
apresentadas, entendo que não justifica o indeferimento do benefício.
XII - A situação é precária e de miserabilidade, dependendo a autora do benefício assistencial
que recebe para suprir as necessidades básicas, sem condições de prover o seu sustento com a
dignidade exigida pela Constituição Federal.
XIII - Apelação não conhecida em parte e, na parte conhecida, improvida. Tutela antecipada
mantida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu conhecer de parte da apelação e negar-lhe provimento na parte conhecida,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
