Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5434390-30.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
30/04/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 04/05/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
PRELIMINAR NÃO CONHECIDA.ARTIGO 203, V, CF. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS.
LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO
E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL E FINAL.HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.DEVOLUÇÃO DE EVENTUAIS VALORES RECEBIDOS A MAIOR.
DESNECESSIDADE. ENTENDIMENTO DO STF.I- Não conhecida apreliminar de necessidade de
indicação de curador para parte autora, uma vez queconsoante despacho nos autos já foi
determinadaa regularização de sua representação processual.II - Não se olvida que o conceito de
"pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal e de concessão do benefício
assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações trazidas após a introdução
no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu
Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da
Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora apresenta 'impedimentos de longo
prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas
barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de
condições com as demais pessoas'.III - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da
jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no
sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93 define limite objetivo de renda per capita a ser
considerada, mas não impede a comprovação da miserabilidade pela análise da situação
específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do E. STJ).IV- Em que pese a
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos Extraordinários 567.985-
MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo Tribunal Federal modificou o
posicionamento adotado anteriormente, para entender pela inconstitucionalidade do disposto no
art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.V- O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é
os de que as significativas alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei
8.742/93 e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um
distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles
constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar.VI - Termo inicial do benefício
fixadoa partir de fevereiro/2017 (data da cessação do auxílio-doença recebido pelo cônjuge), com
termo final em setembro/2018 (data em que foi reativado o referido benefício), devendo ser
compensadas as parcelas recebidas a título de antecipação de tutela.VII -Honorários advocatícios
mantidos em 10% sobre o valor das parcelas vencidasentre o termo inicial e final do benefício.VIII
- Não há que se falar em devolução das parcelas eventualmente recebidas a maior pela parte
autora, tendo em vista sua natureza alimentar e a boa-fé da demandante, além de terem sido
recebidas por força de determinação judicial (STF, ARE 734242, Rel. Min. ROBERTO
BARROSO, DJe de 08.09.2015).
IX - Parecer do Ministério Público Federal acolhido.Preliminar do réuprejudicada.Apelação do
INSS provida em parte e apelaçãoda parte autoraimprovida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5434390-30.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: CLEUZA PINHANELI DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
CURADOR: VALDIR BUENO DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: CARLOS EDUARDO SILVA LORENZETTI - SP341758-N,
MILTON RODRIGUES DA SILVA JUNIOR - SP342230-N, TANIA ECLE LORENZETTI -
SP399909-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CLEUZA PINHANELI DA
SILVA
CURADOR: VALDIR BUENO DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: TANIA ECLE LORENZETTI - SP399909-N, CARLOS EDUARDO
SILVA LORENZETTI - SP341758-N, MILTON RODRIGUES DA SILVA JUNIOR - SP342230-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5434390-30.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: CLEUZA PINHANELI DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
CURADOR: VALDIR BUENcoO DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: CARLOS EDUARDO SILVA LORENZETTI - SP341758-N,
MILTON RODRIGUES DA SILVA JUNIOR - SP342230-N, TANIA ECLE LORENZETTI -
SP399909-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CLEUZA PINHANELI DA
SILVA
CURADOR: VALDIR BUENO DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: TANIA ECLE LORENZETTI - SP399909-N, CARLOS EDUARDO
SILVA LORENZETTI - SP341758-N, MILTON RODRIGUES DA SILVA JUNIOR - SP342230-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Sergio Nascimento (Relator): Trata-se deapelaçõesde
sentença pela qual foi julgado procedente o pedido daautora, para condenar o réu a conceder-lhe
o benefício de prestação continuada, previsto no art. 203, V, da Constituição da República, a
partir da data da citação (18.06.2018). Correção monetária pelo Manual de Cálculos da JFe juros
e mora, a contar da citação. Houve condenação em honorários advocatícios fixados em 10%
sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença. Foi concedida tutela determinando a imediata
implantação do benefício.
O benefício foi implantado pelo réu, conforme informações no CNIS.
A parte autora apela, sustentando que o termo inicial do benefício deve ser fixado a partir do
requerimento administrativo (02.07.2015).
Por sua vez, oréu apela, alegando em preliminar a necessidade de nomeação de curador, uma
vez que a incapacidade decorre de alcoolismo e drogadição. No mérito, sustentanão restarem
preenchidos os requisitos para a concessão do benefício.
Com contrarrazões de apelação do INSS.
Em seu parecer o d. Ministério Público Federal opinou peloparcial provimento do recurso, uma
vez que o benefício deve ser concedido somente entre fevereiro/2017 (data da cessação do
auxílio-doença recebido pelo cônjuge)e setembro/2018 (data em que reativado o referido
benefício).
