Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
5718094-54.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
30/04/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 04/05/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CONHECIMENTO.
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI
8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E.
STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
I-Tendo em vista julgado proferido pelo C. STJ, ao apreciar o REsp 1.735.097/RS (08/10/2019),
Rel. Min. Gurgel de Faria, entendendo que “não obstante a aparente iliquidez das condenações
em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie
absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos, os quais
são expressamente previstos na lei de regência, e são realizados pelo próprio INSS”, e
observando-se o disposto no artigo 496, §3º, I do CPC, remessa oficial não conhecida.
II - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte
autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
III- Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
IV- Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
V - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
VI-Otermo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data da citação (27.02.2018), vez que
não há como aferir com segurança o preenchimento dos requisitos à época do requerimento
administrativo, devendo ser compensadas as parcelas pagas a título de antecipação de tutela,
quando da liquidação da sentença.
VII- Honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a
data da sentença (Súmula nº 111 do STJ), eis que de acordo com o entendimento da 10ª Turma
desta E. Corte.
VIII- Remessa Oficial não conhecida. Apelação do réu parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5718094-54.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APARECIDO SOARES
Advogado do(a) APELADO: EUKLES JOSE CAMPOS - SP260127-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5718094-54.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APARECIDO SOARES
Advogado do(a) APELADO: EUKLES JOSE CAMPOS - SP260127-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo Sr Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Trata-se de remessa oficial e
apelação de sentença pela qual foi julgado procedente o pedido para condenar o réu a conceder
à parte autora o benefício assistencial de prestação continuada (art. 20 da Lei n. 8.742/93) no
valor de 1 (um) salário-mínimo mensal desde a data do requerimento administrativo (17.06.2015).
Sobre as prestações atrasadas deverá incidir correção monetária e juros de mora, a contar da
citação, na forma do do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/1997. O réu foi condenado, ainda, ao
pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o montante das prestações
vencidas até a data da sentença (Súmula 111, STJ). Não há condenação ao pagamento das
despesas processuais (art. 6º da Lei estadual nº 11.608/03). Concedida a tutela de urgência,
determinando-se a imediata implantação da benesse, tendo sido noticiado o cumprimento da
decisão judicial pelo réu.
O réu recorre, pugnando pela revogação imediata da tutela antecipada, aduzindo não restarem
preenchidos requisitos para a concessão do benefício, tendo em vista a ausência de
miserabilidade, caracterizada a incapacidade de forma temporária. Subsidiariamente, requer que
o termo inicial do benefício seja fixado a contar da data da apresentação do laudo pericial
(11.12.2017).
Contrarrazões da parte autora.
O i. representante do Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso do réu.
É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5718094-54.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APARECIDO SOARES
Advogado do(a) APELADO: EUKLES JOSE CAMPOS - SP260127-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Nos termos do art. 1011 do CPC, recebo a apelação do réu.
Da remessa oficial
Tendo em vista julgado proferido pelo C. STJ, ao apreciar o REsp 1.735.097/RS (08/10/2019),
Rel. Min. Gurgel de Faria, entendendo que “não obstante a aparente iliquidez das condenações
em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie
absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos, os quais
são expressamente previstos na lei de regência, e são realizados pelo próprio INSS”, e
observando-se o disposto no artigo 496, §3º, I do CPC, não conheço da remessa oficial.
Do mérito
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da
Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo
e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o
beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia médica
realizada em 11.12.2017, atesta que o autor, 53 anos de idade, ajudante geral por dez anos, sofre
de alcoolismo e dependência química (maconha), estando incapacitado de forma total e
temporária para o trabalho.
Em que pese o perito concluir pela incapacidade temporária da autora, há que se reconhecer que
as limitações por ela apresentadas, autorizam a concessão do benefício assistencial, caso
preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com
potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de
condições com outras pessoas.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão
que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 21.11.2017, atesta que o autor, 53 anos de
idade, solteiro, desempregado, não alfabetizado, última atividade: servente de pedreiro, mora
sozinho há quinze anos, dependendo da ajuda de sua irmã, no que tange à habitação, vestuário e
alimentação, a qual, também, encontrava-se desempregada. Recebe Bolsa Família mensalmente
no valor de R$ 85,00 (oitenta e cinco reais). Reside em edícula cedida nos fundos da casa de sua
irmã, imóvel de pequenas dimensões, sem forro, com piso em regular estado de conservação. O
mobiliário é básico, de modelo popular, em bom estado de conservação e higienização. Não
possui telefone, celular ou veículo. Adquire alimentos básicos com o valor proveniente do
Programa Bolsa Família. Foi informado, ainda, que o autor era portador de transtorno mental e
comportamental devido ao uso de substância etílica (álcool), apresentando fala desconexa e
dificuldade de entendimento.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos, demonstra que o autor preenche o requisito
referente à deficiência e comprovou sua hipossuficiência econômica, posto que não possui renda
alguma, fazendo jus à concessão do benefício assistencial.
Otermo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data da citação (27.02.2018), vez que não
há como aferir com segurança o preenchimento dos requisitos à época do requerimento
administrativo, devendo ser compensadas as parcelas pagas a título de antecipação de tutela,
quando da liquidação da sentença.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência.
Destaco, ainda, que o entendimento de que não é possível a concessão de tutela de urgência,
prevista no artigo 300 do CPC, em face da Fazenda Pública, equiparada no presente feito ao
órgão previdenciário, está ultrapassado, porquanto a antecipação do provimento não importa em
pagamento de parcelas vencidas, o que estaria sujeito ao regime de precatórios. A implantação
provisória ou definitiva do benefício, tanto previdenciário como assistencial, não está sujeita à
disciplina do artigo 100 da Constituição da República, não havendo, portanto, falar-se em
impossibilidade de implantação do benefício perseguido sem o trânsito em julgado da sentença.
"In casu", presentes os requisitos para sua concessão.
Mantenho os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111 do STJ), eis que de acordo com o entendimento
da 10ª Turma desta E. Corte.
Devem ser compensadas as parcelas pagas a título de antecipação de tutela, quando da
liquidação da sentença.
Diante do exposto, não conheço da remessa oficial e dou parcial provimento àapelação do réu
para fixar o termo inicial do benefício a contar da data da citação (27.02.2018).
Comunique-se ao INSS (Gerência Executiva) a alteração da DIB para 27.02.2018.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. NÃO CONHECIMENTO.
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI
8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E.
STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
I-Tendo em vista julgado proferido pelo C. STJ, ao apreciar o REsp 1.735.097/RS (08/10/2019),
Rel. Min. Gurgel de Faria, entendendo que “não obstante a aparente iliquidez das condenações
em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie
absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos, os quais
são expressamente previstos na lei de regência, e são realizados pelo próprio INSS”, e
observando-se o disposto no artigo 496, §3º, I do CPC, remessa oficial não conhecida.
II - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte
autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
III- Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
IV- Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
V - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
VI-Otermo inicial do benefício deve ser fixado a contar da data da citação (27.02.2018), vez que
não há como aferir com segurança o preenchimento dos requisitos à época do requerimento
administrativo, devendo ser compensadas as parcelas pagas a título de antecipação de tutela,
quando da liquidação da sentença.
VII- Honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a
data da sentença (Súmula nº 111 do STJ), eis que de acordo com o entendimento da 10ª Turma
desta E. Corte.
VIII- Remessa Oficial não conhecida. Apelação do réu parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egregia Decima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3 Regiao, por unanimidade, nao conhecer da remessa
oficial e dar parcial provimento a apelacao do reu, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
