Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5135459-10.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
28/11/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 02/12/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA.
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, V, CF. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL DO
BENEFÍCIO. VERBAS ACESSÓRIAS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I-Aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que assim dispõe: A dispensa de
reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a
sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
II - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte
autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
III - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E.
STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
E. STJ).
IV- Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
V - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
VI- Mantido o termo inicial do benefício na forma da sentença, ou seja, deve ser fixado a contar
da data do requerimento administrativo (24.01.2017 - fl. 43), ocasião em que presentes os
requisitos para a concessão da benesse, devendo ser compensadas as parcelas pagas a título de
antecipação de tutela, quando da liquidação da sentença.
VII-A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de
regência, observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado
em 20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta
de poupança a partir de 30.06.2009.
VIII-Tendo em vista o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, nos termos
do artigo 85, § 11, do CPC, os honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento)devem
incidir sobre as prestações vencidas até a data do presente acórdão, eis que de acordo com o
entendimento da 10ª Turma desta E. Corte.
IX- Remessa Oficial tida por interposta e Apelação do réu improvidas.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5135459-10.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: L. D. S. S. T.
REPRESENTANTE: VALQUIRIA APARECIDA DA SILVA SANTOS
Advogado do(a) APELADO: CESAR AUGUSTO DE ARRUDA MENDES JUNIOR - SP149876-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5135459-10.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: L. D. S. S. T.
REPRESENTANTE: VALQUIRIA APARECIDA DA SILVA SANTOS
Advogado do(a) APELADO: CESAR AUGUSTO DE ARRUDA MENDES JUNIOR - SP149876-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Senhor Desembargador Federal Sergio Nascimento (Relator): Trata-se de apelação de
sentença pela qual foi julgado procedente o pedido do autor, para condenar o réu a conceder-lhe
o benefício de prestação continuada, previsto no art. 203, V, da Constituição da República, a
partir da data do requerimento administrativo (26.04.2017). Sobre as prestações atrasadas deverá
incidir correção monetária, consoante IPCA-E e juros de mora, a partir da citação, segundo índice
de remuneração da caderneta de poupança. O réu foi condenado, ainda, ao pagamento de
honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações vencidas
até a data da sentença. Concedida a tutela antecipada, determinando-se a imediata implantação
do benefício, tendo sido cumprida a decisão judicial, consoante dados do CNIS.
O réu apelante, em suas razões de recurso, alega que não restaram preenchidos os requisitos
para a concessão do benefício. Subsidiariamente, requer sejam observados os critérios de
correção monetária e juros de mora previstos na Lei n. 11.960/09.
Com as contrarrazões da parte autora, vieram os autos a esta E. Corte.
O d. representante do Ministério Público Federal, em seu parecer,opinou pelo desprovimento da
apelação do réu.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5135459-10.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: L. D. S. S. T.
REPRESENTANTE: VALQUIRIA APARECIDA DA SILVA SANTOS
Advogado do(a) APELADO: CESAR AUGUSTO DE ARRUDA MENDES JUNIOR - SP149876-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Nos termos do art. 1011 do CPC, recebo a apelação do réu.
Da remessa oficial tida por interposta Aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ,
que assim dispõe:
A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for
inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
Do mérito
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:(...)V - a garantia de um salário mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios
de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Coube à Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (LOAS), a instituição do referido benefício,
tratando dos critérios para sua concessão em seus artigos 20 e 21. Por sua vez, a Lei 12.435, de
06 de julho de 2011, veio modificar os referidos dispositivos, sendo aplicáveis para os benefícios
requeridos a partir de sua edição - caso dos autos - os seguintes requisitos:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.§ 1o Para os efeitos
do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e,
na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados
solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. § 2o Para efeito de
concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos
de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas. § 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um
quarto) do salário-mínimo. § 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo
beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da
assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.§ 5o A condição de
acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa
com deficiência ao benefício de prestação continuada.§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita
à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação
médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto
Nacional de Seguro Social - INSS. § 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de
residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu
encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.§ 8o A renda familiar
mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal,
sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do
pedido.§ 9º A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será
considerada para fins do cálculo a que se refere o § 3o deste artigo.§ 10. Considera-se
impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos.Assim, para que alguém faça jus ao benefício pleiteado, deve ser
portador de deficiência ou ter mais de 65 anos e ser incapaz de prover a própria manutenção ou
tê-la provida por sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.(...)§ 2º
Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo
e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o
beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, o laudo médico
pericial, elaborado em 11.09.2017, atesta que o autor, atualmente com 16 anos de idade, é
portador de deficiência intelectual leve, bem como esquizofrenia paranoide, estando incapacitado
total e temporariamente para o trabalho.
