
| D.E. Publicado em 12/03/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer de parte da apelação e dar-lhe parcial provimento na parte conhecida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0024907-63.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para a obtenção do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
Segundo a inicial, a parte autora é pessoa com deficiência, não tendo condições de prover seu sustento ou de tê-lo provido por sua família, fazendo jus ao benefício.
Foram concedidos os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O juízo de 1º grau julgou procedente o pedido e condenou o INSS ao pagamento do benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo mensal, desde a data do requerimento administrativo, em 01.10.2015, com correção monetária, juros de mora e honorários advocatícios fixados em 15% das prestações vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ. Deferiu, ainda, a antecipação da tutela.
Sentença proferida em 03.04.2017, não submetida ao reexame necessário.
Em apelação, o INSS sustenta que a autora não preenche os requisitos para a obtenção do benefício, uma vez que recebe pensão por morte. Caso o entendimento seja outro, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da juntada do último laudo pericial juntado aos autos, da correção monetária e dos juros de mora nos termos da Lei 11.960/09 e dos honorários advocatícios em 10% das prestações vencidas até a data da sentença. Pede ainda, a isenção ao pagamento das custas e despesas processuais.
Com contrarrazões, subiram os autos.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento da apelação.
É o relatório.
VOTO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para a obtenção do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da CF.
Conheço parcialmente da apelação do INSS, deixando de analisar os pedidos relativos à correção monetária e aos honorários advocatícios, uma vez que a sentença foi proferida exatamente nos termos do inconformismo.
O benefício da assistência social, de caráter não contributivo, tem como alguns de seus princípios norteadores a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o enfrentamento da pobreza no nosso País, que constituem os objetivos fundamentais consagrados no art. 3º, I e III, da CF, garantindo-se os mínimos sociais àqueles que efetivamente necessitam.
A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, regulamentou a Assistência Social, prevista no mencionado art. 203, V, da CF. Em seu art. 20, dispôs sobre as condições para a concessão do benefício: ser pessoa portadora de deficiência, ou idoso com 70 (setenta) anos ou mais - idade posteriormente reduzida para 67 (sessenta e sete) anos - e, em ambos os casos, sem condições de prover seu próprio sustento ou tê-lo provido pela família.
O Estatuto do Idoso - Lei nº 10.741, de 01.10.2003 - reduziu a idade mínima do idoso para 65 anos - art. 34.
O art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social foi alterado pela Lei nº 12.435, de 06.7.2011 (DOU 07.7.2011), que adotou a expressão "pessoa com deficiência" e a idade de 65 (sessenta e cinco) anos ou mais já prevista no Estatuto do Idoso.
Também o conceito de pessoa com deficiência foi alterado pela nova lei. O § 2º do art. 20 passou a dispor:
O § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece que a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼ do salário mínimo. A inconstitucionalidade desse dispositivo da LOAS foi arguida na ADIN nº 1.232-1, julgada improcedente por maioria de votos pelo Plenário do STF.
A questão não restou pacificada na jurisprudência do STJ e do próprio STF, que passaram a adotar o entendimento de que a ADIn nº 1.232-1 não retirou a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar, mas, sim, que o § 3º do art. 20 estabeleceu uma presunção objetiva e absoluta de miserabilidade. Assim sendo, a família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo encontra-se em estado de penúria, configurando tal situação prova incontestável de necessidade do benefício, dispensando outros elementos probatórios. Daí que, caso suplantado tal limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para a demonstração da condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência.
Nesse sentido o entendimento do STJ - REsp 222778/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 04.11.1999, DJU 29.11.1999, p. 190:
A questão foi novamente levada a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a Repercussão Geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário 567985/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013, publicado em 03.10.2013:
"... O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento" (destaquei).
A fixação da renda per capita familiar inferior ao salário mínimo é excludente do bem-estar e justiça sociais que o art. 193 da Constituição Federal elegeu como objetivos da Ordem Social.
A fixação do salário mínimo como garantia do trabalhador e do inativo para fins de garantir sua manutenção e de sua família, com o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade, representa um critério quantificador do bem-estar social que a todos deve ser garantido, inclusive aos beneficiários do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição.
Nessa linha de entendimento, o correto seria que a renda per capita familiar, para fins de concessão do BPC, não pudesse ser superior a 1 (um) salário mínimo. Esse critério traria para dentro do sistema de Assistência Social um número bem maior de pessoas idosas e com deficiência. Seria dar a todos, dentro e fora do sistema de Assistência Social, o mesmo grau de dignidade e de bem-estar, reduzindo desigualdades sociais.
A declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social, na prática, resulta na inexistência de nenhum critério, abrindo a possibilidade de o intérprete utilizar todos os meios de provas disponíveis para a verificação da situação de miséria que a lei quer remediar.
