Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0010670-24.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
03/08/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 05/08/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA.
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI
8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E.
STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE
VALORES RECEBIDOS. TEMA 979 DO E. STJ. BOA FÉ OBJETIVA. DESNECESSIDADE.
SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
I-Retomando entendimento inicial, aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que
assim dispõe: A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito
controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
II - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, "in casu" tratando-se de
autora incapacitada de forma total e permanente para o trabalho.
III - Em que pese a deficiência da autora, não se encontra caracterizada a vulnerabilidade social
alegada, sendo a improcedência do pedido de rigor.
IV- A cessação do benefício assistencial e a implantação do benefício de aposentadoria por
idade, no valor de um salário mínimo, não implicou acréscimo à renda familiar então auferida, na
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
medida que os valores de tais benefícios eram equivalentes. Portanto, sob este aspecto, não se
vislumbra qualquer desvio na conduta da autora, posto que não houve alteração significativa da
situação fática, estando presente a boa-fé objetiva.
V - Oprincípio da saisine que vigora em nosso ordenamento jurídico determina a imediata
transmissão do domínio e da posse de herança com abertura da sucessão, decorrente da morte
do instituidor. Todavia, no caso em tela, cabe ponderar que a ora autora somente teve condições
para instaurar o processo de inventário em 2016, de modo que, apesar de figurar como titular de
imóvel rural de dimensão expressiva desde 1998, não auferiu qualquer rendimento deste em face
da ausência da formalização de sua propriedade. Assim sendo, a despeito de ostentar patrimônio
considerável, não houve efetiva alteração de sua situação econômico-financeira, não se
configurando, outrossim, conduta maliciosa, com o intento de induzir a erro a Autarquia
Previdenciária.
VI - Não descaracterizada a boa-fé objetiva da parte autora, fica o INSS obstado a promover
qualquer ato tendente a obter devolução de valores recebidos a título de benefício assistencial.
VII - Ante sucumbência recíproca, tanto a autora quanto o INSS deverão arcar, respectivamente,
com honorários advocatícios no importe de R$ 1.000,00 (um mil reais), sendo que a parte autora,
por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita, terá a exigibilidade de seu débito suspensa,
nos termos do art. 98, §§ 2º e 3º, do CPC.
VIII- Remessa Oficial tida por interposta e Apelação do réu parcialmente providas.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0010670-24.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PEDRINA MARIA DE CAMARGO
Advogado do(a) APELADO: FABIANA APARECIDA FERNANDES - SP278753
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0010670-24.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PEDRINA MARIA DE CAMARGO
Advogado do(a) APELADO: FABIANA APARECIDA FERNANDES - SP278753
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo Sr. Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Trata-se de apelação de
sentença pela qual foi julgado procedente o pedido formulado pela parte autora em ação
previdenciária, condenando o INSS a conceder-lhe o benefício de prestação continuada, desde
a data de sua cessação administrativa (01/07/2016), bem como declarar inexigível a dívida
referente aos valores recebidos pela autora, no valor de RS 9.937,71, após o advento da
aposentadoria de seu companheiro. As parcelas vencidas deverão ser pagas de uma única vez,
com correção monetária, desde a época em que cada pagamento deveria ter sido realizado e
com juros de mora, desde a citação, aplicados de acordo com os critérios fixados no Manual de
Orientação e Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. Honorários advocatícios
arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do artigo 85, parágrafos
2° e 3°, I, do CPC. Não houve condenação ao pagamento de custas e despesas processuais,
conforme dispõe o artigo 8°, § 1° da Lei 8.620/93. Restou deferida a antecipação de tutela para
que o INSS promovesse o restabelecimento o benefício de prestação continuada e passasse a
efetuar os pagamentos mensais futuros.
Noticiada a implantação do benefício em epígrafe – NB 87/131.959.964 – 5 (id. 117432147 –
pág. 67).