Assim, a deficiência apresentada pelo autorautoriza a concessão do benefício assistencial, caso
preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com
potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de
condições com outras pessoas, já que portador de retardo mental, ainda que de natureza leve.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão
que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J.
01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e
Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. (...)Verificou-se a
ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas
(políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares
econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte
do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade,
do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada improcedente.(Rcl 4374,
Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
O estudo social, realizado em 26.05.2018, constatou que o núcleo familiar do autor é composto
por sua genitora e uma irmã mais nova. A residência é cedida pela avó materna, de baixo padrão,
construída em alvenaria, sem acabamento, e em péssimo estado de conservação. Possui dois
cômodos e um banheiro. A casa é guarnecida de poucos móveis, como cama, guarda-roupas,
televisão, geladeira e fogão. A família não possui telefone fixo nem automóvel. A renda familiar é
composta pelos rendimentos que a genitora percebe fazendofaxinas, duas vezes por mês, no
valor de R$ 100,00, mais a pensão alimentícia que o autor recebe do genitor, no valor de R$
290,00, estando há três meses em atraso.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos, demonstra que o autor preenche o requisito
referente à deficiência e comprovou sua hipossuficiência econômica, fazendo jus à concessão do
benefício assistencial.
Mantido o termo inicial do benefício a partir da data do requerimento administrativo (26.04.2017),
devendo ser compensadas as parcelas pagas a título de antecipação de tutela, quando da
liquidação da sentença.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência,
observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado em
20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de
poupança a partir de 30.06.2009.
Tendo em vista o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, nos termos do
artigo 85, § 11, do CPC, os honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento)devem incidir
sobre as prestações vencidas até a data do presente acórdão, eis que de acordo com o
entendimento da 10ª Turma desta E. Corte.As parcelas pagas a título de antecipação de tutela
deverão ser compensadas, quando da liquidação da sentença.
Diante do exposto, nego provimento à remessa oficial tida por interposta e à apelação do réu.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA.
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, V, CF. REQUISITOS LEGAIS
COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. TERMO INICIAL DO
BENEFÍCIO. VERBAS ACESSÓRIAS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I-Aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que assim dispõe: A dispensa de
reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a
sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
II - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. No caso dos autos, a parte
autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 'obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas'.
III - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E.
STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
IV- Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
V - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
VI- Mantido o termo inicial do benefício na forma da sentença, ou seja, deve ser fixado a contar
da data do requerimento administrativo (24.01.2017 - fl. 43), ocasião em que presentes os
requisitos para a concessão da benesse, devendo ser compensadas as parcelas pagas a título de
antecipação de tutela, quando da liquidação da sentença.
VII-A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de
regência, observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado
em 20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta
de poupança a partir de 30.06.2009.
VIII-Tendo em vista o trabalho adicional do patrono da parte autora em grau recursal, nos termos
do artigo 85, § 11, do CPC, os honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento)devem
incidir sobre as prestações vencidas até a data do presente acórdão, eis que de acordo com o
entendimento da 10ª Turma desta E. Corte.
IX- Remessa Oficial tida por interposta e Apelação do réu improvidas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egregia Decima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3 Regiao, por unanimidade, negar provimento a remessa
oficial tida por interposta e a apelacao do reu, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
