Processo
ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO / MS
5005721-66.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
10/04/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 11/04/2019
Ementa
E M E N T ACONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL TIDA POR
INTERPOSTA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, V, CF. REQUISITOS
LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA.
INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.I- Aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490
do E. STJ, que assim dispõe: A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação
ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças
ilíquidas.II - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de
proteção estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado
com as alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto
Legislativo 186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos
autos, a parte autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas'.III - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito
do E. STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei
8.742/93 define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a
comprovação da miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício.
(Precedente do E. STJ).IV- Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento
recente dos Recursos Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
4.374, o E. Supremo Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para
entender pela inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.V - O
entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.VI – Termo inicial do benefício fixado a partir da citação (28.10.2015),
devendo ser compensadas as parcelas recebidas a título de antecipação de tutela.VII - A
correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência,
observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado em
20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de
poupança a partir de 30.06.2009.VIII - Honorários advocatícios mantidos nos termos da r.
sentença, em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença.IX -
Apelação do réu e remessa oficial tida por interposta parcialmente providas.
Acórdao
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5005721-66.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: CRISTIAN OSCAR MALLADA DE SOUZA
PROCURADOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NO ESTADO DO MATO GROSSO DO
SUL
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5005721-66.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: CRISTIAN OSCAR MALLADA DE SOUZA
PROCURADOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NO ESTADO DO MATO GROSSO DO
SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Senhor Desembargador Federal Sergio Nascimento (Relator): Trata-se de apelação de
sentença pela qual foi julgado procedente o pedido do autor, para condenar o réu a conceder-lhe
o benefício de prestação continuada, previsto no art. 203, V, da Constituição da República, a
partir da data do requerimento administrativo. Sobre as prestações atrasadas deverá incidir
correção monetária, pelo Manual de Cálculos da JF e juros de mora, nos termos da Lei
11.960/09. Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a
sentença. Sem condenação em custas processuais. Foi concedida tutela determinando a
imediata implantação do benefício.
O benefício foi implantado pelo réu e suspensoem 01.12.2018, em virtude da falta de saque por
mais de 60 dias,conforme consulta no PLENUS.
O réu apela sustentando não restarem preenchidos os requisitos para a concessão do benefício.
Subsidiariamente, requer que o termo inicial do benefício seja fixado a partir da juntada do laudo
pericial, bem como os juros e correção monetária calculados nos termos da Lei nº 11.960/09.
Com contrarrazões de apelação.
Em seu parecer o d. Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5005721-66.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: CRISTIAN OSCAR MALLADA DE SOUZA
PROCURADOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NO ESTADO DO MATO GROSSO DO
SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Nos termos do art. 1011 do CPC/2015, recebo a apelação do réu.
Da remessa oficial tida por interposta
Aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que assim dispõe:A dispensa de
reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a
sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
Do méritoO benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição
da República, que dispõe:Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:(...)V - a garantia de
um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família,
conforme dispuser a lei.
Coube à Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (LOAS), a instituição do referido benefício,
tratando dos critérios para sua concessão em seus artigos 20 e 21. Por sua vez, a Lei 12.435, de
06 de julho de 2011, veio modificar os referidos dispositivos, sendo aplicáveis para os benefícios
requeridos a partir de sua edição - caso dos autos - os seguintes requisitos:Art. 20. O benefício de
prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao
idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a
própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.§ 1o Para os efeitos do disposto no
caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência
de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. § 2o Para efeito de concessão deste
benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas. § 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência
ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer
outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da
pensão especial de natureza indenizatória.§ 5o A condição de acolhimento em instituições de
longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de
prestação continuada.§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do
grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social
realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social -
INSS. § 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica
assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais
próximo que contar com tal estrutura.§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá
ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais
procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.§ 9º A remuneração da
pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que
se refere o § 3o deste artigo.§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o
deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Assim, para que alguém faça jus ao benefício pleiteado, deve ser portador de deficiência ou ter
mais de 65 anos e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:Art.
