Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000692-35.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
26/04/2018
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 04/05/2018
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, V, CF. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DA BENESSE.
I –Preliminar arguida pela Autarquia rejeitada, uma vez quea abertura de vista ao INSS para que
se manifestasse sobre a complementação do estudo social seria inócua e meramente
protelatória, já que a referida complementação não inovou em relação ao estudo anteriormente
elaborado, tendo tão somente declarado dados referentes ao RG e CPF dos integrantes do
núcleo, e explicitado que o irmão do Autor, menor impúbere, não aufere renda.
II - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte
autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
III - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E.
STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
IV- Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
V - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
VI - O termo inicial do benefício deve ser mantido a contar da data do indeferimento
administrativo, ocasião em que presentes os requisitos para a concessão da benesse.
VII - Ante o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, a teor do disposto no
artigo 85, § 11, do CPC de 2015, basede cálculo da verba honorária fica majorada para as
parcelas vencidas até a presente data, conforme o entendimento desta 10ª Turma.
VIII – Determinada a imediata implantação do benefício, nos termos do artigo 497 do CPC.
IX – Preliminar rejeitada. Apelação do INSS e remessa oficial, tida por interposta, improvidas.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5000692-35.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: ISAAC DE LEAO CHUCARRO
REPRESENTANTE: ONECIMO CHUCARRO
Advogado do(a) APELANTE: ZORA YONARA LEITE BRITES - MS1042100A,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO (198) Nº 5000692-35.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: ISAAC DE LEAO CHUCARRO
REPRESENTANTE: ONECIMO CHUCARRO
Advogado do(a) APELANTE: ZORA YONARA LEITE BRITES - MS10421,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Senhor Desembargador Federal Sergio Nascimento (Relator): Trata-se de remessa
oficial e apelação de sentença pela qual foi julgado procedente o pedido do autor, para condenar
o réu a conceder-lhe o benefício de prestação continuada, previsto no art. 203, V, da Constituição
da República, a partir da data da negativa em 21.02.2014. Sobre as prestações atrasadas deverá
incidir correção monetária e juros de mora consoante art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. O réu foi
condenado, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor
das parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111 do STJ). Não houve condenação
em custas processuais.
Em suas razões recursais, argui a Autarquia, preliminarmente, a nulidade da sentença, por
cerceamento de defesa, ante a ausência de intimação acerca da complementação do estudo
social. No mérito, argumenta não restarem preenchidos os requisitos para a concessão do
benefício, notadamente no que tange à alegada miserabilidade. Subsidiariamente, requer seja a
DIB estabelecida na data da juntada do laudo do perito judicial aos presentes autos, bem como
seja a correção monetária calculada na forma da Lei nº 11.960/2009.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
Em parecer, o Ministério Público Federal opinou pelo parcial provimento da apelação, tão
somente para fins de adequação dos juros de mora e da correção monetária.
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5000692-35.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: ISAAC DE LEAO CHUCARRO
REPRESENTANTE: ONECIMO CHUCARRO
Advogado do(a) APELANTE: ZORA YONARA LEITE BRITES - MS10421,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
Nos termos do art. 1011 do CPC/2015, recebo a apelação do réu.
Da remessa oficial tida por interposta.
Tenho por interposto o reexame necessário, na forma da Súmula 490 do STJ.
Da preliminar de cerceamento de defesa.
Rejeito a preliminar arguida pela Autarquia, uma vez que, consoante bem salientou o ilustre
representante do Parquet Federal, a abertura de vista ao INSS para que se manifestasse sobre a
complementação do estudo social seria inócua e meramente protelatória, já que a referida
complementação não inovou em relação ao estudo anteriormente elaborado, tendo tão somente
declarado dados referentes ao RG e CPF dos integrantes do núcleo, e explicitado que o irmão do
autor, menor impúbere, não aufere renda.
Do mérito.
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
Coube à Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (LOAS), a instituição do referido benefício,
tratando dos critérios para sua concessão em seus artigos 20 e 21. Por sua vez, a Lei 12.435, de
06 de julho de 2011, veio modificar os referidos dispositivos, sendo aplicáveis para os benefícios
requeridos a partir de sua edição - caso dos autos - os seguintes requisitos:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros,
os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer
outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da
pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do
idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento
de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos
peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica
assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais
próximo que contar com tal estrutura.
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu
representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o
deferimento do pedido.
§ 9º A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada
para fins do cálculo a que se refere o § 3o deste artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que
produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Assim, para que alguém faça jus ao benefício pleiteado, deve ser portador de deficiência ou ter
mais de 65 anos e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo
e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o
beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, o laudo médico
pericial, elaborado em 20.01.2017, atesta que o autor, que contava com oito anos de idade é
época, é portador de autismo atípico, desde o nascimento, necessitando da ajuda de terceiros
para as atividades diárias.
Faz-se mister, aqui, observar o que dispõe o art. 4º, §1º, do Decreto 6.214/2007:
Art. 4o Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
§ 1o Para fins de reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação continuada às crianças e
adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada a existência da deficiência
e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social,
compatível com a idade.
Neste passo, em se tratando de criança, não há que se perquirir quanto à sua capacidade
laborativa, mas deve-se ter em conta as limitações que a deficiência de que é portadora impõem
ao seu desenvolvimento e a atenção especial de que necessita.