Consoante o despacho de fl. 187, foi nomeado curador especial para a parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5434390-30.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: CLEUZA PINHANELI DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
CURADOR: VALDIR BUENO DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: CARLOS EDUARDO SILVA LORENZETTI - SP341758-N,
MILTON RODRIGUES DA SILVA JUNIOR - SP342230-N, TANIA ECLE LORENZETTI -
SP399909-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CLEUZA PINHANELI DA
SILVA
CURADOR: VALDIR BUENO DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: TANIA ECLE LORENZETTI - SP399909-N, CARLOS EDUARDO
SILVA LORENZETTI - SP341758-N, MILTON RODRIGUES DA SILVA JUNIOR - SP342230-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Nos termos do art. 1011 do CPC/2015, recebo as apelaçõesdo réu e da parte autora.
Da preliminar
A preliminar de necessidade de indicação de curador para parte autora resta prejudicada, uma
vez queconsoante despacho nos autos já foi determinadaa regularização de sua representação
processual.
Do mérito
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:(...)V - a garantia de
um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família,
conforme dispuser a lei.
Coube à Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (LOAS), a instituição do referido benefício,
tratando dos critérios para sua concessão em seus artigos 20 e 21. Por sua vez, a Lei 12.435, de
06 de julho de 2011, veio modificar os referidos dispositivos, sendo aplicáveis para os benefícios
requeridos a partir de sua edição - caso dos autos - os seguintes requisitos:Art. 20. O benefício de
prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao
idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a
própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.§ 1o Para os efeitos do disposto no
caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência
de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. § 2o Para efeito de concessão deste
benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas. § 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência
ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer
outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da
pensão especial de natureza indenizatória.§ 5o A condição de acolhimento em instituições de
longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de
prestação continuada.§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do
grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social
realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social -
INSS. § 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica
assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais
próximo que contar com tal estrutura.§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá
ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais
procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.§ 9º A remuneração da
pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que
se refere o § 3o deste artigo.§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o
deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Assim, para que alguém faça jus ao benefício pleiteado, deve ser portador de deficiência ou ter
mais de 65 anos e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:Art.
20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.(...)§ 2º Para efeito
de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a
vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades
de condições com as demais pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo
mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que
comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua
família.(...)§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência
aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial,
os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão
concedente quando a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na
condição de microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)§ 1o Extinta a
relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo e, quando for
o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o beneficiário
adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a continuidade do
pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia médica ou
reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o período de
revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, o laudo médico
pericial, elaborado em 10.01.2018, atesta que a autora (dona de casa) é portadora de transtorno
psicótico residual relacionado ao uso de álcool, estando incapacitada de forma total e permanente
para o trabalho. O perito asseverou que o quadro evoluiu com comprometimento cognitivo
Ante a conclusão da perícia, há que se reconhecer que as limitações apresentadas pela autora,
autorizam a concessão do benefício assistencial, caso preencha o requisito socioeconômico, haja
vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para 'obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente (STF. ADI
1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar (Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal
Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
O estudo social, realizado em 01.11.2017, constatou que o núcleo familiar da autora é formado
por ela e seu marido. Residem em imóvel alugado (cuja propriedade é dos filhos do primeiro
casamento do cônjuge), de alvenaria, com cinco cômodos, em bom estado. O casal sobrevive
com o valor de R$ 375,00 referente ao auxílio acidente recebido pelo marido, sendo as despesas
de aproximadamente R$ 1.200,00. Os medicamentos não são obtidos regularmente pelo SUS. O
marido da autora deixou de receber o benefício de auxílio-doença no início de 2017. Não pagam
aluguel há seis meses. Dois dos filhos da autora auxiliam na compra de alimentos e remédios.A
assistente social informou que o casal aparenta idade física superior, ambos doentes, com baixo
nível social, cultural e econômico.Observa-seum elevado grau de vulnerabilidade social, tendo em
vista a hipossuficiência econômica da parte autora para suprir as necessidades básicas.
Consoante informações no CNIS e Sistema Dataprev, o benefício de auxílio-doença que omarido
da parte autora recebiafoi reativado judicialmente, no valor de R$ 1.156,29.
Além disso, devem ser levadas em conta as informações de que os filhos da autora auxiliam com
remédios e alimentos, sendo que o imóvel onde residem é de propriedade de um dos filhos de
seu cônjuge.
Nesse aspecto, prevê o art. 229 da Constituição da República o dever de reciprocidade na
prestação de assistência entre pais e filhos ao estatuir que os pais têm o dever de assistir, criar e
educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais navelhice,
carência ou enfermidade.