Objetiva o INSS a reforma da sentença alegando, em síntese, que a família apresenta
patrimônio incompatível com a noção de miserabilidade, pois o casal possui um automóvel
Saveiro CL – ano de 1992, bem como a autora ostenta como proprietária de imóvel rural de
mais de 92 hectares, resultante de herança oriunda do falecimento de seu pai, em 1998; que a
ora autora pagou as custas do processo referente ao inventário, o que revela capacidade
econômico-financeira; que a parte autora omitiu do INSS a propriedade rural herdada de seu
pai, o que afasta a alegação de boa-fé no recebimento do benefício. Requer, pois, seja
decretada a improcedência do pedido e, subsidiariamente, pleiteia sejam observados os
ditames no disposto no art. 1°-F da Lci 9.494/1997, com redação dada pela lei 11.960/2009,
bem como a base de cálculo dos honorários de sucumbência deve ser limitada às parcelas
vencidas até a sentença, nos termos da súmula 111 do e. STJ.
Sem as contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte.
Em seu parecer, o i. representante do Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento
do recurso de apelação interposto pelo INSS.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0010670-24.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PEDRINA MARIA DE CAMARGO
Advogado do(a) APELADO: FABIANA APARECIDA FERNANDES - SP278753
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Nos termos do artigo 1.011 do CPC/2015, recebo a apelação interposta pelo INSS.
DA REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA.
O § 3ºdo art.496 do novo CPC ao fazer referência expressa a "valor certo e liquido", não
permite que se afaste a remessa oficial sem que que a sentença preencha tal requisito, caso
contrário não faria sentido essa exigência de liquidez e certeza, ou seja, a lei estabelece dois
requisitos cumulativos: valor certo e liquido e que não ultrapasse o limite em salários mínimos
legalmente fixado.
Em consequência, retomando o entendimento inicial, aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula
490 do E. STJ, que assim dispõe:
"A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido
for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas".
Do mérito
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento
da Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
No caso em tela, a autora, nascida em 06.05.1955, possui mais de 65 (sessenta e cinco) anos
no momento atual. Todavia, cabe perquirir acerca da alegação de sua deficiência, tendo em
vista o pedido de restabelecimento do aludido benefício a contar de 01.07.2016.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto
Legislativo 186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da
República, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu
Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à
referida Convenção status normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar
do conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito
do artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais
extenso do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento,
inclusive de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação
social do indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste
artigo e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não
tendo o beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em
sede constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia
médica realizada em 17.07.2017 (id. 117432147 – pág. 14/16), constatou que aautora é
portadora de transtorno bipolar, com fase “maníaca” na data da perícia, estando incapacitada
para o labor.
Há que se reconhecer, portanto, que a parte autora fará jus ao benefício assistencial, caso
preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com
potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de
condições com outras pessoas'.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o
limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11,
acima transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede
de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por
acórdão que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual
se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por
ocasião do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da
questão, após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da
Reclamação 4374 - PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização".
Com efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo
destas nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os
critérios para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no
sistema de proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da
Lei 8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com
deficiência é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade,
que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os
indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de
um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, das informações colhidas por ocasião do estudo social realizado em
17.04.2017 (id. 117432146 – pág. 175/177), observa-se que aautora reside com o seu marido, o
Sr. José Elias da Silva, nascido em 20.12.1943, titular do benefício de aposentadoria por idade
no valor de um salário mínimo. O casal vive em imóvel próprio, composto por dois quartos, sala,
cozinha, banheiro. Os móveis consistem em um sofá, estante, tv. geladeira, mesa, duas camas
e uma beliche, dois guarda roupas, fogão e guarda louça. A família possui um automóvel
saveiro CL. ano 1992. A renda mensal familiar advém do rendimento de seu marido, no importe
de um salário mínimo. Não recebem ajuda financeira de terceiros ou parentes. As despesas
declaradas são: alimentação - RS: 400.00; energia - R$: 50,00; água - R$ 22,00; Farmácia - R$
200,00 e combustível - R$ 100,00.