Ante a conclusão da perícia, há que se reconhecer que as limitações apresentadas pelo autor,
autorizam a concessão do benefício assistencial, caso preencha o requisito socioeconômico, haja
vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para 'obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas, já que portador de
autismo atípico.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão
que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
O estudo social, realizado em 29.07.2016 e complementado em 06.04.2017, relatou que o autor
reside em área rural, local distante da cidade e de difícil acesso, juntamente com seus genitores e
um irmão, em uma casa simples, dentro de uma chácara, aos fundos do assentamento “Santa
Marina”. A rua em que se localiza o imóvel não é atendida pela rede de esgoto e tampouco conta
com pavimentação asfáltica. A moradia é edificada em alvenaria, possui cinco cômodos e uma
varanda ao fundo, e não é guarnecida por muitos móveis, havendo um sofá antigo, fogão a gás e
a lenha, um “telefone rural”, e duas camas. A família é proprietária de uma moto paraguaia antiga,
utilizada para deslocamento no assentamento, e possui galinhas para consumo próprio. Foram
relatadas as despesas com água (R$ 32,00), energia elétrica (R$ 65,00) e alimentação (R$
600,00), além de vestuário, em valor não especificado. A renda descrita no momento do primeiro
estudo social era proveniente do salário recebido pelo pai do autor como agente de saúde local,
no valor de e R$ 1.069,00 (mil e sessenta e nove reais) mensais. Entretanto, conforme o extrato
do CNIS doc. ID Num. 1723104 - Pág. 07/12, verifica-se que a remuneração percebida pelo
genitor do requerente, no referido momento, correspondia, em realidade a R$ 1.481,50, valor
inferior a meio salário mínimo per capita.
Ademais, merecem destaque as considerações da assistente social, ora transcritas:
(...) do ponto de vista do Serviço Social, a família apresenta uma situação de risco de
vulnerabilidade social e econômica, podemos observar que com a concessão do Benefício o
infante conseguirá ter uma vida digna, e com mais condições de buscar um acompanhamento
sistemático.
Acreditamos que poderá com esse benefício ter uma vida com os mínimos necessários e com
dignidade, pois além da educação que conseguiu uma professora somente para ele, o mesmo
está privado dos seus demais direitos, inclusive o de saúde (Item V do primeiro estudo realizado).
(...) levam uma vida simples, na área rural, distante da cidade e de difícil acesso, aos fundos de
um assentamento por nome Santa Marina, o que dificulta ainda mais o tratamento e o bom
desenvolvimento do Infante, esclarecendo que a família é comprometida, mas os recursos são
muito poucos (Item IV da complementação).
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos, demonstra que o autor preenche o requisito
referente à deficiência e comprovou sua hipossuficiência econômica, posto que criança portadora
de necessidades especiais, cuja família vive em condições precárias, fazendo jus, assim, à
concessão do benefício assistencial.
O termo inicial do benefício deve ser mantido a contar da data do indeferimento administrativo
(21.02.2014), ocasião em que presentes os requisitos para a concessão da benesse.
Os juros de mora e a correção monetária ficam mantidos na forma estabelecida na sentença,
tendo em vista a ausência de recurso da parte autora.
Ante o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, a teor do disposto no artigo
85, § 11, do CPC de 2015, basede cálculo da verba honorária fica majorada para as parcelas
vencidas até a presente data, conforme o entendimento desta 10ª Turma.
Diante do exposto, rejeito a preliminar arguida e, no mérito, nego provimento à apelação do réu e
à remessa oficial.
Determino que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído
com os devidos documentos da parte autora Isaac de Leão Chucarro (incapaz), representada por
seu genitor Onecimo Chucarro, a fim de serem adotadas as providências cabíveis para que seja
implantado o benefício de prestação continuada, com data de início - DIB em 21.02.2014, no valor
de um salário mínimo, tendo em vista o caput do artigo 497 do CPC.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, V, CF. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DA BENESSE.
I –Preliminar arguida pela Autarquia rejeitada, uma vez quea abertura de vista ao INSS para que
se manifestasse sobre a complementação do estudo social seria inócua e meramente
protelatória, já que a referida complementação não inovou em relação ao estudo anteriormente
elaborado, tendo tão somente declarado dados referentes ao RG e CPF dos integrantes do
núcleo, e explicitado que o irmão do Autor, menor impúbere, não aufere renda.
II - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte
autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
III - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E.
STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
IV- Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
V - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
VI - O termo inicial do benefício deve ser mantido a contar da data do indeferimento
administrativo, ocasião em que presentes os requisitos para a concessão da benesse.
VII - Ante o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, a teor do disposto no
artigo 85, § 11, do CPC de 2015, basede cálculo da verba honorária fica majorada para as
parcelas vencidas até a presente data, conforme o entendimento desta 10ª Turma.
VIII – Determinada a imediata implantação do benefício, nos termos do artigo 497 do CPC.
IX – Preliminar rejeitada. Apelação do INSS e remessa oficial, tida por interposta, improvidas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a preliminar arguida e, no mérito, negar provimento à apelação do
réu e à remessa oficial.
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
