Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0002056-72.2014.4.03.6118
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
30/04/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 05/05/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CR/88 E LEI Nº 8.742/1993. PERÍCIA SOCIAL. AUSÊNCIA. CERCEAMENTO
DE DEFESA. OCORRÊNCIA. NULIDADE DA SENTENÇA.
- A concessão do benefício de prestação continuada requer a avaliação da deficiência e do grau
de impedimento do postulante do beneplácito, por exame multidisciplinar conduzido por médicos
peritos e por assistentes sociais, na forma da Lei.
- Cerceamento de defesa caracterizado. Precedentes.
- Parecer do Órgão Ministerial acolhido em parte.
- Sentença anulada de ofício, determinando o retorno dos autos à origem para realização de
perícia social e posterior julgamento do feito em Primeiro Grau.
- Apelação da parte autora prejudicada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002056-72.2014.4.03.6118
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELANTE: ELISANGELA APARECIDA DE JESUS LOPES
Advogados do(a) APELANTE: IRSMAEL CEZAR GOMES DE SOUZA - SP425685-A, IDAILDA
APARECIDA GOMES - SP282610-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002056-72.2014.4.03.6118
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: ELISANGELA APARECIDA DE JESUS LOPES
Advogados do(a) APELANTE: IRSMAEL CEZAR GOMES DE SOUZA - SP425685-A, IDAILDA
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de ação ajuizada por Elisângela Aparecida de Jesus Lopes, visando à concessão de
benefício de prestação continuada ao deficiente.
Processado o feito, foi realizada perícia médica, determinando-se a produção de estudo social.
Vide doc. 149649291, págs. 45/49 e 78/83.
Sobreveio comunicado da assistente social, coligido ao doc. 149649291, págs. 106/108,
informando que a autora não fora encontrada por ocasião das duas visitas domiciliares,
realizadas no endereço declinado na exordial, qual seja, Rua Pindamonhangaba, nº 10, Bairro
Barretinho, Roseira/SP, tampouco logrou-se êxito em contato telefônico com a filha desta, Gláucia
Luciana Aparecida Lopes Domingos, cujos dados constam dos autos. Colheram-se, então,
informações de vizinhos.
Sucedeu manifestação da proponente, na qual esta reafirma residir no mesmo endereço
informado na petição inicial, requerendo a produção do estudo social. Acosta documentos (doc.
149649291, págs. 109/129).
Ato contínuo, foi proferida sentença, acostada ao doc. 149649299, julgando improcedente o
pedido, à míngua do reconhecimento do requisito da deficiência.
Apelou, a parte autora, sustentando, em síntese, a presença dos requisitos à outorga da benesse
(doc. 149649313).
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
No doc. 151482067, o Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pela conversão do
feito em diligência, com vistas à realização de estudo social com a autora, na residência desta, a
fim de apurar as suas reais condições sociais.
Em síntese, o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002056-72.2014.4.03.6118
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
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V O T O
A teor do disposto no artigo 1.011 do NCPC, conheço do recurso de apelação, uma vez
cumpridos os requisitos de admissibilidade.
Nos termos em que relatado, consta, do comunicado da assistente social, juntado ao doc.
149649291, págs. 106/108, que, por ocasião da visita domiciliar, para realização de estudo social,
a autora não fora encontrada no endereço declinado na petição inicial, qual seja, Rua
Pindamonhangaba, nº 10, Bairro Barretinho, Roseira/SP.
Transcrevo excerto do parecer do Órgão Ministerial, a bem retratar o ocorrido:
"Por sua vez, a assistente social não localizou a autora no dia da visita e realizou entrevista com
uma vizinha, parente do ex-marido da autora, a qual fez afirmações que se mostraram
inverídicas.
De acordo com Neusa “a filha de Elisângela, Glaúcia é modelo em São Paulo e tem um
apartamento lá, mas vive viajando e pede para mãe ficar em São Paulo para ela tomando conta
do apartamento. Atualmente a modelo Glaúcia, filha da autora está na Inglaterra e a autora se
encontra em São Paulo no apartamento da filha.
Segundo a Sra. Neusa Luciana da Silva, tia do ex-marido de Elisângela, a autora era faxineira e a
filha Glaúcia (modelo) pediu para largar as faxinas que mesma a ajudaria em tudo e até repassa
uma quantia de R$ 500,00 mensal para as demais despesas, uma vez que fica em São Paulo no
seu apartamento. A casa da autora onde fomos realizar a visita é própria.” (ID 149649291 - pág.
107).
Todavia, a autora juntou declaração da Igreja Evangélica Assembléia de Deus do Pedregulho,
informando que “a autora é membra a 20 anos dessa igreja e reside em uma residência cedida
pela igreja sito a Rua Pindamonhangaba, nº 10 bairro barretinho - Roseira, e a mesma é
sustentada pela Oscripe (Obra Social Crista Pentecostal), assistida por cestas básicas.” (ID
149649291 - pág. 117).
A autora ainda declarou que sua filha Glaucia Luciana reside na Avenida São Pedro, nº 166, no
bairro do Pedro Lemes, na cidade de Roseira/SP, em união estável e tem um filho de 2 anos,
juntando a certidão de nascimento da criança (ID 149649291 - pág. 120).
Desta forma, ficou evidente que os relatos da vizinha não podem ser levados em consideração,
eis que não correspondem à realidade da autora, fazendo-se necessária a realização de estudo
social com a autora na residência desta para apurar suas reais condições sociais."
