Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0041881-15.2017.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
30/07/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 03/08/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. COISA JULGADA.
INOCORRÊNCIA. SENTENÇA ANULADA. CAUSA MADURA. JULGAMENTO IMEDIATO.
APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA
TESTEMUNHAL. COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DE LABOR RURAL. TEMPO DE SERVIÇO
URBANO INCONTROVERSO. BENEFÍCIO CONCEDIDO. TERMO INICIAL. CORREÇÃO
MONETARIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DO INSS
PROVIDA.
1 - Para a caracterização de litispendência ou coisa julgada, necessária a tríplice identidade entre
os elementos da ação, ou seja, devem ser idênticos partes, pedido e causa de pedir, em ambas
as demandas propostas.
2 - A coisa julgada constitui garantia fundamental do cidadão no nosso Estado Democrático de
Direito, consoante o disposto no artigo 5º, XXXVI, da Carta da República, e se origina da
necessidade de ser conferida segurança às relações jurídicas.
3 - Tal instituto tem a finalidade de conferir imutabilidade à sentença e, consequentemente,
impedir que a lide julgada definitivamente seja rediscutida em ação judicial posterior.
4 - De leitura detida da exordial, infere-se a pretensão da parte autora circunscrita à concessão de
aposentadoria por idade híbrida, mediante o reconhecimento de período de exercício de labor
rural.
5 - Diferentemente, a ação ajuizada anteriormente versava sobre a concessão de aposentadoria
por idade rural, conforme se verifica da documentação acostada aos autos e conforme apontam
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
tanto a parte autora quanto o próprio INSS.
6 - Ou seja, não há que se falar em repetição de demandas já propostas antecedentemente,
diante da diversidade das postulações, pois as ações versam sobre benefícios distintos,
comprovando-se não haver coincidência plena de todos os elementos supraindicados.
7 - O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação
autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições para
tanto. É o que se extrai do art. 1.013, § 3º, II, do Código de Processo Civil.
8 - Tendo implementado a idade mínima de 60 anos em 23 de novembro de 2010, deveria o autor
comprovar a carência de 174 (cento e setenta e quatro) meses, ônus do qual, de fato, se
desincumbiu.
9 - Conforme disposição expressa do § 3º, do art. 55 da Lei n. 8.213/91, a distinção entre a
aposentadoria por idade rural e a de caráter híbrido, além do cômputo do exercício de atividade
rural e de períodos de contribuição sob outras categorias conjuntamente, reside no requisito
etário.
10 - Por sua vez, os critérios para apreciação do conjunto probatório referente ao exercício de
atividade rural são idênticos em ambas as modalidades de aposentadorias por idade. Assim
sendo, é necessária apenas a comprovação do efetivo exercício de labor rural para efeito de
carência.
11 - A controvérsia cinge-se ao período de labor rural, de 1970 a 2002, no qual não foram
efetuados recolhimentos previdenciários, conforme aduz a autarquia.
12 - Foram acostadas aos autos, dentre outros documentos, cópias de certidões de nascimento
de filhos da autora, ocorridos em 1976 e 1978, nas quais o marido da autora foi qualificado como
lavrador.
13 - A prova oral corroborou, de forma satisfatória, o início de prova material da atividade
campesina desempenhada pela requerente.
14 - No mais, foi juntada cópia da CTPS da autora, na qual consta registro como trabalhadora
rural, no período de 02/05/2000 a 30/11/2002 (ID 99831209, p. 23-24). Além disso, o extrato do
CNIS aponta que ela efetuou recolhimentos como contribuinte individual, de 1º/10/2005 a
31/03/2006 e de 05/07/2012 a 31/10/2013.
15 - Diante do preenchimento da carência exigida em lei, mediante o somatório dos períodos de
atividades rurais e urbanas, de rigor a concessão do benefício de aposentadoria por idade, na
modalidade híbrida.
16 – Termo inicial do benefício fixado na data do requerimento administrativo.
17 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente quando da elaboração da conta,
com aplicação do IPCA-E nos moldes do julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE) e com efeitos prospectivos.
18 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
19 - Honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de
acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação,
consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma
vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a
sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada
moderadamente.
20 - Apelação do INSS provida. Sentença anulada. Pedido julgado procedente.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0041881-15.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: MARIA NEUZA ALVES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: FLAVIO ANTONIO MENDES - SP238643-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0041881-15.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: MARIA NEUZA ALVES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: FLAVIO ANTONIO MENDES - SP238643-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por MARIA NEUZA ALVES DA SILVA, em ação previdenciária
ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a
concessão de aposentadoria por idade híbrida, mediante o reconhecimento de período de labor
rural, no período de 1970 a 2002.