20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.(...)§ 2º Para efeito
de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a
vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades
de condições com as demais pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo
mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que
comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua
família.(...)§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência
aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial,
os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão
concedente quando a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na
condição de microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)§ 1o Extinta a
relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo e, quando for
o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o beneficiário
adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a continuidade do
pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia médica ou
reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o período de
revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, foi realizada
perícia médica em 20.01.2016, que constatou que o autor, nascido em 30.04.2001, é portador de
retardo mental leve, com transtorno de fala. Faz-se mister, aqui, observar o que dispõe o art. 4º,
§1º, do Decreto 6.214/2007:
Art. 4o Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
§ 1o Para fins de reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação Continuada às crianças e
adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada a existência da deficiência
e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social,
compatível com a idade.
Neste passo, em se tratando de criança, não há que se perquirir quanto à sua capacidade
laborativa, mas deve-se ter em conta às limitações que a deficiência de que é portadora impõem
ao seu desenvolvimento e a atenção especial de que necessita.
Ante a conclusão da perícia, há que se reconhecer que as limitações apresentadas pelo autor,
autorizam a concessão do benefício assistencial, caso preencha o requisito socioeconômico, haja
vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para 'obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas, já que portador de
grave patologia que dificulta seu aprendizado e interação social.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente (STF. ADI
1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar (Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal
Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
O estudo social, realizado em 27.10.2016 e complementado em 03.02.2017, constatou que o
núcleo familiar é composto pelo autor, seus genitores e um irmão menor de idade. Residem no
assentamento rural Eldorado II, imóvel próprio e popular, de alvenaria, com pouca mobília. A
renda é proveniente da aposentadoria do pai, no valor de um salário mínimo, da locação de um
imóvel, no valor de R$ 350,00, bem como de trabalhos escassos e temporários de carpinagem e
construção de cercas. A família não possui automóvel e a alimentação é extraída da produção
familiar do cultivo de terra e animais (porco e galinha). O autor faz acompanhamento na APAE.
Constata-se que a situação da família é de vulnerabilidade social/financeira.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos, demonstra que o autor preenche o requisito
referente à deficiência e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à concessão do
benefício assistencial.
O termo inicial do benefício deve ser mantido a contar do requerimento administrativo
(16.09.2014), devendo ser compensadas as parcelas recebidas a título de antecipação de tutela.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência,
observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado em
20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de
poupança a partir de 30.06.2009.
Tendo em vista o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, nos termos do
artigo 85, § 11, do CPC, fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor
das parcelas vencidas até a data da presente decisão, eis que de acordo com o entendimento da
10ª Turma desta E. Corte.
Diante do exposto, nego provimento à apelação do réu e à remessa oficial tida por interposta. As
parcelas já recebidas a título de antecipação de tutela deverão ser descontadas quando da
liquidação da sentença.
É como voto.
PJE 5005721-66.2018.4.03.9999
VOTO RETIFICADOR
O Exmo. Senhor Desembargador Federal Sérgio Nascimento: Na sessão de 26.03.2019,
apresentei voto no sentido de negar provimento à apelação do réu e à remessa oficial tida por
interposta.
Na oportunidade, o i. Desembargador Federal Nelson Porfírio pediu vista, sendo que, em sessão
realizada em 09.04.2019, apresentou seu voto, assinalando que "... Consta dos autos que a parte
autora requereu o benefício administrativamente em 16.09.2014. Entretanto, conforme documento
ID 7513405, pág 70, o benefício foi indeferido em razão de não comparecimento para realização
de avaliação social, razão pela qual entendo que este deve ser fixado na data da citação".
Todavia, não foi considerado na análise do termo inicial do benefício, o fato de que o benefício
havia sido indeferido, em razão do não comparecimento da parte autora na avaliação social.
Portanto, é forçoso concluir que o termo inicial do benefício assistencial, deve ser fixado a partir
da citação (28.10.2015 – pág. 44 – ID 7513405), devendo ser compensadas as parcelas
recebidas a título de antecipação de tutela.
Honorários advocatícios mantidos nos termos da r. sentença, ou seja, em 10% sobre o valor das
parcelas vencidas até a sentença.
