D.E. Publicado em 15/06/2018 |
EMENTA
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINARES. COISA JULGADA. AGRAVAMENTO DO ESTADO DE SAÚDE DO AUTOR. TUTELA ANTECIPADA. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO. REJEIÇÃO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares arguidas pelo réu e, no mérito, negar provimento à sua apelação e dar parcial provimento à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0007517-80.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Trata-se de remessa oficial e apelação de sentença pela qual foi julgado procedente o pedido para condenar o réu a conceder ao autor o benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição da República, a partir da data do requerimento administrativo (09.03.2015). Sobre as prestações vencidas deverá incidir correção monetária, consoante critérios do Manual de Orientações e Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal e juros de mora, nos termos da Lei nº 11.960/09. O réu foi condenado, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 15% sobre as prestações vencidas até a sentença, nos termos da Súmula nº 111 do STJ. Concedida a tutela antecipada, determinando-se a imediata implantação do benefício, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), tendo sido cumprida a decisão judicial pelo réu, consoante dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais, anexos.
Em sua apelação, o réu arguiu, em preliminar, ocorrência de coisa julgada, vez que ajuizou anteriormente outra ação que tramitou perante o Juizado Especial Federal de Ribeirão Preto, SP, fundada no mesmo requerimento administrativo, bem como impossibilidade de concessão de tutela antecipada. No mérito, aduz que a renda mensal familiar é superior a meio salário mínimo e, no que tange à deficiência, não há impedimento de longo prazo. Subsidiariamente, requer a redução do percentual da verba honorária para 10% e, ainda, para que a correção monetária seja fixada nos moldes da Lei nº 11.960/09.
Contrarrazões da parte autora.
Em parecer, o i. representante do Ministério Público Federal, opinou, em preliminar, pela inexistência de coisa julgada e, no mérito, pelo provimento parcial do apelo do réu, no que tange aos juros e correção monetária.
É o relatório.
SERGIO NASCIMENTO
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0007517-80.2018.4.03.9999/SP
VOTO
Nos termos do art. 1011 do CPC/2015, recebo a apelação do réu.
Da preliminar de coisa julgada
Colhe-se dos autos que o autor havia ajuizado anteriormente ação objetivando a concessão de benefício de prestação continuada (proc. nº 0011584-29.2015.4.03.6302), que tramitou perante o Juizado Especial Federal de Ribeirão Preto, SP, cujo pedido foi julgado improcedente, com trânsito em julgado da sentença em 16.05.2016, tendo sido a presente ação ajuizada em 08.05.2016.
Todavia, verifica-se da narrativa da inicial, a ocorrência de eventual agravamento do quadro clínico do autor, fato novo passível de se configurar causa de pedir diversa, consoante exarado, em parecer, pelo d. representante do Parquet Federal.
Da tutela antecipada
Cumpre assinalar, primeiramente, que o entendimento de que não é possível a antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, equiparada no presente feito ao órgão previdenciário, está ultrapassado, porquanto a antecipação do provimento não importa em pagamento de parcelas vencidas, o que estaria sujeito ao regime de precatórios. A implantação provisória ou definitiva do benefício, tanto previdenciário como assistencial, não está sujeita à disciplina do artigo 100 da Constituição da República, não havendo, portanto, falar-se em impossibilidade de implantação do benefício perseguido sem o trânsito em julgado da sentença.
Rejeito, portanto, as preliminares arguidas pelo réu.
Do mérito
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da República, que dispõe:
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência, limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de "pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação atualizada:
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a seguinte redação:
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e 'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada, seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho, ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia médica, cujo laudo, elaborado em 28.09.2016 (fl. 127/131), atesta que o autor (58 anos de idade, primeiro grau incompleto) é portador de quadro de baixa compleição física, associado a alterações senis (poliarticulares) e insuficiência vascular dos membros inferiores, estando incapacitado de forma total e permanente para o trabalho.
Preenchido, portanto, o requisito concernente à deficiência física.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão que recebeu a seguinte ementa:
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 01.05.2017 (fl. 150/151), constatou que o autor reside com uma amiga que optou por acolhê-lo, a qual recebe pensão por morte, no valor de um salário mínimo. O imóvel conta com estrutura bastante precária, com poucos móveis e utensílios domésticos. O autor referiu que sempre trabalhou em zona rural, sem lugar para morar ou manter-se, possuindo problemas circulatórios nos membros inferiores, com dificuldades para locomover-se, necessitando de medicamento, do qual não faz uso há meses, pela escassez de recursos.
Entendo, assim, que o conjunto probatório existente nos autos demonstra que a parte autora preenche o requisito da deficiência física, comprovando sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à concessão do benefício assistencial.
O termo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data do laudo pericial (28.09.2016 - fl. 127/131), vez que a ação anterior transitou em julgado em 16.05.2016 (dados anexos), devendo ser compensadas as parcelas pagas a título de antecipação de tutela, quando da liquidação da sentença.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência, observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado em 20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de poupança a partir de 30.06.2009.
Mantidos os honorários advocatícios em 15% (quinze por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do STJ, eis que de acordo com o entendimento da 10ª Turma desta E. Corte.
Diante do exposto, rejeito as preliminares arguidas pelo réu e, no mérito, nego provimento à sua apelação e dou parcial provimento à remessa oficial para fixar o termo inicial do benefício a contar da data do laudo pericial (28.09.2016).
Expeça-se e-mail ao INSS comunicando-se a alteração da DIB para 28.09.2016.
É como voto.
SERGIO NASCIMENTO
Desembargador Federal Relator
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Data e Hora: | 05/06/2018 18:13:44 |