A r. sentença prolatada, fundamentada na ocorrência de coisa julgada, declarou extinto o
processo, sem exame do mérito, com fulcro no art. 485, V, do Código de Processo Civil,
suspendendo a exigibilidade dos ônus sucumbenciais, ante a tramitação dos autos sob os
auspícios da assistência judiciaria gratuita (ID 99831209, p. 113-114).
Em razões de apelação (ID 99831209, p. 118-130), pugna a autora pela reforma da sentença,
alega, em suma, que a ação ajuizada anteriormente postula concessão de aposentadoria por
idade rural, versando o presente processo sobre pedido de concessão de aposentadoria por
idade híbrida, de modo que, ante a distinção dos pedidos formulados, não se há falar em coisa
julgada. Pugna pela procedência do pedido inicial.
Intimada, a parte autora não apresentou contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0041881-15.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: MARIA NEUZA ALVES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: FLAVIO ANTONIO MENDES - SP238643-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Para a caracterização de litispendência ou coisa julgada, necessária a tríplice identidade entre
os elementos da ação, ou seja, devem ser idênticos partes, pedido e causa de pedir, em ambas
as demandas propostas.
É relevante destacar que a coisa julgada constitui garantia fundamental do cidadão no nosso
Estado Democrático de Direito, consoante o disposto no artigo 5º, XXXVI, da Carta da
República, e se origina da necessidade de ser conferida segurança às relações jurídicas.
Tal instituto tem a finalidade de conferir imutabilidade à sentença e, consequentemente, impedir
que a lide julgada definitivamente seja rediscutida em ação judicial posterior.
De leitura detida da exordial, infere-se a pretensão da parte autora circunscrita à concessão de
aposentadoria por idade híbrida, mediante o reconhecimento de períodos de exercício de labor
rural.
Diferentemente, a ação ajuizada anteriormente versava sobre a concessão de aposentadoria
por idade rural, conforme se verifica da documentação acostada aos autos.
Ou seja, não há que se falar em repetição de demanda já proposta antecedentemente, diante
da diversidade das postulações, pois as ações versam sobre benefícios distintos, comprovando-
se não haver coincidência plena de todos os elementos supraindicados.
Neste diapasão, equivocara-se o douto magistrado ao prolatar sentença terminativa,
extinguindo o processo sem julgamento do mérito.
O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação
autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições
para tanto. É o que se extrai do art. 1.013, § 3º, II, do Código de Processo Civil:
"A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
(...)
§ 3º. Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde
logo o mérito quando:
(...)
II - Decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da
causa de pedir".
Considerando que a causa encontra-se madura para julgamento - presentes os elementos
necessários ao seu deslinde - e que o contraditório e a ampla defesa restaram assegurados -
com a citação válida do ente autárquico - e, ainda, amparado pela legislação processual
aplicável, passo ao exame do mérito da demanda.
A aposentadoria por idade, na modalidade híbrida, encontra previsão no art. 48, § 3º, da Lei nº
8.213/91, in verbis:
"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida
nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se
mulher.
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso
de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea "a" do inciso I,
na alínea "g" do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2o Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o
efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no §
2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de
contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65
(sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher."
Nos termos do dispositivo supramencionado, incluído pela Lei 11.718/2008, o segurado terá
direito à aposentadoria por idade, na forma híbrida, isto é, como trabalhador rural e urbano,
quando atingir 65 (homens) ou 60 (mulheres) anos, desde que tenha cumprido a carência
exigida, devendo ser considerados ambos os períodos (urbano e rural) para efeitos de se
cômputo da carência exigida no art. 27, inc. II, da Lei 8.213/91.
Em relação ao ponto, restou assentado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião
do julgamento do REsp nº 1.674.221/SP, submetido ao rito dos recursos representativos de
controvérsia repetitiva (Tema nº 1.007), o entendimento segundo o qual é permitido ao
segurado mesclar os períodos de atividade rural e urbana, para a obtenção do benefício de
aposentadoria por idade híbrida, sendo indiferente a qual regime pertencia (rural ou urbano) por
ocasião do requerimento do benefício, desde que respeitada a exigência etária, conforme se
verifica in verbis
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO
DOS RECURSOS REPETITIVOS. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 1.036, § 5o. DO CÓDIGO FUX
E DOS ARTS. 256-E, II, E 256-I DO RISTJ. APOSENTADORIA HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3o. E 4o.
