
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002382-65.2009.4.03.6002
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: LEONARDO SICILIANO PAVONE - RJ181148
APELADO: ORISA DO CARMO TOSTA SHINODA
Advogado do(a) APELADO: MARCEL MARQUES SANTOS LEAL - MS11225-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002382-65.2009.4.03.6002
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: LEONARDO SICILIANO PAVONE - RJ181148
APELADO: ORISA DO CARMO TOSTA SHINODA
Advogado do(a) APELADO: MARCEL MARQUES SANTOS LEAL - MS11225-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por ORISA DO CARMO TOSTA SHINODA, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural.
A r. sentença (ID 104246930, p. 148-155), julgou procedente o pedido e condenou o INSS à concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, a partir da data do requerimento administrativo (05/12/2008), com correção monetária e juros de mora. Honorários advocatícios fixados em 10% do valor das prestações vencidas até a prolação da sentença. Concedida a antecipação da tutela.
Em razões recursais (ID 104246930, p. 158-172), o INSS pugna pela reforma da sentença, uma vez ausente início de prova material contemporâneo, não tendo a autora comprovado o trabalho rural pelo período necessário ao cumprimento da carência. Subsidiariamente, pede a fixação do termo inicial do benefício na data da audiência de instrução e julgamento, a modificação dos critérios de incidência da correção monetária e dos juros de mora e a redução dos honorários advocatícios.
Intimada, a parte autora apresentou contrarrazões (ID 104246930, p. 178-195).
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002382-65.2009.4.03.6002
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: LEONARDO SICILIANO PAVONE - RJ181148
APELADO: ORISA DO CARMO TOSTA SHINODA
Advogado do(a) APELADO: MARCEL MARQUES SANTOS LEAL - MS11225-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Inicialmente, verifico que a sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 26/09/2014, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
De acordo com o artigo 475, § 2º do CPC/73:
"Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).
§1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.
§2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.
§3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente."
No caso, o INSS foi condenado a conceder o benefício de aposentadoria por idade, a partir da data do requerimento administrativo (05/12/2008).
Assim, não havendo como se apurar o valor da condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I do artigo retro mencionado e da Súmula nº 490 do STJ.
A aposentadoria por idade do trabalhador rural encontra previsão no art. 48, §§1º e 2º, da Lei nº 8.213/91,
in verbis
:Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea "a" do inciso I, na alínea "g" do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2o Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008) (grifos nossos)
A autora pleiteia a concessão de aposentadoria por idade rural. Nasceu em 23 de abril de 1943 (ID 104246930, p. 22), com implemento do requisito etário em 23 de abril de 1998. Deveria, portanto, comprovar nos autos o exercício do labor rural, em período imediatamente anterior a 1998, ao longo de, ao menos, 102 (cento e dois) meses, conforme determinação contida no art. 142 da Lei nº 8.213/91.
A inicial da presente demanda veio instruída, dentre outros documentos, com cópias da certidão de casamento, realizado em 1960, na qual o marido foi qualificado como lavrador (ID 104246930, p. 26); de carteira do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iguatemi e de carteira do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Dourados, emitidas em 1976 e 1989, em nome do marido, com comprovantes de recolhimentos de contribuições em 1976, 1977 e 1989 (ID 104246930, p. 32, 36 e 37); de carteira do Projeto Integrado de Colonização Iguatemi de 1972, em nome do autor (ID 104246930, p. 31); e de documentos indicando o recebimento de benefício previdenciário, de caráter rural, por parte do marido da autora, com datas entre 1989 e 1991 (ID 104246930, p. 39-45).
Tais documentos constituem início razoável de prova material da atividade campesina, em regime de economia familiar.
De outra parte, é pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que a prova testemunhal possui a capacidade de ampliar o período do labor documentalmente demonstrado, como ocorre no caso dos autos.
Foi produzida prova oral.
Sebastiana Lopes Neves, cujo depoimento colhido em audiência realizada 2014, relatou ter conhecido a autora em 1961 e que, na época, em Guaçu, a autora já trabalhava nas lides rurais em um pequeno sítio do INCRA, juntamente com o marido. Afirmou que a autora plantava arroz, feijão, milho para subsistência. A depoente se mudou, mas soube que a autora permaneceu nas lides rurais. Disse que na década de 1970 reencontrou a autora em um sítio em Mundo Novo, adquirido pelo INCRA. Afirmou não saber quando a autora saiu das lides rurais, pois deixou a cidade por volta de 1976, quando se mudou para o norte do Mato Grosso e depois para. Informou que quando reencontrou a autora em Dourados e ela não estava mais na área rural (ID 104246930, p. 125).