Não se olvide que o valor percebido pelo marido da autora não deve integrar a renda familiar,
tendo em vista o decidido no REsp n. 1.355.052/SP, sob o regime dos recursos repetitivos do
artigo 543-C, do CPC/1973, no sentido de que “Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do
Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por
pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um
salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, §3º,
da Lei n. 8.742/1993”.
Todavia, os documentos trazidos pelo ora recorrente, consubstanciados em peças do processo
de inventário (autos n. ), demonstram que a ora autora figurou como sucessora universal da
herança deixada por seu genitor, o Sr. Augusto de Camargo, falecido em 31.03.1998, tendo
assumido a titularidade de imóvel rural com mais de 89 hectares, o que indica a formação de
patrimônio relevante a evidenciar a desnecessidade de auxílio financeiro.
Insta acrescentar que intimada para apresentar contrarrazões, a autora deixou correr “in albis” o
prazo para se manifestar.
Portanto, o conjunto probatório existente nos autos demonstra que aautora não se encontra em
situação de miserabilidade que justifique a concessão do amparo assistencial.
Não se trata, na espécie, de deixar de considerar a renda per capita inferior a ¼ (um quarto) de
salário mínimo como presunção absoluta de miserabilidade, mas sim apenas de apontar a
fragilidade do conjunto probatório, inábil a comprovar de maneira inequívoca a renda do núcleo
familiar e a situação econômica respectiva.
Esclareço, entretanto, que a parte autora poderá pleitear o benefício em comento novamente,
caso haja alteração de sua situação econômica.
Em relação ao pleito pelo afastamento da devolução dos valores pretendida pelo INSS, no
importe de R$ 9.937,71 (nove mil e novecentos e trinta e sete reais, e setenta e um centavos), a
contar do momento em que seu companheiro teve reconhecido o direito ao benefício de
aposentadoria por idade (DIB em 20.12.2003 e DDB em 29.05.2015), cabe destacar que o e.
STJ, no tema n. 979, estabeleceu a seguinte tese: Com relação aos pagamentos indevidos aos
segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em
interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o
desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao
segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto,
comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível
constatar o pagamento indevido.”.
Há que se apurar, portanto, se, no caso concreto, a autora agiu com boa-fé objetiva.
Conforme leciona o eminente Ministro do STJ, Paulo de Tarso Sanseverino, “a boa fé objetiva
constitui um modelo de conduta social ou padrão ético de comportamento que impõe,
concretamente, a todo cidadão que, nas suas relações, atue com honestidade, lealdade e
probidade”. Faz distinção em relação à boa-fé subjetiva, “que é o estado de consciência ou a
crença do sujeito de estar agindo em conformidade com as normas do ordenamento jurídico”
(REsp n. 1.192.678; j. em 13.11.2012; publ. em 26.11.2012).
Na espécie, autora vinha recebendo benefício assistencial desde 09.08.2004 (id. 117432146 –
pág. 38) e seu marido já percebia renda oriunda também de benefício assistencial, conforme se
vê do extrato do CNIS (id. 117432146 – pág. 130). Nesse passo, penso que a cessação do
benefício assistencial e a implantação do benefício de aposentadoria por idade, no valor de um
salário mínimo, não implicou acréscimo à renda familiar então auferida, na medida que os
valores de tais benefícios eram equivalentes. Portanto, sob este aspecto, não se vislumbra
qualquer desvio na conduta da autora, posto que não houve alteração significativa da situação
fática, estando presente a boa-fé objetiva.
Por outro lado, o princípio da saisine que vigora em nosso ordenamento jurídico determina a
imediata transmissão do domínio e da posse de herança com abertura da sucessão, decorrente
da morte do instituidor. Todavia, no caso em tela, cabe ponderar que a ora autora somente teve
condições para instaurar o processo de inventário em 2016, de modo que, apesar de figurar
como titular de imóvel rural de dimensão expressiva desde 1998, não auferiu qualquer
rendimento deste em face da ausência da formalização de sua propriedade. Assim sendo, a
despeito de ostentar patrimônio considerável, não houve efetiva alteração de sua situação
econômico-financeira, não se configurando, outrossim, conduta maliciosa, com o intento de
induzir a erro a Autarquia Previdenciária.