DA LEI 8.213/1991. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DE ISONOMIA A TRABALHADORES
RURAIS E URBANOS. MESCLA DOS PERÍODOS DE TRABALHO URBANO E RURAL.
EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL, REMOTO E DESCONTÍNUO, ANTERIOR À LEI
8.213/1991 A DESPEITO DO NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DO
TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS DE CARÊNCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO
DO LABOR CAMPESINO POR OCASIÃO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TESE FIXADA EM HARMONIA COM O PARECER
MINISTERIAL. RECURSO ESPECIAL DA SEGURADA PROVIDO.
1. A análise da lide judicial que envolve a proteção do Trabalhador Rural exige do julgador
sensibilidade, e é necessário lançar um olhar especial a esses trabalhadores para compreender
a especial condição a que estão submetidos nas lides campesinas.
2. Como leciona a Professora DANIELA MARQUES DE MORAES, é preciso analisar quem é o
outro e em que este outro é importante para os preceitos de direito e de justiça. Não obstante o
outro possivelmente ser aqueles que foi deixado em segundo plano, identificá-lo pressupõe um
cuidado maior. Não se pode limitar a apontar que seja o outro. É preciso tratar de tema
correlatos ao outro, com alteridade, responsabilidade e, então, além de distinguir o outro, incluí-
lo (mas não apenas de modo formal) ao rol dos sujeitos de direito e dos destinatários da justiça
(A Importância do Olhar do Outro para a Democratização do Acesso à Justiça, Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2015, p. 35).
3. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3o. e 4o. no art.
48 da lei 8.213/1991, abrigou, como já referido, aqueles Trabalhadores Rurais que passaram a
exercer temporária ou permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da
inovação legislativa o mesmo Segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo
previdenciário: ao atingir idade avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque
exerceu trabalho urbano e não tinha como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o
curto período laboral não preencher o período de carência (REsp. 1.
407.613/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 28.11.2014).
4. A aposentadoria híbrida consagra o princípio constitucional de uniformidade e equivalência
dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, conferindo proteção àqueles
Trabalhadores que migraram, temporária ou definitivamente, muitas vezes acossados pela
penúria, para o meio urbano, em busca de uma vida mais digna, e não conseguiram
implementar os requisitos para a concessão de qualquer aposentadoria, encontrando-se em
situação de extrema vulnerabilidade social.
5. A inovação legislativa objetivou conferir o máximo aproveitamento e valorização ao labor
rural, ao admitir que o Trabalhador que não preenche os requisitos para concessão de
aposentadoria rural ou aposentadoria urbana por idade possa integrar os períodos de labor rural
com outros períodos contributivos em modalidade diversa de Segurado, para fins de
comprovação da carência de 180 meses para a concessão da aposentadoria híbrida, desde que
cumprido o requisito etário de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher.
6. Analisando o tema, esta Corte é uníssona ao reconhecer a possibilidade de soma de lapsos
de atividade rural, ainda que anteriores à edição da Lei 8.213/1991, sem necessidade de
recolhimento de contribuições ou comprovação de que houve exercício de atividade rural no
período contemporâneo ao requerimento administrativo ou implemento da idade, para fins de
concessão de aposentadoria híbrida, desde que a soma do tempo de serviço urbano ou rural
alcance a carência exigida para a concessão do benefício de aposentadoria por idade.
7. A teste defendida pela Autarquia Previdenciária, de que o Segurado deve comprovar o
exercício de período de atividade rural nos últimos quinze anos que antecedem o implemento
etário, criaria uma nova regra que não encontra qualquer previsão legal. Se revela, assim, não
só contrária à orientação jurisprudencial desta Corte Superior, como também contraria o
objetivo da legislação previdenciária.
8. Não admitir o cômputo do trabalho rural exercido em período remoto, ainda que o Segurado
não tenha retornado à atividade campesina, tornaria a norma do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991
praticamente sem efeito, vez que a realidade demonstra que a tendência desses Trabalhadores
é o exercício de atividade rural quando mais jovens, migrando para o atividade urbana com o
avançar da idade. Na verdade, o entendimento contrário, expressa, sobretudo, a velha posição
preconceituosa contra o Trabalhador Rural, máxime se do sexo feminino.
9. É a partir dessa realidade social experimentada pelos Trabalhadores Rurais que o texto legal
deve ser interpretado, não se podendo admitir que a justiça fique retida entre o rochedo que o
legalismo impõe e o vento que o pensamento renovador sopra. A justiça pode ser cega, mas os
juízes não são. O juiz guia a justiça de forma surpreendente, nos meandros do processo, e ela
sai desse labirinto com a venda retirada dos seus olhos.