O Código Civil também se ocupou do dever recíproco de prestar alimentos entre pais efilhos,
dispondo:
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos érecíproco entre pais efilhos, e extensivo a todos os
ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Ademais, a assistência social prestada pelo Estado deve ter cunho subsidiário, não podendo ser
substituída pela assistência de familiares que possuem reconhecidamente condições de prestá-
la.Dessa forma, entendo que a parte autora faz jus aobenefício a partir de fevereiro/2017 (data da
cessação do auxílio-doença recebido pelo cônjuge), com termo final em setembro/2018 (data em
que foi reativado o referido benefício), devendo ser compensadas as parcelas recebidas a título
de antecipação de tutela.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência.
Os honorários advocatícios devem ser mantidos em 10% sobre o valor das parcelas vencidas
entre o termo inicial e final do benefício.
Eventuais valores recebidosa maior não serão objeto de devolução,tendo em vista sua natureza
alimentar e a boa-fé dademandante, além de terem sido recebidas por força de determinação
judicial.
Nesse sentido a jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal, como se observa dos julgados
que ora colaciono:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM
AGRAVO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NATUREZA ALIMENTAR. RECEBIMENTO DE BOA-
FÉ EM DECORRÊNCIA DE DECISÃO JUDICIAL. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA.
DEVOLUÇÃO.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já assentou que o benefício previdenciário
recebido de boa-fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à
repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar. Precedentes.
2. Decisão judicial que reconhece a impossibilidade de descontos dos valores indevidamente
recebidos pelo segurado não implica declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei nº
8.213/1991. Precedentes.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(ARE 734242, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe de 08.09.2015)
Diante do exposto, julgo prejudicada a preliminar arguida pelo INSS e, no mérito,acolho o parecer
do i. Procurador Regional da República e dou parcial provimento ao apelo do réu para julgar
parcialmente procedente o pedido e condená-lo a conceder o benefício de prestação continuadaa
partir defevereiro/2017 atésetembro/2018. Nego provimentoà apelaçãoda parte autora.
Comunique-se ao INSS (Gerência Executiva) o imediato cancelamento do benefício de prestação
continuada em nome de Cleuza Pinhaneli da Silva.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
PRELIMINAR NÃO CONHECIDA.ARTIGO 203, V, CF. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS.
LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO
E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL E FINAL.HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.DEVOLUÇÃO DE EVENTUAIS VALORES RECEBIDOS A MAIOR.
DESNECESSIDADE. ENTENDIMENTO DO STF.I- Não conhecida apreliminar de necessidade de
indicação de curador para parte autora, uma vez queconsoante despacho nos autos já foi
determinadaa regularização de sua representação processual.II - Não se olvida que o conceito de
"pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção estatal e de concessão do benefício
assistencial haja sido significativamente ampliado com as alterações trazidas após a introdução
no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu
Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da
Constituição da República. No caso dos autos, a parte autora apresenta 'impedimentos de longo
prazo' de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas
barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de
condições com as demais pessoas'.III - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da
jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no
sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93 define limite objetivo de renda per capita a ser
considerada, mas não impede a comprovação da miserabilidade pela análise da situação
específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do E. STJ).IV- Em que pese a
improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos Extraordinários 567.985-
MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo Tribunal Federal modificou o
posicionamento adotado anteriormente, para entender pela inconstitucionalidade do disposto no
art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.V- O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é
os de que as significativas alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei
8.742/93 e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um
distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles
constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar.VI - Termo inicial do benefício
fixadoa partir de fevereiro/2017 (data da cessação do auxílio-doença recebido pelo cônjuge), com
termo final em setembro/2018 (data em que foi reativado o referido benefício), devendo ser
compensadas as parcelas recebidas a título de antecipação de tutela.VII -Honorários advocatícios
mantidos em 10% sobre o valor das parcelas vencidasentre o termo inicial e final do benefício.VIII
- Não há que se falar em devolução das parcelas eventualmente recebidas a maior pela parte
autora, tendo em vista sua natureza alimentar e a boa-fé da demandante, além de terem sido
recebidas por força de determinação judicial (STF, ARE 734242, Rel. Min. ROBERTO
BARROSO, DJe de 08.09.2015).
IX - Parecer do Ministério Público Federal acolhido.Preliminar do réuprejudicada.Apelação do
INSS provida em parte e apelaçãoda parte autoraimprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egregia Decima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3 Regiao, por unanimidade, acolher o parecer do
Ministerio Publico Federal, julgar prejudicada a preliminar do INSS e, no merito, dar parcial
provimento a sua apelacao e negar provimento a apelacao da parte autora, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