Como se vê, o estudo social deixou de ser realizado, unicamente, por informações prestadas por
terceiros, à assistente social, que, no mais, discrepam da documentação trazida aos autos pela
proponente, notadamente, da declaração de endereço fornecida pela igreja que lhe cede a
moradia (doc. 149649291, pág. 117).
A despeito do entendimento esposado na r. sentença, no sentido da inexistência de deficiência,
situação que, a princípio, prescindiria da realização de estudo social, para análise da
hipossuficiência, visto que tais pressupostos são cumulativos, na forma da Lei nº 8.742/1993,
certo é que desponta, do laudo médico, a existência de comprometimento e restrição social da
parte autora, ao lume de suas condições clínicas e sociais.
Com efeito, o perito atestou que a proponente é portadora de deficiência física parcial e
permanente, desde idos de 2010, decorrente de extensa queimadura de tórax, que lhe limita os
movimentos de adução do membro superior direito em grau médio, sequer, conseguindo levar a
mão direita à cabeça. Além disso, é portadora de depressão com ideação de morte, que afeta a
convivência social, autoestima e pragmatismo da vindicante.
Ademais, é cediço que a avaliação da deficiência e do grau de impedimento do postulante do
benefício de prestação continuada, deverá ser composta por avaliações médica e social,
realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais, ex vi dos §§ 2º e 6º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, abaixo reproduzidos:
"Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
(...)
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento
de que trata o § 2º, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos
peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS."
No mesmo sentido, o art. 16 do Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação
continuada da assistência social devido à pessoa com deficiência e ao idoso de que trata a Lei nº
8.742/93:
"Art. 16. A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação da
deficiência e do grau de impedimento, com base nos princípios da Classificação Internacional de
Funcionalidades, Incapacidade e Saúde - CIF, estabelecida pela Resolução da Organização
Mundial da Saúde nº 54.21, aprovada pela 54ª Assembléia Mundial da Saúde, em 22 de maio de
2001.
§1º. A avaliação da deficiência e do grau de impedimento será realizada por meio de avaliação
social e avaliação médica.
§2º. A avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, a avaliação médica
considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, e ambas considerarão a
limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas
especificidades.
§3º. As avaliações de que trata o § 1º serão realizadas, respectivamente, pelo serviço social e
pela perícia médica do INSS, por meio de instrumentos desenvolvidos especificamente para este
fim, instituídos por ato conjunto do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do
INSS."
A realização de perícia social, portanto, reveste-se de fundamental importância no caso, para que
esta Corte tenha amplo conhecimento das questões fáticas indispensáveis à solução da lide e
cuja ausência conduz à nulidade do feito, por cerceamento de defesa.
Nessa trilha, os precedente da Nona Turma desta C. Corte, tirados de situações parelhas:
"CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA
CR/88 E LEI Nº 8.742/1993. LAUDO MÉDICO PERICIAL. INCOMPLETUDE. ESTUDO SOCIAL.
AUSÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. NULIDADE DA SENTENÇA. - O
exame multidisciplinar conduzido por médicos peritos e por assistentes sociais é essencial nas
causas que versem sobre a concessão do Benefício de Prestação Continuada, cuja ausência
conduz à nulidade do feito, por cerceamento de defesa. - Apelação da parte autora parcialmente
provida. Sentença anulada, determinando o retorno dos autos à origem para complementação da
prova médica pericial, bem assim produção de estudo social e posterior julgamento do feito em
Primeiro Grau." (Relatora Desembargadora Federal Ana Pezarini, e-DJF3 Judicial 1
DATA:09/05/2017).
"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E
12.435/2011. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA ARGUIDA PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL. ACOLHIDA. SENTENÇA ANULADA. I-O julgamento da lide, quando
necessária a produção de provas ao deslinde da causa, implica em cerceamento de defesa,
ensejando a nulidade da sentença proferida. II - Julgamento de improcedência do pedido sem a
realização de estudo social. Cerceamento de defesa caracterizado. III- Preliminar arguida pelo
Ministério Público Federal acolhida. Sentença anulada. Apelação da autora prejudicada." (AC
00363862420164039999, Relator Desembargador Federal Gilberto Jordan, e-DJF3 Judicial 1
DATA:10/04/2017)
Ante o exposto, ACOLHO, EM PARTE, O PARECER DO ÓRGÃO MINISTERIAL, E ANULO, DE
OFÍCIO, A SENTENÇA, determinando o retorno dos autos à origem, para realização de estudo
social e posterior julgamento do feito em Primeiro Grau, nos termos da fundamentação, restando
prejudicada a apelação interposta pela parte autora.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART.
203, CAPUT, DA CR/88 E LEI Nº 8.742/1993. PERÍCIA SOCIAL. AUSÊNCIA. CERCEAMENTO
DE DEFESA. OCORRÊNCIA. NULIDADE DA SENTENÇA.
- A concessão do benefício de prestação continuada requer a avaliação da deficiência e do grau
de impedimento do postulante do beneplácito, por exame multidisciplinar conduzido por médicos
peritos e por assistentes sociais, na forma da Lei.
- Cerceamento de defesa caracterizado. Precedentes.
- Parecer do Órgão Ministerial acolhido em parte.
- Sentença anulada de ofício, determinando o retorno dos autos à origem para realização de
perícia social e posterior julgamento do feito em Primeiro Grau.
- Apelação da parte autora prejudicada. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu acolher, em parte, o parecer do Órgão Ministerial, e anular a sentença de
ofício, determinando o retorno dos autos à origem, para realização de perícia social e posterior
julgamento do feito em Primeiro Grau, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