10. Nestes termos, se propõe a fixação da seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que
remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da
carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido
efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja
qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho
exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
11. Recurso Especial da Segurada provido, determinando-se o retorno dos autos à origem, a
fim de que prossiga no julgamento do feito analisando a possibilidade de concessão de
aposentadoria híbrida."
(REsp 1674221/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO,
julgado em 14/08/2019, DJe 04/09/2019) (destaque nosso)
Impende salientar que o Colendo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE
1.281.909, por maioria, reconheceu a inexistência de repercussão geral da questão (Tema
1.104), por não se tratar de matéria constitucional.
Sendo assim, quando da análise do pedido à luz do § 3º do art. 48 da Lei 8.213/91, não incide a
vedação expressa contida no art. 55, § 2º, da referida lei.
Tendo implementado a idade mínima de 60 anos em 23 de novembro de 2010, deveria o autor
comprovar a carência de 174 (cento e setenta e quatro) meses, ônus do qual, de fato, se
desincumbiu.
A controvérsia cinge-se ao período de labor rural, de 1970 a 2002, no qual não foram efetuados
recolhimentos previdenciários, conforme aduz a autarquia.
Conforme disposição expressa do § 3º, do art. 55 da Lei n. 8.213/91, a distinção entre a
aposentadoria por idade rural e a de caráter híbrido, além do cômputo do exercício de atividade
rural e de períodos de contribuição sob outras categorias conjuntamente, reside no requisito
etário.
Por sua vez, os critérios para apreciação do conjunto probatório referente ao exercício de
atividade rural são idênticos em ambas as modalidades de aposentadorias por idade. Assim
sendo, é necessária apenas a comprovação do efetivo exercício de labor rural para efeito de
carência.
Foram acostadas aos autos, dentre outros documentos, cópias de certidões de nascimento de
filhos da autora, ocorridos em 1976 e 1978, nas quais o marido da autora foi qualificado como
lavrador (ID 99831209, p. 21-22).
Tais documentos constituem suficiente início de prova material do alegado labor rural.
De outra parte, é pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que a prova testemunhal
possui a capacidade de ampliar o período do labor documentalmente demonstrado, como
ocorre no caso dos autos, cujo depoimento foi colhido em audiência realizada em 2017.
Elza Aparecida de Melo Porto relatou conhecer a autora há mais de quarenta anos e que, na
época, eram vizinhas de sítio. Na época, a autora morava e trabalhava no sítio do sogro, com a
família, em lavouras de milho, feijão e arroz. Afirmou que ela permaneceu nessa propriedade
até 1992, ano em que se mudou. Disse que a autora, então, passou a trabalhar em outro sítio,
no qual permaneceu até há uns cinco ou seis anos atrás.
Sebastião Carlos Porto declarou conhecer a autora há uns quarenta anos e que, na época,
eram vizinhos de sítio. Disse que a autora, na época, a autora trabalhava no sítio do sogro, com
a família, plantando milho, feijão e arroz. Afirmou que a autora permaneceu na propriedade até
1992, quando se mudou. Informou que, depois disso, ela passou a trabalhar em outra
propriedade.
Como se vê, a prova oral corroborou, de forma satisfatória, o início de prova material da
atividade campesina desempenhada pela requerente.
No mais, foi juntada cópia da CTPS da autora, na qual consta registro como trabalhadora rural,
no período de 02/05/2000 a 30/11/2002 (ID 99831209, p. 23-24). Além disso, o extrato do CNIS
aponta que ela efetuou recolhimentos como contribuinte individual, de 1º/10/2005 a 31/03/2006
e de 05/07/2012 a 31/10/2013 (ID 99831209, p. 16).
Dessa forma, diante do preenchimento da carência exigida em lei, mediante o somatório dos
períodos de atividades rurais e urbanas, de rigor a concessão do benefício de aposentadoria
por idade, na modalidade híbrida.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo
(03/08/2015).
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Arbitro os honorários advocatícios no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de acordo
com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação, consideradas
as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma vez que,
sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a
sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada
moderadamente.
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora anular a r. sentença de 1º grau,
diante da inocorrência de coisa julgada e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, II, do Código de
Processo Civil, e julgarprocedente o pedido, para condenar o INSS a conceder o benefício de
aposentadoria por idade, a partir da data do requerimento administrativo, sendo que sobre os
valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a
expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, condenando, ainda, a
Autarquia no pagamento da verba honorária no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC,
de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação,
consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. COISA JULGADA.