Anésio Justino de Oliveira relatou te conhecido a autora quando ela tinha um sítio em Sobradinho, entre as décadas de 1950 e 1970. Afirmou que, nesse período, a autora trabalhava nas lides rurais, no sítio da família, com cerca de doze alqueires. Declarou que nesse sítio a autora produzia milho, feijão e arroz, bem como alguns animais “para o gasto”. Informou que presenciou o trabalho da autora até por volta de 1973, quando ela se mudou para Mundo Novo e perderam contato. Disse que reencontrou a autora posteriormente, em Dourados, já na área urbana (ID 104246930, p. 125).
Conforme se verifica dos depoimentos das testemunhas, nenhuma delas presenciou o labor rural da autora após a década de 1970.
Desse modo, restou descaracterizado o exercício de labor rural no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário, deixando de ser atendida, portanto, a exigência referente à imediatidade.
Isso porque o C. STJ estabeleceu, no julgamento do REsp autuado sob nº 1.354.908/SP, sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva, a necessidade da demonstração do exercício da atividade campesina em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário,
verbis:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício.
2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil."
(REsp nº 1.354.908/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016) - grifos nossos.
Dito isso, entendo que o conjunto probatório não se mostrou hábil à comprovação da atividade campesina pelo período de carência exigido em lei, sendo de rigor, portanto, o indeferimento do benefício.
Observo que a sentença concedeu a tutela antecipada. Tendo em vista que a eventual devolução dos valores recebidos por força de tutela provisória deferida neste feito, ora revogada: a) é matéria inerente à liquidação e cumprimento do julgado, conforme disposição dos artigos 297, parágrafo único e 520, II, ambos do CPC; b) que é tema cuja análise se encontra suspensa na sistemática de apreciação de recurso especial repetitivo (STJ, Tema afetado nº 692), nos termos do § 1º do art. 1.036 do CPC; e c) que a garantia constitucional da duração razoável do processo recomenda o curso regular do processo, até o derradeiro momento em que a ausência de definição sobre o impasse sirva de efetivo obstáculo ao andamento do feito; determino que a controvérsia em questão deverá ser apreciada pelo juízo da execução, de acordo com a futura deliberação do tema pelo E. STJ.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
Ante o exposto,
dou provimento à remessa necessária, tida por interposta, e à apelação do INSS
para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido, revogando a tutela específica, na forma da fundamentação.Oficie-se ao INSS.
Encaminhe-se a mídia à Subsecretaria da Turma para descarte após a interposição de recurso excepcional ou a certificação do trânsito em julgado.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE CAMPESINA NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO. BENEFÍCIO INDEFERIDO. APELAÇÃO PROVIDA.
1 – Verifica-se que a sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 26/09/2014, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973 e condenou o INSS a conceder aposentadoria por idade à autora desde a data do requerimento administrativo, em 05/12/2008.
2 - A aposentadoria por idade do trabalhador rural encontra previsão no art. 48, §§1º e 2º, da Lei nº 8.213/91.
3 - Deve a autora comprovar o exercício do labor rural, em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário (1998) por, pelo menos, 102 (cento e dois) meses, conforme determinação contida no art. 142 da Lei nº 8.213/91.
4 - Os documentos que instruíram a inicial constituem início razoável de prova material da atividade rural do autor.
5 - Contudo, nenhuma das testemunhas presenciou o labor rural da autora após a década de 1970.
6 - Conclui-se, desse modo, que o conjunto probatório constante nos autos é insuficiente para comprovar o exercício de labor rural, pelo período de carência exigido em lei, sendo de rigor, portanto, o indeferimento do benefício.
7 - Condenação da parte autora no pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita (arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC).
8 - A controvérsia acerca da eventual devolução dos valores recebidos por força de tutela provisória deferida neste feito, ora revogada, deverá ser apreciada pelo juízo da execução, de acordo com a futura deliberação do tema pelo E. STJ, por ser matéria inerente à liquidação e cumprimento do julgado, conforme disposição dos artigos 297, parágrafo único e 520, II, ambos do CPC. Observância da garantia constitucional da duração razoável do processo.
9 - Remessa necessária, tida por interposta, e apelação do INSS providas. Revogada a tutela anteriormente concedida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à remessa necessária, tida por interposta, e à apelação do INSS, revogando a tutela anteriormente concedida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
