
| D.E. Publicado em 07/05/2018 |
EMENTA
| CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS NÃO COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. AUSÊNCIA DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS A TÍTULO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DESNECESSIDADE. ENTENDIMENTO DO STF. |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa oficial e à apelação do réu, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0040014-84.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Senhor Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Trata-se de remessa oficial e apelação de sentença pela qual foi julgado procedente o pedido da autora em ação objetivando a concessão de amparo assistencial ao deficiente, para condenar o réu a concedê-lo à autora, a partir da data do laudo pericial (18.10.2016). As prestações em atraso deverão ser corrigidas pelo IPCA-E, com acréscimo de juros de mora na forma da Lei n. 11.960/09. Honorários advocatícios fixados no percentual mínimo do artigo 85, §3º, do CPC. Concedida a tutela antecipada, determinando-se a implantação do benefício no prazo de trinta dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00, limitada a R$ 10.000,00.
O réu apelante, em suas razões, argumenta não restarem preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício almejado, porquanto os dados trazidos aos autos denotam a ausência de miserabilidade, sendo a renda familiar no valor de R$ 2.945,35, muito acima do limite permitido pela legislação. Subsidiariamente, requer que a correção monetária e juros de mora sejam calculados consoante Lei nº 11.960/09.
Com as contrarrazões da parte autora (fls. 204/211), vieram os autos a esta E. Corte.
Em seu parecer (fls. 218/220), o representante do Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso do réu.
Conforme os dados do CNIS, em anexo, o benefício foi implantado.
É o relatório.
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0040014-84.2017.4.03.9999/SP
VOTO
Nos termos do artigo 1.011 do CPC/2015, recebo as apelações interpostas pela parte autora e réu.
Da preliminar
Da tutela antecipada
Cumpre assinalar, primeiramente, que o entendimento de que não é possível a antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, equiparada no presente feito ao órgão previdenciário, está ultrapassado, porquanto a antecipação do provimento não importa em pagamento de parcelas vencidas, o que estaria sujeito ao regime de precatórios. A implantação provisória ou definitiva do benefício, tanto previdenciário como assistencial, não está sujeita à disciplina do artigo 100 da Constituição da República, não havendo, portanto, falar-se em impossibilidade de implantação do benefício perseguido sem o trânsito em julgado da sentença.
Rejeito, portanto, a preliminar argüida pelo réu.
Do mérito
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da República, que dispõe:
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência, limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de "pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação atualizada:
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a seguinte redação:
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e 'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada, seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho, ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, de acordo com o laudo médico pericial elaborado em 29.11.2016 (fls. 163/164), a demandante, atualmente com 59 anos de idade, é portadora de diabetes mellitus insulino-dependente, com outras complicações, inclusive amputação traumática da perna, além de embolia e trombose de artérias dos membros inferiores, apresentando incapacidade total e permanente para o trabalho.
Há que se reconhecer, portanto, que a parte autora fará jus ao benefício assistencial, caso preencha o requisito socioeconômico, haja vista ter implementado o requisito atinente à deficiência física.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente (STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar (Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso concreto, o estudo social realizado em 18.10.2016 (fls. 131/133) constatou que o núcleo familiar da autora é formado por ela, seu marido, Cícero Gomes da Silva (54 anos de idade, operador de motobomba) e um filho solteiro, Luís Carlos da Silva (30 anos de idade, carregador). A renda familiar é proveniente dos trabalhos desempenhandos pelo marido, no valor de R$ 1.523,09 mensais, e pelo filho, no valor de R$ 1.368,70 mensais, totalizando, portanto, R$ 2.891,79 (dois mil oitocentos e noventa e um reais e setenta e nove centavo), à época.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos demonstra que ela não se encontrava em situação de miserabilidade, não se justificando a concessão do amparo assistencial.
Observo que não se olvida que o entendimento predominante na jurisprudência é o de que o limite de renda per capita de um quarto do salário mínimo, previsto no artigo 20, §3º, da Lei 8.742/93, à luz do sistema de proteção social ora consolidado, se mostra inconstitucional, devendo a análise da miserabilidade levar em conta a situação específica do postulante ao benefício assistencial. Todavia, no caso dos autos, observada a situação socioeconômica da parte autora, não restou comprovada a miserabilidade alegada.
Ante a revogação da tutela antecipada anteriormente concedida, é descabida a devolução dos valores recebidos a título de benefício por incapacidade, decorrentes de determinação judicial, levando-se em conta a boa-fé da demandante e o caráter alimentar do benefício. Nesse sentido, tem decidido a E. Suprema Corte:
Diante do exposto, dou provimento à apelação interposta pelo INSS e à remessa oficial para julgar improcedente o pedido da parte autora. Não há condenação da apelante em verbas de sucumbência, por se tratar de beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Expeça-se e-mail ao INSS, comunicando-se a revogação do benefício de prestação continuada, concedido em tutela antecipada.
É como voto.
Desembargador Federal Relator
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| Data e Hora: | 24/04/2018 18:54:39 |