INOCORRÊNCIA. SENTENÇA ANULADA. CAUSA MADURA. JULGAMENTO IMEDIATO.
APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA
TESTEMUNHAL. COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DE LABOR RURAL. TEMPO DE
SERVIÇO URBANO INCONTROVERSO. BENEFÍCIO CONCEDIDO. TERMO INICIAL.
CORREÇÃO MONETARIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO
DO INSS PROVIDA.
1 - Para a caracterização de litispendência ou coisa julgada, necessária a tríplice identidade
entre os elementos da ação, ou seja, devem ser idênticos partes, pedido e causa de pedir, em
ambas as demandas propostas.
2 - A coisa julgada constitui garantia fundamental do cidadão no nosso Estado Democrático de
Direito, consoante o disposto no artigo 5º, XXXVI, da Carta da República, e se origina da
necessidade de ser conferida segurança às relações jurídicas.
3 - Tal instituto tem a finalidade de conferir imutabilidade à sentença e, consequentemente,
impedir que a lide julgada definitivamente seja rediscutida em ação judicial posterior.
4 - De leitura detida da exordial, infere-se a pretensão da parte autora circunscrita à concessão
de aposentadoria por idade híbrida, mediante o reconhecimento de período de exercício de
labor rural.
5 - Diferentemente, a ação ajuizada anteriormente versava sobre a concessão de aposentadoria
por idade rural, conforme se verifica da documentação acostada aos autos e conforme apontam
tanto a parte autora quanto o próprio INSS.
6 - Ou seja, não há que se falar em repetição de demandas já propostas antecedentemente,
diante da diversidade das postulações, pois as ações versam sobre benefícios distintos,
comprovando-se não haver coincidência plena de todos os elementos supraindicados.
7 - O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação
autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições
para tanto. É o que se extrai do art. 1.013, § 3º, II, do Código de Processo Civil.
8 - Tendo implementado a idade mínima de 60 anos em 23 de novembro de 2010, deveria o
autor comprovar a carência de 174 (cento e setenta e quatro) meses, ônus do qual, de fato, se
desincumbiu.
9 - Conforme disposição expressa do § 3º, do art. 55 da Lei n. 8.213/91, a distinção entre a
aposentadoria por idade rural e a de caráter híbrido, além do cômputo do exercício de atividade
rural e de períodos de contribuição sob outras categorias conjuntamente, reside no requisito
etário.
10 - Por sua vez, os critérios para apreciação do conjunto probatório referente ao exercício de
atividade rural são idênticos em ambas as modalidades de aposentadorias por idade. Assim
sendo, é necessária apenas a comprovação do efetivo exercício de labor rural para efeito de
carência.
11 - A controvérsia cinge-se ao período de labor rural, de 1970 a 2002, no qual não foram
efetuados recolhimentos previdenciários, conforme aduz a autarquia.
12 - Foram acostadas aos autos, dentre outros documentos, cópias de certidões de nascimento
de filhos da autora, ocorridos em 1976 e 1978, nas quais o marido da autora foi qualificado
como lavrador.
13 - A prova oral corroborou, de forma satisfatória, o início de prova material da atividade
campesina desempenhada pela requerente.
14 - No mais, foi juntada cópia da CTPS da autora, na qual consta registro como trabalhadora
rural, no período de 02/05/2000 a 30/11/2002 (ID 99831209, p. 23-24). Além disso, o extrato do
CNIS aponta que ela efetuou recolhimentos como contribuinte individual, de 1º/10/2005 a
31/03/2006 e de 05/07/2012 a 31/10/2013.
15 - Diante do preenchimento da carência exigida em lei, mediante o somatório dos períodos de
atividades rurais e urbanas, de rigor a concessão do benefício de aposentadoria por idade, na
modalidade híbrida.
16 – Termo inicial do benefício fixado na data do requerimento administrativo.
17 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente quando da
elaboração da conta, com aplicação do IPCA-E nos moldes do julgamento proferido pelo C.
STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE) e com efeitos
prospectivos.
18 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
19 - Honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de
acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação,
consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma
vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a
sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada
moderadamente.
20 - Apelação do INSS provida. Sentença anulada. Pedido julgado procedente. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da parte autora anular a r. sentença de 1º
grau, diante da inocorrência de coisa julgada e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, II, do Código
de Processo Civil, e julgar procedente o pedido, para condenar o INSS a conceder o benefício
de aposentadoria por idade, a partir da data do requerimento administrativo, sendo que sobre
os valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a
expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, condenando, ainda, a
Autarquia no pagamento da verba honorária no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC,
de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação,
consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