Em síntese, não descaracterizada a boa-fé objetiva da parte autora, fica o INSS obstado a
promover qualquer ato tendente a obter devolução de valores recebidos a título de benefício
assistencial.
Ante sucumbência recíproca, tanto a autora quanto o INSS deverão arcar, respectivamente,
com honorários advocatícios no importe de R$ 1.000,00 (um mil reais), sendo que a parte
autora, por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita, terá a exigibilidade de seu débito
suspensa, nos termos do art. 98, §§ 2º e 3º, do CPC.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação do réu e à remessa oficial tida por
interposta, para julgar improcedente o pedido de restabelecimento do benefício de prestação
continuada, esclarecendo que fica obstada a devolução dos valores pretendida pelo INSS.
Honorários advocatícios na forma acima explicitada.
Determino que, independentemente do trânsito em julgado,comunique-se ao INSS (Gerência
Executiva), a fim de serem adotadas as providências cabíveis para que seja cessado
imediatamente o benefício de Prestação Continuada em nome da autora PEDRINA MARIA DE
CAMARGO (NB 87/131.959.964 – 5).
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA.
BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI
8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E.
STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE
VALORES RECEBIDOS. TEMA 979 DO E. STJ. BOA FÉ OBJETIVA. DESNECESSIDADE.
SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
I-Retomando entendimento inicial, aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ,
que assim dispõe: A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do
direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças
ilíquidas.
II - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, "in casu" tratando-se de
autora incapacitada de forma total e permanente para o trabalho.
III - Em que pese a deficiência da autora, não se encontra caracterizada a vulnerabilidade social
alegada, sendo a improcedência do pedido de rigor.
IV- A cessação do benefício assistencial e a implantação do benefício de aposentadoria por
idade, no valor de um salário mínimo, não implicou acréscimo à renda familiar então auferida,
na medida que os valores de tais benefícios eram equivalentes. Portanto, sob este aspecto, não
se vislumbra qualquer desvio na conduta da autora, posto que não houve alteração significativa
da situação fática, estando presente a boa-fé objetiva.
V - Oprincípio da saisine que vigora em nosso ordenamento jurídico determina a imediata
transmissão do domínio e da posse de herança com abertura da sucessão, decorrente da morte
do instituidor. Todavia, no caso em tela, cabe ponderar que a ora autora somente teve
condições para instaurar o processo de inventário em 2016, de modo que, apesar de figurar
como titular de imóvel rural de dimensão expressiva desde 1998, não auferiu qualquer
rendimento deste em face da ausência da formalização de sua propriedade. Assim sendo, a
despeito de ostentar patrimônio considerável, não houve efetiva alteração de sua situação
econômico-financeira, não se configurando, outrossim, conduta maliciosa, com o intento de
induzir a erro a Autarquia Previdenciária.
VI - Não descaracterizada a boa-fé objetiva da parte autora, fica o INSS obstado a promover
qualquer ato tendente a obter devolução de valores recebidos a título de benefício assistencial.
VII - Ante sucumbência recíproca, tanto a autora quanto o INSS deverão arcar,
respectivamente, com honorários advocatícios no importe de R$ 1.000,00 (um mil reais), sendo
que a parte autora, por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita, terá a exigibilidade de
seu débito suspensa, nos termos do art. 98, §§ 2º e 3º, do CPC.
VIII- Remessa Oficial tida por interposta e Apelação do réu parcialmente providas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egregia Decima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3 Regiao, por unanimidade, dar parcial provimento à
apelação do réu e à remessa oficial tida por interposta, sendo que o Des. Fed. Nelson Porfirio
ressalvou o entendimento., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