Diante do exposto, retifico voto anteriormente prolatado, para dar parcial provimento à apelação
do INSS e à remessa oficial tida por interposta, para fixar o termo inicial do benefício a partir da
citação.
Expeça-se e-mail ao INSS comunicando-se a retificação da DIB do benefício para 28.10.2015.
É o voto retificador.
PJE 5005721-66.2018.4.03.9999
VOTO-VISTA
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio: Em Sessão realizada pela Décima Turma desta
E. Corte em 26.03.2019, o Exmo. Desembargador Federal Sergio Nascimento, relator do
processo, proferiu voto negando provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, tida por
interposta.
Solicitei vista dos autos, para melhor examinar a questão trazida à discussão.
Consoante laudo pericial o autor é portador de retardo mental leve, deficiência congênita, com
transtorno de fala. Podendo “integrar-se social e profissionalmente, adquirindo condições para um
custeio mínimo das próprias despesas, mas, pode precisar de supervisão, orientação e
assistência, especialmente quando sob estresse social ou econômico”.
Assim, é possível concluir que o estado clínico da parte-autora implica a existência de
impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, poderia obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas, devendo, assim, ser considerada pessoa com deficiência para os efeitos legais.
Quanto ao laudo social produzido, consta que o autor reside com seus pais e um irmão, também
menor de idade. O imóvel é situado em área rural e foi adquirido em virtude de reforma agrária,
realizada em 2007, e fica distante da cidade. A família alega não ter muito acesso ao Posto de
Saúde, haja vista que para se chegar a ele a passagem de ônibus custaria R$ 50,00. O autor,
quando da realização do estudo social, tinha 15 anos e estava cursando o 6º ano do ensino
fundamental e frequentava a APAE duas vezes por semana. Foi informado que o pai do autor, à
época com 78 anos, recebia benefício assistencial e a mãe não auferia renda.
Considerando que o benefício era equivalente a 1 (um) salário mínimo, deve ser excluído do
cômputo da renda familiar, que será, portanto, zero.
Assim, conforme o relatado, tem-se que deve ser reconhecida a presunção de hipossuficiência,
nos termos do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993.
Dessa forma, acompanho o eminente Relator quanto ao mérito da causa.
Por outro lado, ouso divergir apenas em relação ao termo inicial do benefício. Consta dos autos
que a parte autora requereu o benefício administrativamente em 16.09.2014. Entretanto,
conforme documento ID 7513405, pág 70, o benefício foi indeferido em razão de “não
comparecimento para realização de avaliação social”, razão pela qual entendo que este deve ser
fixado na data da citação.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação e à remessa oficial para que o termo inicial do
benefício seja fixado na data da citação.
É como voto.
E M E N T ACONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL TIDA POR
INTERPOSTA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, V, CF. REQUISITOS
LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA.
INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.I- Aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490
do E. STJ, que assim dispõe: A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação
ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças
ilíquidas.II - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de
proteção estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado
com as alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto
Legislativo 186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos
autos, a parte autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas'.III - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito
do E. STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei
8.742/93 define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a
comprovação da miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício.
(Precedente do E. STJ).IV- Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento
recente dos Recursos Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação
4.374, o E. Supremo Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para
entender pela inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.V - O
entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.VI – Termo inicial do benefício fixado a partir da citação (28.10.2015),
devendo ser compensadas as parcelas recebidas a título de antecipação de tutela.VII - A
correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência,
observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado em
20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de
poupança a partir de 30.06.2009.VIII - Honorários advocatícios mantidos nos termos da r.
sentença, em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença.IX -
Apelação do réu e remessa oficial tida por interposta parcialmente providas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, APÓS O VOTO-VISTA DO
DES. FED. NELSON PORFIRIO NO SENTIDO DE ACOMPANHAR O RELATOR QUANTO AO
MÉRITO, MAS DIVERGINDO EM RELAÇÃO AO TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO, E APÓS O
VOTO RETIFICADOR DO RELATOR, A TURMA, À UNANIMIDADE, DEU PARCIAL
PROVIMENTO APELAÇÃO DO RÉU E À REMESSA OFICIAL, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