Cabe à legislação infraconstitucional a definição dos critérios e requisitos para concessão do benefício, conforme prevê o art. 203, V, da CF. Deve, para isso, obedecer aos princípios do art. 194, dentre eles a seletividade e distributividade. Ou seja, cabe ao legislador ordinário selecionar as contingências merecedoras de proteção e distribuí-las de acordo com o número de beneficiários e o orçamento de que dispõe.
A seletividade e a distributividade, contudo, por serem princípios setoriais, estão conformadas ao princípio geral do respeito à isonomia. Não pode a lei eleger como discrimen critério violador da isonomia.
A fixação do critério aferidor da necessidade é atribuição do legislador e não do juiz. Mas, diante do caso concreto, a jurisdição não pode ser negada por falta de critério legal.
A atividade legislativa não é do Poder Judiciário, de modo que não lhe cabe criar critério que substitua o previsto no § 3º do art. 20. Porém, parece razoável estabelecer presunção absoluta de miserabilidade quando a renda per capita familiar for inferior a metade do salario mínimo vigente, para que, em sendo superior, outras provas possam ser consideradas para averiguar a real necessidade de concessão do benefício.
O primeiro laudo médico-pericial feito em 29.03.2016, às fls. 162/166, assevera que a autora não está incapacitada para a prática de atividade laborativa.
O segundo laudo médico-pericial feito em 27.09.2017, às fls. 233/236, atesta que a autora é portadora de "osteortroses, osteoartrites, fraqueza, anorexia, emagrecimento, deficiência mental, etc.", problemas que a incapacitam de forma total e permanente para o trabalho.
O que define a deficiência é a presença de "impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas" (art. 20, § 2º, da LOAS).
Para o conceito da lei, a deficiência torna o indivíduo socialmente incapaz , obstruindo "sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
Dessa forma, tendo em vista a idade da autora (61 anos na data da segunda perícia) e o grau de instrução (analfabeta), a situação apontada pelo perito se ajusta ao conceito de pessoa com deficiência previsto no art. 20, § 2º, I e II.
O estudo social feito em 02.09.2015, às fls. 128/133, dá conta de que a autora reside sozinha, em casa que pertencia ao pai, falecido em 2015, contendo dois quartos, sala, cozinha e banheiro. A autora conta com a ajuda da Assistência Social do Município para arcar com as despesas, uma vez que não tem renda. Alega que sofre privações e constrangimentos, pois não tem como pagar as despesas com gás, alimentação, despesas pessoais e medicamentos.
A consulta ao CNIS não aponta vínculo de trabalho em nome da autora e indica que é beneficiária de pensão por morte previdenciária desde 20.05.2016.
Ressalto que, sendo a autora beneficiária de pensão por morte, não tem o direito de receber o benefício de prestação continuada após a data da concessão do benefício previdenciário, conforme expressamente dispõe o §4º do art. 20 da Lei 8.742/93:
Portanto, a partir da data que a autora passou a ser beneficiária de pensão por morte previdenciária, não é possível mais a concessão do benefício assistencial dada a inacumulatividade do benefício vindicado.
Levando-se em consideração as informações do estudo social e as demais condições apresentadas, entendo que não justifica o indeferimento do benefício até a data em que a autora passou a condição de beneficiária de pensão por morte previdenciária, em 20.05.2016.
Diante do que consta nos autos, verifico que a situação é precária e de miserabilidade, dependendo do benefício assistencial para suprir as necessidades básicas, sem condições de prover o seu sustento com a dignidade exigida pela Constituição Federal.
Assim, preenche a autora os requisitos necessários ao deferimento do benefício até a data em passou a ser beneficiária de pensão por morte previdenciária, em 20.05.2016.
Considerando que não há prova do requerimento na via administrativa, o benefício é devido a partir da citação, nos termos do art. 240 do CPC.
A correção monetária será aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação superveniente, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, observados os termos do julgamento final proferido na Repercussão Geral no RE 870.947, em 20/09/2017, ressalvada a possibilidade de, em fase de execução do julgado, operar-se a modulação de efeitos, por força de decisão a ser proferida pelo STF.
Porém, no presente caso, fixar a correção monetária nesses parâmetros implicaria piorar a condenação imposta, ou seja, oneraria ainda mais a autarquia, o que é inadmissível, razão pela qual fica mantida como determinado na sentença.
Isenta a Autarquia Previdenciária do pagamento de custas processuais, nos termos do art. 4º, I, da Lei Federal 9.289/96 e do art. 6º da Lei 11.608/03, do Estado de São Paulo, e das Leis 1.135/91 e 1.936/98, com a redação dada pelos arts. 1º e 2º da Lei nº 2.185/00, todas do Estado do Mato grosso do Sul. Tal isenção não abrange as despesas processuais que houver efetuado, bem como aquelas devidas a título de reembolso à parte contrária, por força da sucumbência.
NÃO CONHEÇO de parte da apelação, e, na parte conhecida, DOU-LHE parcial provimento para fixar o termo final do benefício em 20.05.2016.
MARISA SANTOS
Desembargadora Federal
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| Data e Hora: | 26/02/2019 14:49:00 |
